A Associação Brasileira de Toxicologia (ABTox) fez um levantamento que revelou que de cada dez laudos positivos para drogas do exame toxicológico que são exigidos dos motoristas profissionais, seis são para condutores de ônibus e van e quatro para motoristas de caminhão e carreta. Embora a Bahia não esteja entre os cinco estados que mais tiveram seus motoristas flagrados no exame toxicológico, entre março de 2016 e agosto de 2022, ainda assim são 11.485 casos positivos.
Do total de positivos registrados no Painel Toxicológico do Sistema Serpro, a ABTox identificou que 111.475 eram motoristas habilitados nas categorias D (van e ônibus). Enquanto isso, 81.789 dos positivos eram motoristas das categorias C e E (caminhão e carreta). “Um dado alarmante que comprova que o uso de drogas no transporte coletivo é muito maior do que as pessoas imaginam, contrariando a tese de que somente os que trafegam pelas estradas são usuários de drogas”, esclarece Renato Borges Dias, presidente da ABTox.
Antônio Siqueira, vice-presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas do Estado da Bahia (SETCEB), afirma que existe um preconceito acerca da vida na estrada, que gera estereótipos sobre motoristas de caminhões que muitas vezes não são verdade, a exemplo da falsa sensação de que todos os caminhoneiros usam drogas.
“Na realidade, nunca fomos bem vistos socialmente, mas é preciso entender que o caminhão e os caminhoneiros são parte importante da sociedade, já que promovem uma integração importante entre produtos e consumidores. Somos uma classe séria, as empresas de transporte de carga se preocupam muito com a segurança das mercadorias e dos profissionais, então tem um trabalho muito forte de conscientização com os motoristas sobre o uso de drogas”, conta Siqueira.
“Também fazemos exames toxicológicos periódicos, que são obrigatórios para a renovação da carteira profissional. Esse é nosso trabalho e levamos a segurança muito a sério. Caso um motorista seja pego no exame, fica suspenso por no mínimo três meses e acredito que nenhum caminhoneiro queira perder a oportunidade de trabalhar. Então, com isso, acho que apesar de acontecer pontualmente, esse estereótipo não é verdadeiro”, continua.
O coordenador do SOS Estradas, Rodolfo Rizzotto, responsável pelo estudo “As Drogas e os Motoristas Profissionais”, afirma que o uso irrestrito de drogas na categoria não é feito por lazer, mas para aguentar o abuso das longas jornadas de trabalho. Dentre os psicotrópicos mais flagrados pelo exame toxicológico, a cocaína é a mais utilizada pelos motoristas. “Acho importante entender que os motoristas que utilizam drogas as usam não porque são playboys, não por lazer, mas usam para resistir à jornada e ao stress das viagens que fazem, sejam motoristas de caminhão ou de ônibus”.
Rizzotto diz não ter dúvidas que o uso de drogas pelos motoristas profissionais tem relação direta com grande parte dos acidentes de trânsito que ocorrem diariamente no país. “Quando estão sob o efeito de alguma droga, os motoristas perdem a noção do que estão fazendo, muitos ficam imprudentes e geram sinistros, mas existe uma soma de fatores que contribuem para estes acidentes que não estão restritos ao uso de psicotrópicos. Vale ressaltar que a droga é muito mais comum dentro de transportes clandestinos e irregulares, e estamos falando sobre milhões de brasileiros que são transportados diariamente por esses tipos de veículos em todo o território”, continua.
Análise
O especialista explica que na pesquisa existem ainda os casos considerados positivos/negativos, em que o exame detecta que o indivíduo utilizou drogas, mas não com tanta frequência para ser considerado positivo. “Segundo dados que apuramos com os principais laboratórios, o número de pessoas que fizeram uso de drogas nos últimos 90 dias é pelo menos três vezes maior do que os laudos oficiais revelam”, observa.
Outra questão observada foi o comportamento regional da positividade do exame toxicológico. Os cinco estados que mais tiveram seus motoristas flagrados no exame toxicológico, no período de março de 2016 até agosto de 2022, foram: São Paulo, com 64.197; Minas Gerais, com 32.189; Paraná, com 24.458; Rio Grande do Sul, com 23.004; e Santa Catarina, com 18.827. No estado foram 11.485 casos positivos. “Estamos falando de números muito maiores do que a Operação Lei Seca pega de condutores dirigindo sob efeito de álcool das categorias C, D e E. Isso ocorre exatamente porque não tem fiscalização como a da Lei Seca para ônibus e caminhão”, afirma Rizzotto.
Para Valter Ferreira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários da Região Metropolitana de Salvador, Alagoinhas e Paulo Afonso (Sindmetro), o levantamento não reflete a realidade dos rodoviários de Salvador e Região Metropolitana. “Acredito que essa pesquisa não tem nada a ver com o rodoviário urbano e metropolitano porque nossa categoria, aqui, não tem esses casos. Acho que esses dados podem ser relativos ao pessoal da van, já que não têm fiscalização”, discorda.
“Como temos empresas de nome e respeito, é muito difícil acontecerem casos de uso de drogas. As empresas são rigorosas. Os empregadores, inclusive, nos cobram o exame toxicológico. Hoje não temos casos desses em Salvador e região metropolitana, antigamente pode ter acontecido, mas agora não existem mais. Apesar de sermos da categoria D, não acho que fazemos parte desses dados”, afirma. (ATarde)