Um dos supostos presentes enviados pelo governo da Arábia Saudita por intermédio do ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque foi entregue para compor o acervo pessoal de Jair Bolsonaro (PL) em novembro do ano passado, mostra recibo oficial.
Segundo o ex-ministro e documentos, mais de um pacote foi entregue pelo governo saudita por ocasião da missão brasileira (sem Bolsonaro) que esteve no país do Oriente Médio em outubro de 2021.
Um deles, um conjunto de joias e relógio avaliado em R$ 16,5 milhões que seria para a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, foi retido pela Receita no aeroporto de Guarulhos (SP) assim que Albuquerque e equipe desembarcaram no Brasil. O caso foi revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo na sexta-feira (3).
Um outro pacote, que inclui relógio, caneta, abotoaduras, anel e um tipo de rosário, todos da marca suíça de diamantes Chopard e supostamente destinados a Bolsonaro, estava na bagagem de um dos integrantes da comitiva e não foi interceptado pela Receita.
Publicamente, não há estimativa ou avaliação de valores desse outro lote de joias.
No último dia 29 de novembro, a praticamente um mês de Bolsonaro encerrar o mandato, o assessor especial do Ministério de Minas e Energia Antônio Carlos Ramos de Barros Mello entregou os itens ao Palácio do Planalto. Na versão de Mello, eles estavam sob a guarda da pasta.
“Encaminho ao Gabinete Adjunto de Documentação Histórica -GADH caixa contendo os seguintes itens destinados ao Presidente da República Jair Messias Bolsonaro”, diz trecho do recibo de entrega ao qual a Folha de S.Paulo teve acesso. Procurada, a Presidência não respondeu.
Neste sábado (4), após evento nos Estados Unidos, Bolsonaro disse que não pediu nem recebeu qualquer tipo de presente em joias do governo da Arábia Saudita.
“Eu agora estou sendo crucificado no Brasil por um presente que não recebi. Vi em alguns jornais de forma maldosa dizendo que eu tentei trazer joias ilegais para o Brasil. Não existe isso”, afirmou.
Segundo ele, a Presidência notificou a alfândega. “Até aí tudo bem, nada de mais, poderia, no meu entender, a alfândega ter entregue. Iria para o acervo, seria entregue à primeira-dama. E o que diz a legislação? Ela poderia usar, não poderia desfazer-se daqui. Só isso, mais nada.”
Procurado pela reportagem, o ex-assessor especial Antônio Carlos Mello disse que fez a entrega pessoalmente ao setor encarregado do acervo presidencial no Planalto. Afirmou que o ministério informou a Receita e Presidência e pediu orientações tão logo os supostos presentes foram recebidos na pasta.
De acordo com Mello, houve uma série de tratativas para definir qual seria o destino do material, o que teria feito com que a entrega ocorresse mais de um ano após o recebimento.
“Foi entregue [ao Planalto em novembro de 2022] porque demorou-se muito nesse processo para dizer quem vai receber quem não vai receber, onde vai ficar onde não vai ficar. Só não podia ficar no ministério nem ninguém utilizar”, afirmou o ex-assessor especial do ministério.
Também acrescentou: “O que foi apreendido foi apreendido, mesmo dizendo que se tratava de presentes institucionais. Uma parte a Receita resolveu apreender. Não vou discutir. É um problema que não cabe a gente. E o restante que veio [para o ministério] foi entregue e recebido pela Presidência”.
Ainda não se sabe por qual motivo a Receita reteve somente parte das joias oriundas dos sauditas.
A gestão Bolsonaro tentou reaver o conjunto de joias e relógio retido pela Receita Federal sob a alegação de que os objetos seriam analisados para incorporação “ao acervo privado do Presidente da República ou ao acervo público da Presidência da República”.
A informação consta em documentos publicados em redes sociais pelo ex-chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social na gestão Bolsonaro, Fabio Wajngarten.
Em uma rede social, Michelle negou ser a destinatária das joias, mas não deu mais explicações e ironizou: “Quer dizer que ‘eu tenho tudo isso’ e não estava sabendo? Meu Deus! Vocês vão longe mesmo hein?! Estou rindo”.
Em nota neste sábado, a assessoria do ex-ministro Bento Albuquerque corroborou os documentos de Wajngarten e disse que, diante dos valores “histórico, cultural e artístico” dos itens, a pasta adotou medidas para encaminhar o acervo “ao seu adequado destino legal”.
“Tratavam-se de presentes institucionais destinados à Representação brasileira integrada por Comitiva do Ministério de Minas e Energia -portanto, do Estado brasileiro; e que, em decorrência, o Ministério de Minas e Energia adotaria as medidas cabíveis para o correto e legal encaminhamento do acervo recebido”, disse. (BN)