O artista baiano Tiago Sant’Ana, de 29 anos, foi o primeiro brasileiro a entrar na lista dos dez contemplados da bolsa de artes oferecida pela Open Society Foundations, organização filantrópica criada pelo bilionário americano George Soros.
Nascido em Santo Antônio de Jesus, cidade do recôncavo da Bahia, ele recebeu US$ 80 mil, ou cerca de R$ 430 mil para investir no projeto sobre os engenhos de açúcar abandonados.
Tiago Sant’Ana é formado em Comunicação na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), tem mestrado em Cultura e Sociedade e finaliza o doutorado também em Cultura e Sociedade na Universidade Federal da Bahia.
“Foi um processo que começou em julho do ano passado, em outubro eu já sabia da notícia, mas em decorrência de uma série de questões, o cronograma foi adiado, sobretudo, por causa do coronavírus”, contou o baiano.
O resultado foi divulgado na terça-feira (14). Além de Tiago, produtores culturais e artistas da Botswana, Jamaica, Nigéria, Palestina, Síria e Estados Unidos vão realizar trabalhos ligados à diáspora e migração em até 18 meses.
“Eu desde 2018 trabalhava com antigos engenhos de açúcar, na região do recôncavo. Esses engenhos de açúcar foram lugares muito importantes na história da colonização do Brasil, enfim, pelo açúcar ter tido a importância que teve no nosso passado colonial”.
“São lugares que têm esse fausto, essa glória, mas também têm muita desgraça, são lugares de violência, porque você tem uma série de questões ligadas à escravidão, a exploração de pessoas, que foram decorrentes desse ciclo da cana de açúcar na Bahia”, contou.
Em entrevista ao G1, Tiago contou que os engenhos de açúcar se tornaram ruínas e tiveram as histórias esquecidas. “Meu projeto é realizar uma série de ações, performances, vídeos e fotografias nesses lugares, tentando trazer à tona essas memórias ligadas à questão da escravidão. Pensando nisso também, um olhar contemporâneo. Pensar, por exemplo, como as consequências desse processo de escravização em decorrência do ciclo do açúcar reverbera na atualidade”.
Com trabalhos que discute ideias afro-brasileiras, o artista baiano trabalha com diversas linguagens, performances, vídeos, fotografias e pinturas. Tiago tem interesse em estudar processos que estão relacionados com a história, com a memória e com o povo negro.
“É um trabalho que tenta, a partir de uma linguagem contemporânea, tratar dessas questões, que são cada vez mais caras dentro da nossa sociedade, sobretudo agora, que a gente está vendo uma série de manifestações ao redor do mundo. É um trabalho que bebe da fonte da história, mas que trata muito sobre o período de agora, contemporâneo, atual”, disse.
Tiago Sant’Ana conta que o resultado do projeto vai ser apresentado em uma exposição, que acontecerá em 2021, na capital baiana. “Está como 2021, mas com essa questão toda da pandemia, tudo se atrasou muito, porque já era para eu estar mesmo fazendo os trabalhos. A previsão é 2021, mas sem mês e lugar definido”.
Orgulho de ser o primeiro brasileiro contemplado
Tiago Sant’Ana foi contemplado na terceira edição da bolsa oferecida pela Open Society Foundations. A organização já financiou artistas como o congolês Faustin Linyekula, a marroquina Bouchra Khalili e a guatemalteca Regina José Galindo.
“Ser o primeiro brasileiro é muito bacana, sobretudo se pensar, que no Brasil, quando a gente pensa em arte, ela está muito localizada nos eixos de Rio de Janeiro e São Paulo, e sendo um artista daqui da Bahia, um artista do Nordeste”, comemorou.
“Eu acho que essa bolsa também contribui para colocar que existe uma série de pessoas, de artistas, produtores, que estão em outros lugares do Brasil, produzindo coisas que são importantes, que têm interesse social, interesse político, interesse estético”.
Relação com a arte
Tiago Sant’Ana começou a trabalhar com arte em 2010, quando tinha 19 anos e estudava na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), na cidade de Cachoeira.
“Eu comecei a ter contato com arte, depois que eu entrei na universidade, não parei mais de produzir, porque arte para mim, obviamente é uma profissão, mas ela também é uma maneira de expressar minha posição, meu estar no mundo, então a arte para mim tem essas duas mãos”, disse.
O baiano realizou a primeira exposição individual em 2018, no Museu de Arte da Bahia (MAB). Segundo Tiago, a mostra foi o início do projeto apresentado no projeto de financiamento.
“Exatamente o início desse projeto que eu vou dar continuidade agora com a bolsa. Era uma pesquisa sobre o ciclo do açúcar”, contou o artista, que reproduziu a mesma exposição no Parque Imperial, no Rio de Janeiro.
No final de 2019, o artista fez uma exposição no Senac Spicião, em São Paulo, que se chamou “Aquém-mar”. A mostra também retratava o ciclo do açúcar, mas também trazia trabalhos que tratavam sobre a questão da contemporaneidade.
“Eu tenho um trabalho por exemplo, que fala sobre a chacina do Cabula, que aconteceu aqui em Salvador, que estava nessa exposição. É entender como esses fluxos históricos, eles influenciavam no agora, quando a gente pensa na população afrodescendente no Brasil”, concluiu. (G1)