“De um tempo para cá, nem para comprar pão, saio a pé. Aqui fora, sinto que posso ser assaltada ou sofrer qualquer tipo de violência a todo momento. Até de carro, não estamos imunes”, desabafa uma moradora do Itaigara, que prefere não se identificar, sobre a sensação de insegurança no bairro. Um medo que está presente por lá e em outros bairros com o metro quadrado mais caro da capital baiana como a Pituba, o Horto Florestal e o Canela. Locais antes considerados seguros e que passam por uma escalada de violência, com assaltos, invasões, cárcere privado e até troca de tiros.
Na noite da última terça-feira (17), no Horto Florestal, um tiroteio entre suspeitos e guarnições da Polícia Militar da Bahia assustou moradores do bairro. De acordo com a PM, equipes faziam rondas na região quando a vítima do roubo informou sobre o crime.
Os policiais começaram a busca e, ao acionarem a sirene, o suspeito que dirigia o veículo roubado – um Honda City – acelerou e foi perseguido. Já na Rua Maria Regina, em Brotas, os suspeitos abandonaram o automóvel, que ficou com uma marca de tiro, e fugiram correndo, na direção de um matagal atrás do Hospital Aristides Maltez.
Segundo moradores, eles dormiram na mata e, às 5h15 de quarta, voltaram para roubar outro carro. A vítima era um homem que estava saindo para o trabalho. O carro dele, um Palio, que não tinha seguro, ainda não foi recuperado. Nenhum suspeito foi localizado até agora.
Até abril deste ano, de acordo com a base de dados da Polícia Civil, em toda a Bahia, já foram roubados 4.617 carros e outros 2.028 veículos foram alvos de furtos.
Carro foi abandonado na Rua Maria Regina, em Brotas (Foto: Marina Silva/Correio) |
Ainda na noite de terça, uma família foi aterrorizada por cerca de 30 minutos na Rua Professora Zahidé Machado Neto, no Itaigara, depois que três bandidos invadiram a residência da região pulando o muro. De acordo com informações da PC, os donos da casa são um casal de idosos.
Em depoimento, as vítimas contaram que um dos assaltantes vigiou a mulher e os outros entraram com o homem nos cômodos para procurar itens de valor. Os criminosos conseguiram levar celulares, cartões de banco, um tablet e uma chave de veículo. A reportagem procurou a família para obter mais detalhes sobre o caso, sem sucesso.
Medo constante
O número de ocorrências e a sensação de medo nos bairros têm feito moradores alterarem a rotina, contratarem serviços e abrirem mão de hábitos diários, como conta Willian Belitardo, 24 anos, que mora no Itaigara desde que nasceu. “Tem muita gente com medo onde eu moro. O meu prédio e outros condomínios contrataram segurança particular para a área por conta desses ocorridos. Por aqui, as pessoas evitam sair o máximo que podem e só saem mesmo para coisas essenciais. […] Eu corria e fazia caminhada, mas parei de fazer por notar movimentações estranhas em carros nas ruas”, conta ele, citando também assaltos constantes a mercados.
Outro que vive no Itaigara desde pequeno é o estudante Pedro Moraes, 25. Ele diz que a sensação de insegurança vivenciada hoje no bairro é inédita. “Nunca vi o Itaigara tão perigoso como está. Não é só meu bairro, a cidade inteira está assim de maneira geral. Só que aqui, que era mais tranquilo, está demais a insegurança. Perto do Colégio São Paulo e em vários outros pontos, tem assalto direto, está muito difícil. Não sei como vai ser se não derem um jeito”, reclama ele.
Uma moradora da Pituba, que pediu para ter o nome preservado, relata que a situação onde vive é parecida. Hoje, hábitos comuns como levar o cachorro para passear ou comprar pão são limitados por conta do medo da ação de criminosos. “Esses dias estava em casa e a gente pensou em comer algo em uma pizzaria que fica aqui perto, não dá três minutos de casa. É um lugar que a gente sempre vai por ser muito perto e bom. Porém, preferimos abrir mão do ambiente que é legal e pedir para comer em casa. Tudo para se precaver de um assalto e possíveis violências que acontecem durante esse tipo de coisa”, afirma.
Na última terça-feira (17), cerca de 150 pessoas, entre moradores, síndicos e comerciantes da Pituba, se reuniram no Centro Comunitário da Igreja Católica, com o comando da 13ª Companhia Independente da Polícia Militar para discutir ações preventivas de segurança para a região. A dinâmica do bairro, locais sensíveis, condutas preventivas, entre outros assuntos, foram abordados no encontro.
Políticas públicas
Ao comentar o cenário atual, Sandro Cabral, professor do Insper e da Ufba de estratégia no setor público e autor de diversos trabalhos na área de segurança pública, diz que a maior percepção dos crimes nesse bairros está ligada a um aumento das ferramentas tecnológicas que propiciam melhor identificação dos crimes e faz uma ponderação. “Há um aumento da sensação de insegurança, mas a diferença entre a sensação e o fato, não podemos afirmar. É preciso olhar os dados. Sem isso, não dá para saber se os crimes estão aumentando ou estão sendo mais filmados, noticiados”, ressalta. A reportagem procurou a Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia (SSP-BA) para ter acesso aos números de roubos a residências no estado, mas não conseguiu retorno até o fechamento desta reportagem.
Cientista social e pesquisadora da rede de observatórios da segurança, Luciene Santana pontua também que a insegurança sentida nos bairros ricos e a que se vive em locais periféricos são diferentes. Enquanto nos bairros nobres, as ocorrências não costumam ter mortes, nos mais pobres as vítimas fatais se acumulam. “Nos bairros periféricos, a sensação de insegurança é a partir de uma operação policial que acontece, troca de tiros e mortes. Já nos bairros nobres, essa sensação vem a partir de roubos, assaltos e furtos”, destaca.
Para Luciene, políticas públicas são necessárias para lidar com essas diferentes formas de inseguranças registradas em bairros periféricos e em bairros ricos. Políticas que não estão apenas no enfrentamento, mas na promoção de condições adequadas para que os cidadãos ocupem os lugares. “A sensação de insegurança está envolvida com a própria ocupação do espaço público, a forma como as pessoas acessam o direito à cidade, a quantidade de equipamentos públicos em funcionamento e se essas pessoas estão em circulação ou não nesse local”, detalha.
Ruas tiveram o reforço no policiamento (Foto: Marina Silva/Correio) |
Cabral destaca que a maior facilidade em identificar os crimes pode ser usada pelas autoridades para ter estratégias adequadas ao enfrentamento da violência, acontecendo ela em bairros nobres ou não. “É fundamental uma coordenação entre as diferentes forças de segurança. Guarda Municipal, Polícia Civil, Militar e Federal trabalhando juntas. O combate à criminalidade não está na mão de uma única organização. A escalada de violência é um problema complexo em que não cabe soluções simples como o armamento da população, como muitos sugerem”, finaliza o professor.
Relembre outros casos
15 de janeiro – Graça
Um assaltante atropelou uma idosa durante um roubo de um carro na tarde de sábado (15) no bairro da Graça, em Salvador. O crime aconteceu por volta das 14h, na Rua Flórida, em frente ao edifício Graça Royal. Na fuga, o suspeito ainda levou um idoso com dificuldade de locomoção que estava sentado no banco carona. Toda a ação do bandido foi flagrada pelas câmeras de segurança do prédio.
Abril – Pituba
Arrastões em hamburguerias e lojas de açaí e de vinho fizeram a polícia reforçar a segurança na região.
3 de maio – Canela
Um grupo de criminosos invadiu uma lanchonete no canela e levou pertences dos clientes que estavam no local. Segundo a polícia, o arrastão aconteceu na Rua Padre Feijó, por volta das 13h. Como o estabelecimento fica próximo ao Hospital das Clínicas e de outras unidades de saúde, médicos, enfermeiros e demais funcionários da instituição almoçavam no local no momento do ocorrido, bem como estudantes da Universidade Federal da Bahia, que possui alguns campi na região.
17 de maio – Canela
Um homem suspeito de furto contra uma clínica veterinária localizada no bairro do Canela, em Salvador, foi preso momentos após o crime, na madrugada de terça-feira (17). Os policiais militares faziam o patrulhamento no Largo da Graça, quando abordaram um homem, quando ele tentou esconder um objeto dos policiais. Com ele foram encontrados três notebooks, um celular, dois carregadores e um jaleco.
12 de maio – Itaigara
Bancária é assassinada dentro do apartamento onde morava na Rua Érico Veríssimo.
*Com orientação Monique Lôbo / Correio da Bahia / por Wendel de Novais