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Numa clínica de recuperação para dependentes de drogas no Rio Grande do Norte, os pacientes eram obrigados a trabalhar na reforma da casa da proprietária. Em Minas Gerais, internos de uma comunidade terapêutica de viés evangélico tinham de frequentar cultos – e um deles teve rasgada uma imagem de Nossa Senhora Aparecida que levava consigo. No Mato Grosso, uma instituição mantinha uma transexual numa comunidade só para homens. Os casos são exemplos de violações de direitos humanos citadas no Relatório da Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas. Divulgado em junho, o documento foi feito pelo Conselho Federal de Psicologia, pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. Em 170 páginas, o relatório detalha as condições de 28 comunidades terapêuticas de onze Estados e do Distrito Federal. Sua principal constatação: as instituições vêm atuando como minimanicômios, mantendo os pacientes presos – e muitas vezes com a ajuda de verbas públicas. As práticas violam a legislação brasileira. A Lei 10.216 de 2001, conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica, veta a internação de pessoas com transtornos mentais em instituições de caráter asilar, onde os pacientes sejam privados de liberdade, não recebam assistência médica ou psicológica e sofram castigos e abusos. Porém, o relatório identificou várias instituições onde os pacientes são mantidos isolados, incomunicáveis e com restrição de visitas, têm documentos ou dinheiro retidos e não podem se comunicar com privacidade. Há no Brasil cerca de duas mil comunidades terapêuticas. Apesar da pequena amostragem abordada pelo relatório, especialistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que os problemas encontrados no relatório são regra, e não exceção. “É o modelo de funcionamento no qual se baseiam essas instituições que propiciam as violações denunciadas”, diz Lúcio Costa, perito do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e um dos envolvidos no estudo. A questão do caráter asilar está longe de ser a única violação encontrada. Ao realizarem visitas de surpresa, os cerca de 100 profissionais envolvidos na inspeção detectaram falta de documentos, menores vivendo com adultos, internação de idosos, desrespeito à diversidade sexual, aplicação de castigos, agressões físicas e falta de higiene, entre outras irregularidades. E a legislação não foi seguida mesmo nos poucos casos para os quais a lei prevê internações – quando feitas com laudo médico e notificação ao Ministério Público. Só duas das 28 comunidades visitadas tinham o documento assinado por um médico. As inspeções identificaram ainda internações que, a princípio, ocorrem de forma voluntária, mas que viram involuntárias com o passar do tempo. Normalmente, o paciente chega à comunidade por vontade própria, ou ao menos concordando com a internação. Mas, quando o período estipulado para o suposto tratamento chega ao fim, a clínica torna a saída quase impossível. “A laborterapia (tratamento de viciados) era, em praticamente a totalidade dos casos, simplesmente exploração de mão de obra. Os internos eram os responsáveis pela manutenção dos estabelecimentos sem receber nada em troca. Apenas substituíam trabalhadores pagos”, diz Lúcio Costa. A ONG Conectas pediu em 16 de julho uma audiência na Comissão Interamericana de Direitos Humanos para tratar do assunto. Caso o pedido seja atendido, o Brasil terá de se explicar sobre as denúncias. (BBC Brasil)