Este é o oitavo texto do blog Deriva Continental. Colaboraram na elaboração e edição da matéria: Álvaro Penteado Crósta, Débora Correia Rios, Maria Elizabeth Zucolotto, Diana Andrade, Rodrigo Vesule Fernandes, Kátia Leite Mansur, Natalia Hauser, Wolf Uwe, Reimold, Elisa Soares Rocha Barbosa e Umberto Giuseppe Cordani.
Na noite do dia 14 de janeiro, um meteoro cruzou o céu do Brasil e foi observado por moradores da região de Patos de Minas e cidades do Triângulo Mineiro, além de estados vizinhos a Minas Gerais. Sua explosão na atmosfera produziu um espetáculo de rara e assustadora beleza. Ele foi registrado por moradores e observatórios da região.
VEJA:
Além da “bola de fogo” vista no céu e do estrondo, os moradores também relataram um tremor de terra de baixa intensidade. Ao entrar na Terra, o atrito da atmosfera faz a rocha explodir, podendo ter gerado fragmentos chamados meteoritos. Até o momento, nenhum não foi encontrado (O vídeo viral do morador lavando o suposto meteorito é falso).
Fenômenos desse tipo, ainda que incomuns, são observados no mundo todo. O Centro de Estudos de Objetos Próximos da Terra (CNEOS), da NASA, registrou 866 eventos como esse entre abril de 1988 e 11 de janeiro de 2022. Isso dá uma média de 26 fenômenos por ano no mundo. O Brasil foi palco de outro evento desses em 2020. No dia 19 de agosto, meteoritos caíram sobre Santa Filomena, uma pequena cidade do sertão pernambucano, atingindo casas e se espalhando por uma área extensa. Inúmeros fragmentos – o maior deles pesando 40 kg – foram recuperados. Houve uma verdadeira “caça aos meteoritos” feita por brasileiros e estrangeiros (pesquisadores, colecionadores e comerciantes desse tipo de rocha) que correram para a cidade horas após a queda, para tentar achar ou comprar alguns deles.
Mas, afinal, qual é a diferença entre meteoros e meteoritos? Por que é importante recuperá-los e estudá-los? E, sobretudo, por que é necessário que o Brasil tenha uma legislação específica sobre meteoritos caídos em território nacional?
Meteoros, chuva de meteoros e meteoritos – qual a diferença?
Quem nunca viu uma estrela cadente riscando o céu? Elas nada mais são do que meteoros. O efeito luminoso é causado pelo atrito com a atmosfera terrestre, que deixa a rocha incandescente.
Eles podem ser esporádicos, como foi o caso de Minas, ou virem na forma de chuvas de meteoros. Essas são formadas pela poeira deixada pelos cometas em sua trajetória próxima ao Sol. Ao contrário dos meteoros esporádicos, a chuva tem datas certas e locais conhecidos para observação. As chuvas de meteoros mais conhecidas e intensas são as de Leônidas e Perseidas. Elas ocorrem anualmente e são relacionadas à passagem dos cometas Tempel-Tuttle e Swift-Tuttle, respectivamente.
Nenhum meteorito decorrente desse tipo de chuva foi recuperado até hoje, pois são partículas pequenas e frágeis. Assim como a maioria dos meteoros esporádicos, os fragmentos das chuvas de meteoros são completamente destruídos pelo atrito com a atmosfera.
Quando um corpo maior entra na atmosfera produz fenômenos bem mais brilhantes, chamados bólidos. Foi um fenômeno desse tipo que aconteceu recentemente no Triângulo Mineiro. Embora a maior parte de sua massa tenha provavelmente sido consumida na atmosfera, é possível que uma parte tenha chegado ao solo. As rochas sobreviventes são chamadas meteoritos.
Os meteoritos trazem informações fundamentais para o entendimento da evolução do Sistema Solar e da estrutura interna de Mercúrio, Vênus, Terra e Marte e outros corpos planetários. Existem três grandes classes de meteoritos: rochosos, metálicos e ferro-pétreos. A maioria vem do cinturão de asteroides, localizado na órbita entre Marte e Júpiter. Outros são interpretados como fragmentos originários da Lua ou de Marte.
86% dos meteoritos contêm côndrulos (aglomerações de pequenos glóbulos esféricos), e por isso recebem o nome de condritos. Os condritos são homogêneos e são considerados representantes do material mais primitivo do Sistema Solar. Muitos deles datam de 4570 milhões de anos atrás – considerada a idade de formação da Terra. A composição química dos condritos é muito similar, e por isso é considerada referência para a abundância química dos elementos não voláteis do Sistema Solar.
Outras classes de meteoritos – como acondritos (meteoritos rochosos), sideritos (meteoritos metálicos) e ferro-pétreos – vêm de corpos maiores, que possuem uma estrutura interna diferenciada em camadas concêntricas com diferentes características, como é o caso dos planetas terrestres. Os sideritos, por exemplo, são originários do núcleo desses corpos maiores que se fragmentaram em algum momento do passado geológico.
Onde encontrar os meteoritos?
Encontrar meteoritos, mesmo tendo testemunhado o bólido, não é tarefa simples. Os bólidos brilham e explodem quando estão entre 100 e 5 quilômetros de altitude. Nesse momento, eles são freados pela atmosfera e caem em queda livre, sem brilhar.
Os membros da BRAMON, uma rede colaborativa que monitora meteoros em todo o Brasil, precisam de três câmeras, além de informações precisas de localização, para estimar a trajetória percorrida pelo bólido e seus fragmentos após a explosão. Usando softwares específicos, a BRAMON calculou que, caso alguns meteoritos tenham sobrevivido, eles podem ser encontrados na região situada entre Araxá, Perdizes e São José da Antinha.
Mas é bom lembrar que raramente os fragmentos são encontrados logo após a ocorrência do fenômeno. O caso de Santa Filomena, mencionado no início do texto, foi uma exceção. Alguns fragmentos atingiram casas, então não foi difícil achá-los.
O mais comum é encontrar os meteoritos algum tempo após a queda, como ocorreu em Tiros (MG), também no Triângulo Mineiro. O meteorito caiu em maio de 2020 e só foi achado quatro meses depois. As pessoas foram informadas do fenômeno e ficaram atentas ao aparecimento de rochas diferentes, de cor preta, com aparência de terem sido queimadas.
Por isso é importante que os moradores locais reconheçam as características gerais de um meteorito e entrem em contato com universidades ou centros de pesquisa caso encontrem a rocha.
É importante destacar que os meteoritos não oferecem qualquer tipo de risco à saúde. Eles não são radioativos e nem contém substâncias tóxicas. Não é recomendável que um meteorito seja lavado por quem o encontrou, já que a limpeza pode remover informações químicas importantes. Ele deve ser coletado, armazenado em um plástico limpo e em local seco. Quem o encontrou deve também procurar especialistas.
Por que é importante recuperar meteoritos
Notícias recentes de pessoas que se tornaram ricas após encontrar um meteorito alimentam verdadeiras caçadas por estes visitantes espaciais. Mas afinal, por que um pedregulho pode valer mais do que a sua casa?
O fato é que elas são as únicas amostras acessíveis que os cientistas têm para analisar e entender a história do Sistema Solar. Sem os meteoritos, restam apenas as amostras coletadas por missões espaciais trabalhosas e caríssimas. A sonda Hayabusa 2 demorou cinco anos para coletar e trazer amostras do asteroide Ryugu – além de ter custado 150 milhões de dólares.
Você pode imaginar a euforia dos cientistas quando um bólido, como aquele visto em Minas Gerais, adentra a atmosfera. Os meteoritos são a “sonda espacial do cientista pobre” –
ou seja, são a única maneira dos pesquisadores de países com recursos limitados para a ciência terem acesso às amostras.
Pesquisas com meteoritos podem ajudar a responder perguntas sobre o universo: como o Sistema Solar se formou; quais elementos químicos existem no espaço; se existem outros planetas habitáveis; entre outras questões.
Também há interesses econômicos nas rochas que vêm do espaço. Projetos como o Space Ventures Investors buscam não só detectar objetos próximos à Terra, mas também explorá-los para extração de recursos – incluindo água, metais preciosos e elementos raros (terras-raras ou elementos do grupo da platina). Outras empresas, em conjunto com agências espaciais governamentais, têm projetos audaciosos como o estabelecimento de bases permanentes na Lua e a colonização de Marte.
Para entender como o espaço funciona, a demanda por amostras de rochas extraterrestres cresceu, e o comércio de meteoritos virou um negócio milionário. Colecionadores e museus internacionais compram amostras sem questionar sua procedência. Isso só fez aumentar a disputa dos “caçadores de meteoritos” em países sem legislação sobre o tema.
Quanto vale um meteorito?
Nesse mercado em ascensão, o valor de um meteorito está atrelado à composição, raridade, forma, estado de preservação, história, e há quanto tempo ele já está na Terra.
A queda de meteoritos em Santa Filomena, por exemplo, tem valor histórico ampliado pelo fato de ser um evento testemunhado e terem atingido edifícios, o que é muito raro. A chance de uma pessoa ser atingida por um meteorito é de uma em 100 bilhões. Eles são valiosos também por terem sido recuperados imediatamente após entrarem na atmosfera, então não ficaram expostos às intempéries.
Em pouco tempo, Santa Filomena foi invadida por pesquisadores e caçadores de meteoritos. Os moradores deixaram suas atividades costumeiras para se dedicar à caçada. Bancas para comercializar meteoritos, adquiridos com maços de dólares, foram montadas em um posto de gasolina. A maioria das amostras deixou o país ou foi parar nas mãos de colecionadores particulares. Como a quantidade de amostras era grande, os pesquisadores brasileiros também conseguiram obter alguns exemplares – mas as melhores amostras foram para o exterior.
Mas como os meteoritos Santa Filomena são de um tipo relativamente comum e muitas amostras foram recuperadas, seu valor não é alto. Um meteorito metálico vale menos de um dólar por grama no mercado internacional.
Dependendo da raridade, o meteorito pode atingir preços estratosféricos. Em 31 de outubro de 2021, um objeto foi registrado no Meteoritical Bulletin sob o nome “meteorito Socorro” – referência à cidade onde caiu, em Pernambuco. Tratava-se de um meteorito de 4,47 quilos proveniente de Marte. Esse é o terceiro maior meteorito marciano do mundo e o primeiro encontrado no Brasil. Um meteorito de Marte chega a valer mil dólares por grama – e a amostra brasileira valeria, no mínimo, 4,5 milhões de dólares.
O meteorito Socorro foi removido do Brasil, classificado no exterior e registrado por um pesquisador norte-americano. O cidadão brasileiro que o encontrou permanece anônimo, mas é pouco provável que ele tenha sido recompensado devidamente pela descoberta.
Por que o Brasil precisa de uma legislação específica para meteoritos
Imagine-se no lugar de alguém que acaba de encontrar um meteorito. Algumas perguntas podem vir à mente: Será que sou proprietário da rocha espacial, ou ela é propriedade estatal? É legal vendê-la no Brasil? Preciso de registro? E se quiser enviá-la para o exterior, será contrabando?
Apesar de serem objetos de extremo valor científico e econômico, não há nenhuma lei que trate sobre a propriedade e destino dos meteoritos encontrados no território nacional. Muitas vezes, nem mesmo as autoridades do local atingido sabem como agir. Foi o caso de Santa Filomena – não se sabia se o comércio entre coletores e colecionadores era legal ou não.
Como não há nenhuma lei especial que trate do assunto, essas peças são tratadas pelo ordenamento jurídico brasileiro como res nullius ou “coisa de ninguém”. Isto é: artigos comuns que, por não terem dono, podem ser apropriados livremente por qualquer um, se encontrados em local público. Há quem defenda que os meteoritos deveriam ser considerados bens estatais, mas por serem recursos de origem espacial e não rochas formadas na crosta terrestre, é de senso majoritário que fiquem de fora da lista apresentada na Constituição Federal.
O tratamento legal genérico concedido aos meteoritos favorece involuntariamente as relações privadas entre coletores e compradores, já que o comércio é desregulamentado.
Meteoritos são hoje no Brasil objetos comuns que podem ser apropriados e vendidos sem qualquer limitação. A valorização das moedas estrangeiras frente ao real também favorece a expatriação das rochas.
Quem sofre com isso é a ciência nacional. Com a ausência de regulamentação, uma das poucas formas de pesquisadores brasileiros obterem meteoritos para análise é pela compra – o que raramente é possível devido à escassez de recursos destinados à pesquisa. Ou seja, nada garante que os fragmentos caídos no Brasil serão analisados pelos cientistas daqui.
Tramitam hoje na Câmara dos Deputados dois Projetos de Lei que tratam da regulamentação da propriedade dos meteoritos e sua destinação à pesquisa. Os PL nº 4471 e nº 4529, ambos apresentados após acontecimentos de Santa Filomena em 2020, buscam pacificar a questão e permitir que a ciência brasileira tenha legalmente o direito de realizar a sua atividade. A Sociedade Brasileira de Geologia, responsável por este blog, endereçou um parecer sobre o assunto aos legisladores. Nele, expôs a importância do registro dos meteoritos em território nacional, além da necessidade de que instituições de pesquisa brasileiras tenham acesso a uma pequena parte de todos os meteoritos encontrados no Brasil. Tais ações garantiriam a continuidade das atividades científicas sem prejudicar o direito à propriedade privada daqueles que encontraram ou adquiriram as peças.
Se o Brasil quiser avançar nos estudos planetários, é necessária a criação de uma legislação que proteja o patrimônio meteorítico do país e garanta o acesso dos cientistas aos meteoritos caídos no território nacional. Além disso, é importante que nossos museus possam exibir estes meteoritos, na perspectiva de encantar nossos futuros cientistas.