O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) pode passar a ser corrigido pela inflação se o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir pela inconstitucionalidade da atual taxa de reajuste. O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.090/2014 deve acontecer no próximo dia 20. Esta é a quarta vez em que o julgamento é agendado, depois de ser cancelado em 2019, 2020 e 2021.
O argumento apresentado pelo autor da ação, o Partido Solidariedade, é que a Taxa Referencial mais juros de 3% ao ano, que por lei atualiza os valores depositados nas contas do FGTS hoje, não repõe a inflação brasileira desde 1999. Dessa forma, os trabalhadores estariam perdendo o poder de compra do seu patrimônio.
A ação sugere que esse cálculo de atualização seja substituído por algum índice inflacionário, como o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) ou o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).
Ao comparar os índices do IPCA e da TR, percebe-se que até 1999 não havia muita disparidade, segundo a ADI. Porém, no segundo semestre de 1999, após mudanças de metodologia, a TR passou a ficar sempre inferior ao IPCA. Entre setembro de 2017 e novembro de 2021, a taxa chegou a ficar zerada na maioria dos meses.
O impacto da falta de correção é alto. Segundo estimativas do Instituto Fundo de Garantia do Trabalhador, cerca de R$ 720 bilhões deixaram de ser repassados aos trabalhadores desde 1999 até março deste ano, se no lugar da TR fosse usado o INPC para correção dos saldos.
Posso ter os meus valores reajustados?
Caso decida pela inconstitucionalidade da atual fórmula de correção do FGTS, o STF deve definir também quais pessoas terão direito ao reajuste.
Na opinião de Mário Avelino, presidente do Instituto Fundo de Garantia do Trabalhador, a situação com maior probabilidade é a de que o tribunal estabeleça o reajuste desde 1999 apenas para aqueles que entraram com uma ação antes da data do julgamento. Se esse for o caso, ficam excluídos os trabalhadores que já perderam ações sobre o tema, com ressalvas para alguns casos que devem ser conferidos com o advogado da causa.
A modulação dos efeitos, que restringiria a decisão apenas aos trabalhadores que já possuem uma ação, pode acontecer para evitar o custo exorbitante de reajustar todas as contas ativas do FGTS. Para Avelino, o pagamento retroativo para todos seria “impagável”. Atualmente, há cerca de 218 milhões de contas de FGTS com saldo, segundo a Caixa, que administra o fundo.
É possível também que a decisão a favor dos trabalhadores não seja retroativa e comece a valer apenas após o julgamento. Nesse caso, todos os trabalhadores com saldo nas contas do FGTS seriam beneficiados nas condições definidas pelo STF.
Há, ainda, uma terceira opção: a decisão de manter a constitucionalidade da TR como índice de correção dos valores. Se acontecer, a correção permanece a mesma já prevista por lei.
Expectativas
Os especialistas diferem sobre o resultado mais provável do julgamento. Pesa a favor dos trabalhadores, por exemplo, decisões em que o STF já declarou a taxa referencial como inconstitucional, como no caso dos precatórios e RPVs da União e dos débitos trabalhistas. “É incoerente o STF julgar a inconstitucionalidade da TR para outros casos e manter para o FGTS, é uma questão lógica e matemática de justiça”, opina Avelino.
Alessandra Benedito, professora de direito trabalhista da FGV-SP, concorda que há uma propensão de manter o modelo decisório. Segundo ela, deve pesar a questão de que o trabalhador teria um reajuste justo e equivalente ao caráter protetivo do FGTS.
Por outro lado, o atual contexto de preocupações com as contas públicas e a ancoragem fiscal pode influenciar numa decisão mais conservadora e menos penosa para o governo e para a Caixa Econômica, aponta Ivandick Cruzelles, advogado trabalhista e professor da Universidade Mackenzie. “O Supremo tem mostrado um comportamento muito fiscalista e pró-governo, exceto pela revisão da vida toda do INSS. Como são processos bilionários, com impacto nas contas públicas, a decisão pode ser difícil”, afirma.
É preciso entrar com ação?
É possível que, se julgada a inconstitucionalidade da atual forma de correção do FGTS, o reajuste retroativo seja válido apenas para aqueles que entraram com uma ação. Nesse caso, os especialistas sugerem que os interessados tenham cautela antes de aumentar as esperanças, pois nem sempre vale a pena financeiramente entrar com uma ação. “É preciso buscar um especialista para realizar os cálculos. No escritório, vamos consultar um contador para isso”, explica Cruzelles.
Sindicatos, associações e outros grupos têm se movimentado em ações coletivas. É o caso do Instituto Doméstica Legal em parceria com o Instituto Fundo de Garantia do Trabalhador, que também disponibilizam uma calculadora para que o trabalhador possa saber quanto têm a receber e se vale a pena entrar na ação. Avelino, presidente dos institutos, salienta que a maioria das pessoas possuem valores que não compensam, mas defende que, para aqueles que pode valer a pena, “é preciso assegurar os direitos trabalhistas”.
Para consultar os valores disponíveis nas contas do FGTS, o trabalhador pode acessar os aplicativos ou sites da Caixa Econômica ou do FGTS. É preciso também prestar atenção no prazo, já que o julgamento é no próximo dia 20.
Alessandra destaca que o FGTS é uma reserva que tem um valor muito importante para os brasileiros e que entrar com a ação é uma forma de assegurar os direitos. Porém, a advogada reitera que é preciso se atentar que não é possível prever a decisão do STF, e, assim, há risco de prejuízo. (Política Livre)