A dificuldade do Ministério do Meio Ambiente em controlar as queimadas e reduzir o desmatamento na Amazônia e no Pantanal aumentou a pressão sobre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para que a pasta seja incorporada pelo Ministério da Agricultura.
O movimento para convencer o presidente tem sido feito por empresários do agronegócio e conta com apoio de setores do próprio governo, que avaliam que o movimento é necessário para mudar a imagem negativa do país no exterior.
A ideia defendida é que a condução da política ambiental, sobretudo a fiscalização e o monitoramento, seja transferida ao Conselho da Amazônia, comandado pelo vice-presidente Hamilton Mourão. E o restante das funções administrativas do Meio Ambiente seria incorporado pela Agricultura.
A proposta não é inédita. Em 2018, durante a transição de governo, o presidente cogitou unir os dois ministérios, mas não levou a proposta à frente com receio de ser criticado por passar a mensagem pública de que seu governo não priorizava a preservação ambiental.
Agora, com a repercussão negativa da gestão do ministro Ricardo Salles no exterior, sobretudo na União Europeia, a fusão passou a ser defendida por empresários do agronegócio, que já fizeram chegar ao presidente a ideia.
Segundo relatos feitos à reportagem, a iniciativa tem sido capitaneada por representantes de frigoríficos e de exportadoras, que têm se queixado ao governo do risco de perderem mercado por causa do desgaste da imagem do país no exterior.
A articulação por uma mudança teve início em junho e se intensificou a partir de agosto, com o cenário de queimadas não só na floresta amazônica, mas também no Pantanal. A devastação recorde no bioma do Centro-Oeste tem sido avaliada por empresários como a “gota d’água”.
De acordo com auxiliares do Palácio do Planalto, a pressão por uma fusão tem apoio de integrantes do segundo e terceiro escalões da Agricultura, bem como de membros das Forças Armadas, para os quais Mourão tem se destacado na interlocução com embaixadores europeus.
As críticas foram levadas ao presidente, mas ele, segundo relatos de auxiliares palacianos, sinalizou que, pelo menos por enquanto, não pretende fazer modificações no gabinete. Para aliados do governo, o presidente também tem resistência ao eventual protagonismo do vice-presidente.
Além disso, apesar das críticas a Salles, Bolsonaro já disse a deputados aliados que aprova a gestão do ministro e que considera que ainda é possível alterar a imagem desgastada do país no exterior, sobretudo por meio de campanhas publicitárias.
A defesa de uma mudança no Meio Ambiente também foi feita recentemente ao presidente por um grupo de empresários de diferentes setores econômicos. Em almoço promovido no Palácio da Alvorada, foi sugerido a Bolsonaro que Mourão incorporasse parcela das funções do Meio Ambiente.
O objetivo era, assim, passar a mensagem a países estrangeiros de que o governo federal estaria disposto a mudar sua política ambiental. Para eles, a troca de Salles, sem nenhuma outra mudança administrativa, não seria suficiente. Segundo relatos feitos à reportagem, Bolsonaro ouviu as sugestões sem emitir opiniões. Procurado, o Ministério do Meio Ambiente disse que não procedem as informações sobre possível fusão.
Para congressistas e ruralistas ouvidos pela reportagem, a proposta é “plenamente compreensível”, embora eles tenham dúvidas sobre a possibilidade de ela sair do papel. A fusão seria, na opinião deles, uma “medida desesperada” em reação às críticas dos mercados internacionais à política ambiental brasileira.
Especialistas consultados enxergam interesses comerciais por trás da reação internacional à política ambiental de Bolsonaro, como argumenta o presidente -a narrativa inclui acusações de tentativa de interferência na soberania brasileira.
No entanto, afirmam que a atitude agressiva e a falta de habilidade política do governo, ligadas aos filhos do presidente e associadas ao núcleo ideológico, comprometem avanços do país em negociações comerciais de interesse do agronegócio.
Um exemplo disso é o acordo da União Europeia com o Mercosul, que abriria o mercado europeu a produtos brasileiros. As conversas, concluídas no governo Bolsonaro, incluíam o compromisso do Brasil em reverter o desmatamento e cumprir o Acordo de Paris para combater mudanças climáticas.
A política ambiental atual levou países como Áustria, França e Holanda a manifestarem oposição ao acordo, que precisa ser chancelado por parlamentos de cada país da UE. A notícia alarmou empresários do agronegócio.
Por outro lado, ruralistas e ambientalistas ponderam o efeito negativo de uma decisão como fundir um ministério com foco em desenvolvimento agrícola com um que teria como objetivo assegurar a proteção ambiental do país.
“A preocupação seria a compreensão disso lá fora: os jornais noticiando que o Brasil extinguiu o Ministério do Meio Ambiente para submetê-lo à Agricultura. A emenda pode sair pior do que o soneto”, afirmou o líder do PV na Câmara dos Deputados, Enrico Misasi (SP).
Na avaliação dele, a medida poderia isolar ainda mais o país. “A gestão da repercussão dessa decisão seria muito delicada, e não vejo como é possível fazê-la a nível internacional”, afirmou. Pedro de Camargo Neto, ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira, também se diz contra a fusão.
“A questão ambiental vai muito além da agricultura. Você tem desde saneamento, petróleo no mar, perfurações marítimas, mineração. A produção agrícola é uma parte, menor e mais fácil de ser tratada, embora seja a que está em evidência”, afirmou.
Para ele, a gestão ambiental “ruim” tem reflexos não apenas no exterior, mas no mercado doméstico, como no caso do Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente), presidido por Salles. O órgão revogou duas resoluções que protegiam manguezais e restingas.
Nos bastidores, ruralistas e ambientalistas concordam com uma solução mais simples que a reorganização administrativa: a troca de Salles por um ministro comprometido com a causa ambiental. No governo, Salles é tido como um dos ministros fortes de Bolsonaro, justamente por ter o apoio do núcleo ideológico e dos filhos do presidente. No entanto, lembra um congressista alinhado com o agronegócio, o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub também fazia parte desse grupo.
Em janeiro, quando o país virou alvo de críticas no Fórum Econômico Mundial, em Davos, por má gestão ambiental, Bolsonaro criou o Conselho da Amazônia na tentativa de arrefecer os ânimos. A iniciativa, contudo, não evitou o desgaste na imagem do país, já que os índices de desmatamento não foram reduzidos.
Na época, o presidente anunciou ainda que seria viabilizada uma Força Nacional Ambiental, para atuar de forma permanente na floresta amazônica para reprimir atividades criminosas e devastações ambientais. Não saiu do papel. (Bahia Notícias)