Municípios de pelo menos 18 estados do país estão sem os remédios usados para tratar a hanseníase, uma combinação de três antibióticos chamados de poliquimioterapia, ou PQT. O dado é do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), que já reuniu nos últimos 15 dias mais de 100 relatos de pacientes que estão desde o 2º semestre de 2020 sem tratamento.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu um alerta aos governos que dependem da importação da poliquimioterapia, caso do Brasil, em dezembro de 2019. Outros alertas e recomendações foram emitidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) diretamente ao governo brasileiro desde então.
Procurado pelo G1, a pasta não se pronunciou sobre quais medidas contra o desabastecimento.
As entidades nacionais ligadas à hanseníase também têm se mobilizado para pressionar o Ministério da Saúde há mais de seis meses. Em agosto, tanto o Morhan quanto a Sociedade Brasileira de Hansenologia (SBH) realizaram audiência com o Ministério Público Federal (MPF) para relatar a crise.
“Começamos a receber tanta denúncia de pessoas com o tratamento interrompido que abrimos um formulário online para receber os relatos. No dia 27 de janeiro, lançamos uma petição para pressionar o governo mais uma vez”, explica coordenador do Morhan, Artur Custodio.
As primeiras reclamações recebidas pelo Movimento no ano passado, explica Custodio, foram de médicos e profissionais da saúde, desesperados ao ver que as cartelas dos remédios estavam acabando.
“Há mais de 30 anos trabalho diretamente com o acometido pela hanseníase e em todo esse tempo nunca tivemos falta de medicamentos do PQT”, conta um médico de Rondônia que preferiu não ser identificado.
“Os pacientes reclamam muito sobre a falta de medicação. É muito difícil dizer para eles que não tenho previsão da chegada da medicação”, diz outro médico anonimamente, dessa vez de Pernambuco.
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Segundo o presidente da Sociedade Brasileira de Hansenologia, Claudio Salgado, a situação se tornou crítica em agosto, quando acabaram todos os estoques de Pernambuco, de São Paulo e do Pará. O dermatologista atua no estado paraense e conta que, naquele mês, que pelo menos 20 pacientes foram diagnosticados com a doença e enviados para a casa sem o tratamento.
Em novembro, o Ministério da Saúde enviou um documento em reposta à ONU afirmando que tinha pedido à OMS doses adicionais do PQT para 2020, e logo depois foi informado que a produção do remédio passava por problemas e que a demanda adicional seria inviável.
No mesmo documento, o Brasil afirmou que recebeu um carregamento da OMS em 3 de setembro e encaminhou aos estados. E que “os problemas decorrentes da falta de PQT no SUS afetaram apenas a oferta de tratamento multibacilar de adultos”.
40 mil em tratamento
Mais de 40 mil brasileiros estão em tratamento de hanseníase e dependem desses remédios, segundo dados de agosto de 2020 do Ministério da Saúde. O G1 procurou a pasta para posicionamento sobre a crise no tratamento da doença, mas não teve resposta até a mais recente atualização desta reportagem.