Taxação de super-ricos é importante, mas não afeta desigualdade

Para especialistas, objetivo do governo com projeto aprovado na Câmara é arrecadatório e não tem nada a ver com “justiça tributária”

A Câmara dos Deputados aprovou na última semana o projeto de lei que prevê a taxação tanto dos fundos exclusivos, considerados dos super-ricos, como os offshore, mantidos por brasileiros no exterior. Na avaliação de especialistas, trata-se de uma medida necessária, porque promove a isonomia em relação a outros investimentos existentes no país sobre os quais são cobrados impostos. Mas, ao contrário do que o nome sugere – e argumentam parlamentares ligados ao governo e a partidos de esquerda –, ela não promove qualquer tipo de justiça social e muito menos melhora o sistema tributário brasileiro.

Para o advogado Gabriel Quintanilha, professor da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito), no Rio, o projeto, que agora será analisado pelo Senado, tem um objetivo básico. “Ele é meramente arrecadatório”, diz. “Isso quer dizer que o governo precisa de mais dinheiro para tentar equilibrar suas contas e uma das formas de tentar obtê-lo é cobrando impostos.”

Quintanilha observa que, em princípio, é razoável que os mais ricos paguem proporcionalmente mais tributos. “Mas o problema é que a tributação desses fundos não vem seguida de nenhuma redução da carga tributária sobre o consumo, que penaliza os mais pobres”, afirma. “Ou seja, na prática, o projeto não altera em nada a regressividade do modelo brasileiro.” Um sistema tributário é regressivo quando ele tem maior peso sobre as camadas menos abastadas da sociedade, caso do modelo brasileiro.

O advogado e economista Eduardo Fleury, consultor do Banco Mundial, também considera positiva a isonomia promovida com a taxação dos fundos exclusivos. “Outros investimentos são tributados duas vezes por ano, em maio e novembro, no Brasil”, diz. “Não faz sentido não fazer o mesmo com quem aplica o dinheiro fora do país. Isso é até um estímulo para que as pessoas deixem o dinheiro no exterior.”

De super-ricos para ricos

Ele, contudo, também não vê nos novos tributos uma relação com qualquer forma de “justiça tributária”. “As pessoas que participam desses fundos exclusivos, por exemplo, não são necessariamente super-ricas, mesmo porque, em geral, eles são usados por famílias inteiras”, afirma. “E se os recursos arrecadados com esses impostos forem usados para promover novos benefícios a grupos específicos, como acontece com frequência, é provável que eles terminem favorecendo outros ricos.”

Fleury também considera que o interesse da administração federal na cobrança é arrecadatório. “O arcabouço fiscal está baseado no aumento de receitas e não no corte de despesas”, diz. “Por isso, o governo precisa buscar recursos em várias fontes.”

Arrecadação desidratada

A receita proveniente dos novos impostos, no entanto, ainda não é conhecida. A estimativa do Ministério da Fazenda era arrecadar cerca de R$ 20 bilhões por ano com as duas novas fontes. Seriam R$ 13 bilhões dos fundos exclusivos e R$ 7 bilhões dos offshore. Sabe-se, porém, que as alterações do projeto promovidas na Câmara diminuíram esse valor, mas ainda não existe uma estimativa do tamanho da queda.

Na avaliação de Maílson da Nóbrega, sócio da consultoria Tendências e ex-ministro da Fazenda, no governo Sarney, entre 1988 e 1990, essas alterações já eram esperadas. “Com certeza, isso iria acontecer, porque os grupos de pressão que defendem seus privilégios costumam funcionar muito bem no Congresso”, diz. “Embora isso não aconteça só no Brasil, essa é uma prática especialmente acentuada no país.”

Queda de um privilégio

Para Maílson, a criação dos novos tributos é importante à medida que elimina uma regalia para alguns tipos de aplicações. Ele observa que Martin Wolf, uma das estrelas entre os colunistas do jornal britânico Financial Times, defende em livro recente (A Crise do Capitalismo Democrático) que a eliminação de quaisquer privilégios é justamente uma das formas de aprimorar o sistema.about:blank

Maílson observa ainda que a taxação de fundos exclusivos, que incide sobre os mais ricos, ainda que nem todos sejam super-ricos, também não deve provocar uma saída de capital do país. Ele lembra que isso ocorreu na França, durante o governo socialista do ex-presidente François Hollande, entre 2012 e 2017, quando esse tipo de medida foi adotada. Diz o ex-ministro:: “Dificilmente os investidores encontrarão no exterior alternativas melhores para aplicar seu dinheiro do que as existentes no Brasil em termos de rentabilidade e segurança”.

(Metrópole)

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