Nós, brasileiros, nunca havíamos pesquisado tanto termos relacionados a “home office” desde 2004. Segundo dados do Google, expressões como “trabalho em casa” atingiram seu pico no final de março, justamente no período em que a maioria das empresas brasileiras decretaram o regime como uma medida de contenção à pandemia do novo coronavírus. Junto a isso, lojas e e-commerces relataram um crescimento nas vendas de itens eletrônicos, como computadores, smartphones, TVs e objetos de escritório.
Aparentemente, o modelo de trabalho como o conhecemos sofrerá com os impactos do COVID-19. Uma pesquisa feita pelo coordenador do MBA em marketing e inteligência de negócios digitais da FGV (Fundação Getulio Vargas), André Miceli, aponta que o home office pode crescer até 30% no país mesmo depois que as coisas se acalmarem. Atividades parecidas, como lojas on-line e ensino à distância, também receberam projeções iguais.
Mas como fazer para adotar uma nova rotina, imposta tão repentinamente? “No Brasil, o home office não é institucionalizado – a grande maioria das empresas ainda exigem o regime de trabalho in loco para seus funcionários. De repente, todo mundo foi obrigado a ficar em casa. É claro que isso pode ser extremamente difícil para algumas pessoas” explica a especialista em fisiologia do exercício e saúde corporativa Bianca Vilela (@biancavilelasaudecorporativa). Desde 2014, ela realiza treinamentos para melhorar a qualidade do trabalho em casa.
Impactos do home office no seu desempenho
Se você tem sentido que ultimamente não é tão eficiente quanto costuma ser, não se desespere. As causas para isso vão além do seu esforço pessoal. Ainda é preciso lembrar que estamos tendo que enfrentar uma série de outros obstáculos. Afinal, agora é preciso se organizar também para limpar a casa, fazer a comida, cuidar das crianças e dos pets… O turbilhão de novos desafios bagunçam a agenda e afetam diretamente a produtividade no trabalho. “É um momento atípico. Não dá para buscar a perfeição e nem querer que tudo saia da melhor forma possível. Com níveis de estresse, ansiedade e angústia aumentados, não é saudável se sentir culpado: temos que respeitar nossos limites”, afirma a psicóloga Marilene Kehdi (@marilenekehdi), especialista em atendimento clínico.
Como tudo é muito novo, nosso cérebro também não teve tempo suficiente para se reprogramar, o que pode atrapalhar a capacidade de foco e concentração. “Nós somos seres de hábitos. Nosso cérebro está sempre fazendo uma série de associações para que a gente possa ‘setorizar’ como manejamos a vida: ‘no supermercado, eu faço compras. Em casa, eu descanso. No escritório, eu trabalho’. Isso é uma espécie de organização mental e, quando estamos fazendo algo que não condiz com o espaço habitual, temos que fazer um esforço maior”, diz a psicóloga Daniela Faertes (@danielafaertes).
Por fim, não podemos esquecer também que alguns ainda têm que lidar com sufocos mais práticos: internet que não funciona, notebook velho, tomadas que não são suficientes… Mesmo assim, ainda podemos tomar pequenas atitudes para tornar o processo de adaptação muito menos doloroso. Consultamos especialistas em diferentes áreas para nos ajudar:
Cômodo
A personal organizer Rafaela Oliveira, do @organizesemfrescuras, explica que um home office de sucesso começa com a demarcação do território: é importante escolher um lugar fixo e tranquilo para trabalhar, não vale ficar mudando o endereço do escritório todos os dias. “E deixar a família inteira a par de que aquele é o seu local de trabalho”, conta. Cama e sofá, só para descanso – caso contrário, as chances do seu dia não ser nada produtivo (por conta das associações que a mente faz) são muito grandes.
Iluminação
De acordo com as arquitetas Gabriela Gontijo e Mariana Hummel, do Studio Gontijo (studiogontijoarquitetura), existem dois tipos de luz: a difusa e a pontuada. A primeira diz respeito à iluminação mais geral, que envolve a luz solar. Já a pontuada é aquela mais direta, que busca dar ênfase em algo (uma luminária, por exemplo). Um escritório ideal contempla os dois tipos. “Somente a luz difusa não é suficiente para iluminar o local, e a pontuada sozinha cansa os olhos”, dizem.
Por isso, procure posicionar-se próximo a uma janela ou espaço que tenha entrada de luz natural. E complemente com alguns abajures e luminárias. “Sempre priorize a luz mais fria. A lâmpada muito amarela deixa o ambiente mais aconchegante e pode dar sonolência”, diz Rafaela Oliveira. A mesma coisa funciona para as cores: busque ornamentos em tons de classic blue – eles atuam no subconsciente e ajudam na concentração e organização dos pensamentos.
Ventilação
Quanto à ventilação, preze pelo meio mais natural possível. “Quanto mais ventilado e arejado o ambiente, melhor. Sempre deixe uma fresta da janela aberta para facilitar a circulação de ar. E evite o ar condicionado, pois ele não faz bem para a nossa saúde”, aconselha Rafaela Oliveira.
Para finalizar, ela nos lembra também sobre a importância da organização. “Você não precisa ter muitas coisas em cima da mesa – quanto menos, melhor. Mas você deve manter a organização. Quando acabar o expediente, limpe o local. No dia seguinte, só de ver tudo arrumadinho já dá um outro astral para a pessoa começar o dia.”
Ergonomia
Para evitá dores, o ideal é buscar o máximo de ergonomia para seu novo escritório. O ortopedista Alberto Gotfryd (@dr.albertogotfryd), especialista em coluna pelo Hospital Albert Einstein, dá algumas dicas para você prestar atenção:
Altura da tela “O ideal é sempre manter a cabeça apontada para o horizonte, e nunca para baixo — ao longo do dia, essa posição pode dar dor no pescoço”, Alberto explica. Por isso, coloque uma caixa de sapato, ou mesmo livros, embaixo do seu notebook até que ele atinja a altura dos olhos.
Nada de sofá, cama ou banquinho da cozinha “Esses são os piores cenários para trabalhar. Na cama ou no sofá você precisa dobrar muito o pescoço. E no banquinho você não tem apoio para as costas. Com isso, a musculatura do tronco começará a fadigar, você perderá a postura ereta e a sua lombar sofrerá as consequências.”
Então, cuide da lombar “Sente em uma cadeira com encosto e mais para trás, para que a sua lombar fique bem apoiada”, diz o ortopedista. Se você precisar, pode colocar uma toalha dobrada na região para melhorar a sustentação.
Atente-se aos ângulos do quadril e joelhos “Lembre-se, também, de formar ângulos de 90º com os joelhos e o quadril. Se você é uma pessoa de baixa estatura e não consegue alcançar os pés no chão, improvise um degrau com livros para apoiá-los completamente.”
Cadeira com braços “Priorize cadeiras com braços — e ajuste-os para que seus cotovelos também formem ângulos de 90º e seus antebraços descansem. Caso não seja possível, tente colocar o antebraço na mesa”, diz Alberto.
Evite dores nas mãos “Isso pode ser feito com duas coisas: respeitar o tempo de uso do mouse e teclado que o seu corpo tolera (muita gente não pode passar de um limite de horas por dia) e ter onde colocar o punho para que ele fique em posição neutra (nem muito esticado e nem muito retraído).”
Pausas regulares
Mesmo seguindo todos os passos acima, as pausas devem ser feitas e respeitadas. “Elas podem acontecer a cada hora. Trabalhe durante cinquenta minutos, depois passe outros dez em pé, seja fazendo uma ligação, conversando com alguém ou mesmo andando pela casa”, recomenda Bianca Vilela. Passar muito tempo sentado, segundo ela, piora o retorno venoso para as pernas, provocando inchaços, varizes e até incômodos na região.
Para melhorar a disposição, preparar a musculatura e relaxar o corpo, os exercícios físicos entram como grandes aliados. “Eu sempre indico treinos mais intensos pela manhã para começar a jornada de trabalho; alguns aquecimentos como alguns agachamentos mais leves no meio do expediente para melhorar a produtividade e concentração (durante 15 minutos ou menos); e sessões de alongamento e relaxamento ao fim do dia, que preparam o organismo para se desligar das tarefas”, diz Bianca.
Planejamento
Programar o despertador para apenas tocar 15 minutos antes de começar o expediente pode até te dar alguns minutos a mais na cama, mas não é muito benéfico para o home office. “Tente levantar pelo menos uma hora antes. Assim, você tem tempo de colocar uma roupa adequada, tomar um café da manhã reforçado e adiantar o almoço”, explica Bianca Vilela.
Durante o trabalho, se está difícil manter o foco, Rafaela Oliveira aconselha separar as tarefas em curtos períodos de tempo (de, no máximo, 40 minutos) para você esquecer de tudo e só se concentrar no que precisa ser realizado. “Nessa hora, coloque o celular no modo avião, ignore ligações e pedidos dos familiares que não urgentes. O foco traz produtividade”.
E as duas profissionais concordam: aposte no planner ou agenda. “Lá, deve estar tudo o que for relacionado ou não ao trabalho. Anote até suas pausas, o tempo que passará com os filhos ou brincando com os pets”, afirma Bianca Vilela.
Limites
Tente-se para não extrapolar nas horas a mais em frente ao computador. “Isso pode prejudicar sua saúde física e mental. Sem contar que ao querer compensar a piora na produtividade com horas extras, você acaba exigindo demais de si e não entregando nada.”
Por fim, lembre-se que um bom home office também tem tudo a ver com o seu psicológico. “Apostar nos hobbies, no contato on-line com amigos e parentes e até tentar melhorar o relacionamento com as pessoas de casa são atitudes que irão beneficiar sua saúde mental e consequentemente melhorar seu trabalho”, explica a psicóloga Marilene Kehdi. (Boa Forma)