Dezenove pessoas morreram no naufrágio da lancha Cavalo Marinho I. Além disso, família luta para que uma mulher seja reconhecida como 20ª vítima.
A maior tragédia marítima da Baía de Todos-os-Santos completa cinco anos nesta quarta-feira (24). Dezenove pessoas morreram no naufrágio da lancha Cavalo Marinho I e, desde então, sobreviventes da tragédia e familiares esperam decisão da Justiça sobre as indenizações.
Além das 19 vítimas no dia do acidente, outra pessoa morreu em 2018, por sofrer de depressão e estresse pós-traumático – que é o distúrbio caracterizado pela dificuldade em se recuperar depois de vivenciar um acontecimento violento e/ou impactante. A família de Adailma Santana Gomes ainda luta para que ela seja reconhecida como a 20ª vítima da tragédia.
Quando o acidente aconteceu, em 2017, a Defensoria Pública da Bahia ajuizou 46 ações contra a CL Transportes Marítimos – dona da embarcação Cavalo Marinho I. Desse total, 41 casos ficaram na comarca de Itaparica e as outros cinco em Salvador.
Ao decorrer dos anos, alguns sobreviventes e familiares constituíram advogados particulares e 35 processos seguiram com a Defensoria Pública. Esses processos contemplam 37 pessoas, porque três pessoas de uma mesma família entraram com a ação juntas.
A maioria das ações foi conclusa desde 2019, ou seja: os autos finalizados foram enviados à Justiça. Com isso, falta apenas que o juiz determine a sentença de indenização. O Ministério Público da Bahia (MP-BA) informou que já apresentou as alegações finais e aguarda a decisão judicial.
O g1 entrou em contato com o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ-BA), mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem. A morosidade para o julgamento dos processos é o principal fator para a sensação de impunidade de familiares das vítimas e sobreviventes, como Jucimeire Santana.
“Hoje, a minha maior revolta é a impunidade. Todo ano nós fazemos manifestação sem apoio de ninguém. No ano passado, nós tivemos audiência de conciliação com o juiz e os advogados da Cavalo Marinho. O advogado teve a coragem de dizer que eles pagariam R$ 5 mil e um celular para os sobreviventes, e R$ 7 mil para as famílias de quem morreu. E quem não aceitasse o acordo, não iria receber nada”.
“Eu tomo nove remédios controlados. Fiquei com depressão e síndrome do pânico. Estou com pânico de lanchas, eu não aguento ver o mar. Os nossos processos estão todos parados. O que a gente quer é justiça. Cinco anos e não se resolve nada. Por quê? As famílias estão passando dificuldade, estão doentes – como eu. Perdi minha faculdade, perdi minha liberdade”.
Em 2020, duas pessoas foram condenadas por negligência, pelo Tribunal Marítimo, por serem os responsáveis diretos pela tragédia:
Lívio Garcia Galvão Júnior: proprietário da empresa responsável pela operação da embarcação;
Henrique José Caribé Ribeiro: engenheiro responsável técnico pela embarcação.
Lívio foi condenado à multa máxima no valor de R$ 10.860, a ser corrigido pelo setor de execução do Tribunal Marítimo. Já Henrique José foi penalizado com a interdição do exercício da função de responsável técnico em todas as Capitanias dos Portos do Brasil pelo período de cinco anos.
Na época do julgamento, o Tribunal Marítimo informou que a aplicação das penalidades não será retroativa e que as penas só podem ser executadas após o encerramento definitivo, na esfera administrativa. Desde o acidente, em 2017, o g1 tenta contato com Lívio, mas nunca conseguiu falar.
Na mesma condenação, a Marinha cancelou o registro de armador da empresa CL Transportes, que segue em operação nos terminais Náutico, em Salvador, e de Vera Cruz, em Mar Grande. O comandante da embarcação, Osvaldo Coelho Barreto, foi indiciado por imprudência, mas não foi considerado culpado, durante o julgamento.
Indenizações
Até 2019, quando os processos estavam nas fases das audiência de conciliação, a CL Transporte não participava das sessões. De acordo com o relato de Jucimeire, em 2021 os advogados da empresa participaram de uma conciliação e ofereceram um valor irrisório para as famílias das vítimas e sobreviventes.
Ainda em 2019, a empresa chegou a alegar, para a Defensoria Pública, que os valores indenizatórios eram altos. No mesmo período, a Defensoria entrou, por três vezes, com pedido de medida cautelar para indisponibilizar os bens da CL Transportes, além de solicitação para bloquear 20% das verbas da empresa para assegurar os pagamentos indenizatórios.
No entanto, a Justiça não autorizou a indisponibilidade dos bens e concedeu bloqueio de apenas 5% das verbas, mensalmente, para o pagamento das indenizações. A CL Transportes nunca depositou os valores determinados judicialmente.
Os processos de indenização são por danos morais e materiais, já que a maioria dos sobreviventes também perdeu pertences na tragédia. A maioria dos pedidos de indenizações é de, em média, R$ 100 mil.
O maior valor pedido é de cerca de R$ 1,5 milhão, da família em que as três pessoas entraram juntas com a ação, porque além dos danos morais e materiais, os Moreira da Silva também perderam uma pessoa no naufrágio, a Lindinalva Moreira da Silva, de 50 anos.
O acidente
A Cavalo Marinho I naufragou cerca de 15 minutos após sair do cais de Mar Grande, na cidade de Vera Cruz, no início da manhã de 24 de agosto de 2017. A embarcação tinha potencial para transportar 160 pessoas, e levava menos do que a capacidade: 120 – sendo 116 passageiros e quatro tripulantes.
A embarcação estava regular, no entanto, a Marinha encontrou uma série de negligências, atribuída ao proprietário da empresa e ao engenheiro. A principal delas foi a colocação de 400 kg de lastros, que são pesos usados para ajudar na capacidade de manobras, no fundo da lancha Cavalo Marinho I.
Os objetos que são feitos de concreto foram deixados soltos abaixo da sala de comando e deslizaram dentro da lancha, contribuindo “negativamente para a capacidade de recuperação dinâmica da embarcação”.
No mesmo inquérito, a Marinha identificou ainda que a embarcação passou por mudanças consideradas irregulares, que acabaram com a inserção desses lastros. Depois da colocação desse peso, um novo estudo de estabilização deveria ter sido feito. (G1 Bahia)