O presidente Jair Bolsonaro (PL) disse nesta sexta-feira (18) que é “inadmissível” a decisão de Alexandre de Moraes, ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), de bloquear o Telegram em todo o Brasil.
“É inadmissível uma decisão dessa natureza. Não conseguiu atingir 2 ou 3 pessoas que na cabeça dele [de Moraes] deveriam ser banidas do Telegram, atinge 70 milhões de pessoas”, afirmou o presidente durante encontro com pastores e líderes religiosos em Rio Branco (AC).
Bolsonaro disse que a decisão pode “causar óbitos no Brasil por falta de contato entre paciente e médicos”.
O presidente criticou o fato de a decisão ter sido monocrática, ou seja, tomada apenas por Moraes e não por um conjunto de ministros.
“Deixo claro que 70 milhões de pessoas usam o Telegram no Brasil, para fazer negócio, se comunicar com a família. Para lazer, e uma parte considerável, fazer o contato do hospital e paciente, paciente e médico. Olha as consequências da decisão monocrática de um ministro do STF”, disse o presidente, sem citar como chegou à estimativa de usuários do aplicativo.
Na decisão de 18 páginas, divulgada nesta sexta-feira (18), o ministro do STF salienta reiteradas vezes a “omissão” do Telegram impedir a divulgação de notícias fraudulentas e a prática de infrações penais.
Moraes colheu pedido da Polícia Federal ao vetar o aplicativo e ainda estipulou multa diária de R$ 100 mil caso as plataformas e provedores de internet deixem de adotar as providências necessárias para suspender a utilização do serviço de mensagens.
Mais cedo, o ministro da Justiça, Anderson Torres, disse que o governo está buscando solução para permitir o uso de qualquer plataforma.
“Já determinei a diversos setores do Ministério da Justiça que estudem imediatamente uma solução para restabelecer ao povo o direito de usar a rede social que bem entenderem”, disse Torres.
O discurso de Bolsonaro a lideranças religiosas teve tom de campanha, apesar de a legislação vetar pedidos de votos neste período. O presidente lembrou que o próximo chefe do Executivo irá escolher dois ministros do STF no primeiro ano de mandato, 2023.
“Hoje a política está polarizada e vocês conhecem os dois lados. Que Deus ilumine cada um de vocês para bem decidir o futuro da nossa nação”, disse Bolsonaro, sem citar o seu principal adversário a presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), líder das pesquisas.
Apesar de criticar a decisão de Moraes, Bolsonaro disse, de forma genérica, que não pode tomar medidas agressivas. “O que é de pior para nós em medida da minha parte é o caos no Brasil. O que está em jogo é a nossa liberdade, bem maior que a nossa própria vida”, declarou.
O presidente disse ainda que o veto ao Telegram foi uma “notícia no mínimo triste”.
Foi fixada em R$ 500 mil a multa diária se os responsáveis pelo aplicativo não cumprirem ordens anteriores do próprio magistrado no inquérito da fake news, incluindo a retirada do ar de publicação do presidente Jair Bolsonaro com informações falsas sobre as urnas eletrônicas.
Na leitura de integrantes do governo há um componente eleitoral na decisão. A avaliação é que a medida soa como uma intervenção no processo eleitoral. Estes membros do governo lembram que Moraes e Bolsonaro já tiveram embates anteriores.
Auxiliares do presidente justificam a desconfiança pelo fato de o mandatário ter mais de um milhão de inscritos nos canais do Telegram. Lula tem 48,8 mil.
Apesar do incômodo de Bolsonaro com a decisão, a ordem do presidente é calcular as críticas ao ministro Moraes e a outros integrantes do STF.
Integrantes de escalões mais baixos do governo dizem que estão proibidos de atacar esta e outras decisões da Corte sem o aval do presidente. Esta cautela foi adotada desde que Bolsonaro teve de recuar de investidas golpistas, em setembro de 2021, e divulgar uma nota para amenizar a crise com o Supremo.
Integrantes do governo ainda avaliam que há curta margem para entrar na discussão do Supremo sobre as redes sociais. Por isso, miram debates no Congresso, como do projeto de lei das fake news.
O texto busca fixar as balizas para o funcionamento de empresas de serviço de mensagens e redes sociais. Bolsonaro já antecipou que pretende vetar trechos, mas a ideia no governo é tentar mudar alguns pontos ainda no Congresso.
Alguns parlamentares alinhados ao presidente criticaram a decisão de Moraes. A deputada Carla Zambelli (PL-SP) disse, no Twitter, que o Telegram é a “única ferramenta atual na qual temos liberdade de expressão”. Ainda afirmou estar revoltada com o veto ao aplicativo.
Já Bia Kicis (PSL-DF) citou, também nas redes sociais, o bloqueio ao Telegram e disse que o Brasil é “um país inseguro para se investir e se viver”.
O ministro Moraes menciona, em sua decisão, o descumprimento de uma ordem ao Telegram, imposta ainda do ano passado, para retirada do ar de uma publicação de Bolsonaro relacionada ao caso do vazamento de apuração da Polícia Federal sobre ataque hacker a sistemas da Justiça Eleitoral em 2018.
Cita, ainda, determinação no âmbito do inquérito das fake news de bloqueio de um canal bolsonarista e fornecimento dos dados cadastrais ao STF, o que também não aconteceu.
No último dia 26, após ordem de Moraes, o Telegram bloqueou três canais ligados ao influenciador bolsonarista Allan dos Santos. Essa foi a primeira ordem judicial brasileira cumprida, em partes, pelo aplicativo.
Porém, segundo o ministro, a plataforma também teria que indicar o usuário de criação dos perfis, com dados como CPF e email, suspender os repasses de valores oriundos de monetização e publicidade, além de indicar os ganhos de cada um dos canais.
Essa determinação, aponta Moraes, não foi atendida. Fora o bloqueio, o Telegram não apresentou qualquer informação nos autos, diz o ministro.
Além de destacar a possibilidade de o aplicativo continuar a desrespeitar o Judiciário, a Polícia Federal argumentou no pedido de bloqueio ao Supremo que o serviço de mensagens tem sido utilizado em outras situações como meio seguro para prática de crimes graves.
O Telegram é visto como uma das principais preocupações para as eleições de 2022 devido à falta de controles na disseminação de fake news e se tornou também alvo de discussão no Congresso e no TSE para possíveis restrições em seu funcionamento no Brasil.
Amplamente usada pela militância bolsonarista, a ferramenta é hoje um dos desafios das autoridades brasileiras engajadas no combate à desinformação eleitoral. Até o momento, elas não tiveram sucesso em estabelecer um contato com os responsáveis pela plataforma.
Nas redes sociais, Bolsonaro tem convocado apoiadores a se inscreverem em seu canal no serviço de comunicação, onde divulga ações do governo diariamente. Recentemente, ele chamou de covardia o cerco à plataforma e disse que o governo está “tratando” do assunto. (Política Livre)