Como ‘365 Dias’ influencia a vida sexual: “estimula o casal a ser mais ativo e criativo”; diz psicóloga

"A projeção exagerada de quem assiste à produções eróticas pode dificultar relacionamentos amorosos e sexuais", afirma a psicóloga Alessandra Assis Foto: Divulgação

“Tudo é sobre sexo, exceto o sexo. Sexo é sobre poder”, disse Frank Underwood em House of Cards. Na série da Netflix, o presidente dos Estados Unidos era bissexual e usou algumas vezes a sedução — assim como o prazer carnal — para se tornar mais e mais influente.

Nos últimos anos, o sexo e a sexualidade repercutiram em várias produções de sucesso no cinema, na TV e no streaming. No momento, comenta-se a respeito do filme 365 Dias (ou 365 DNI), também da Netflix, e do reality show de pegação De Férias com o Ex, da MTV.

O alvoroço em torno dessas produções baseadas na lascívia suscita questões sobre o reflexo na vida sexual de quem assiste. Esse incentivo visual faz bem ou mal à saúde mental e ao desempenho entre os lençóis? O blog ouviu a psicóloga e especialista em sexualidade Alessandra Assis.

Por que as pessoas em geral se interessam tanto por produções com conteúdo sexual?

Esse sucesso todo se deve ao combo pessoas bonitas e saradas, pegação, romances, triângulos amorosos, festas, lugares paradisíacos, brigas, DRs e reviravoltas. Quem mais assiste a esse tipo de atração está entre 18 e 40 anos, e o motivo principal é a projeção inevitável. Muitas pessoas vivem relações mais rasas e tendem a ver esses filmes e reality shows como espelho de suas vidas e imaginam como seria se fosse com elas. A ludicidade desperta o processo de identificação entre o público e os participantes ou personagens. O conteúdo sexual estimula o imaginário dos telespectadores, desafia os instintos e corrompe tabus, além de satisfazer impulsos de voyeurismo, principalmente nos realities, já que o público sabe que não se trata de ficção. Na TV ou no cinema, o sexo bem explorado e não deturpado pode ser prazeroso para todos. Os homens são mais visuais e apreciam tudo que for predominantemente erótico. As mulheres gostam de fantasiar cenas de submissão, desejo ardente, romance e a ideia de intensidade. Isso acontece especialmente com aquelas que não possuem vida sexual ativa ou estão em um relacionamento morno, sem jogo de sedução, sem criatividade e sem desejo. O sexo é uma via para descobrirmos o que ocultamos de nós mesmos e também uma energia vital, a energia mais forte que temos no nosso corpo. Hoje em dia, poucas pessoas cuidam de seu relacionamento e cultivam a chama sexual acesa. No fundo, buscam em filmes e reality shows um pouco mais de vivacidade como antídoto contra uma vida carregada de automatismo. Fantasiar faz bem e é uma manobra psicológica utilizada para descarregar tensões criadas por uma realidade improvável ou inviável.

É saudável assistir a esse tipo de filme e reality show com alto teor de erotismo?

Sim, esse tipo de entretenimento pode estimular a vida sexual. Eu recomendo, pois o conteúdo de ordem sexual estimula o casal a ser sexualmente mais ativo e criativo. Uma das coisas que esse tipo de entretenimento ensina é o que fazer para aumentar o desejo. Posso citar o incentivo às pessoas tímidas a usar a dirty talk (conversa erótica) entre quatro paredes, sem constrangimento. O uso de frases apimentadas antes, durante ou após o sexo pode deixar o clima ainda melhor. Os casais devem sair da mesmice e experimentar outros ambientes na própria casa ou até mesmo algo mais aventureiro. Assistir a um filme ou reality de pegação pode encorajar uma pessoa a revelar desejos íntimos e fantasias sexuais que o parceiro ou a parceira nem imaginava. A confiança e o diálogo sincero são libertadores. Você pode ter em seu relacionamento o que eventualmente buscaria fora. Mas é fundamental que o telespectador  compreenda a diferença entre realidade e ficção. Deixa de ser saudável quando o erotismo de uma produção audiovisual vira gatilho para suas sombras emocionais e você passa a se comparar demasiadamente com personagens e alimenta a falsa impressão de que não é bom o suficiente na cama, ou que seu parceiro ou parceira não é tão interessante.

O consumo excessivo de temáticas sexuais pode gerar transtornos?

Pode despertar ou aumentar o quadro de alguns transtornos, principalmente se a pessoa já apresenta um quadro de Desejo Sexual Hiperativo, ou seja, compulsão por sexo. Esse indivíduo tem comportamento que gera consequências negativas, como a dificuldade em dosar o tempo investido nas atividades eróticas ou sexuais. A sexualidade se torna o centro de sua vida e acaba causando sofrimento, crises de ansiedade, depressão e dificuldade para manter relacionamentos. Ao consumir excessivamente conteúdo erótico, a pessoa pode não se interessar por parceiros ou parceiras reais e até comprometer sua responsabilidade com o trabalho. Deve-se ter cuidado com conteúdo pornográfico que mostra uma realidade que não existe e com potencial de prejudicar a autoestima e a saúde mental.

Quais precauções o telespectador deve ter?

Temos um público mais conservador e outro mais liberal. Algumas séries podem causar maior constrangimento se forem assistidas perto de alguém, como os pais, por exemplo. Outro cuidado é separar fantasia e realidade. A projeção exagerada torna mais difícil encontrar relacionamentos amorosos e sexuais que saciem as falsas expectativas. Recomendo assistir a essas séries e filmes como entretenimento, jamais como parâmetro para a sua vida sexual. Procure sempre se manter conectado com a realidade e com pessoas reais. No caso de 365 Dias, há uma idealização perigosa. Massimo é um homem bonito, rico, poderoso, apaixonado e que deseja Laura loucamente. Ela, uma jovem profissional bonita, inteligente, que tinha um namorado que não a valorizava e a deixava na mão em relação às necessidades sexuais. É natural que as mulheres que igualmente não se sentem amadas e desejadas se projetem na personagem e na história e desejem estar no lugar de Laura. Muitas delas romantizam situações evidentes de relacionamento abusivo. O filme faz lembrar a Síndrome de Estocolmo, um transtorno psicológico comum em pessoas que se encontram em situação de tensão, como no caso de sequestros, quando a vítima inconscientemente cria uma conexão emocional com o sequestrador, pois assim se sente segura e protegida. O filme cria confusão sobre a ideia de amor. Obsessão não é amor, e cuidado exagerado não é proteção. Muitas pessoas ficam cegas diante de um relacionamento abusivo. É como uma teia, você não consegue se libertar. Para quem sofre ou já sofreu uma relação tóxica, 365 Dias pode ser gatilho para desencadear mal-estar. Sugiro assistir ao filme com o necessário distanciamento emocional. Use-o apenas para estimular o erotismo.

 Laura (Anna-Maria Sieklucka) sob o domínio de Massimo (Michele Morrone) em 365 Dias: idealização e deturpação do relacionamento perfeito
Laura (Anna-Maria Sieklucka) sob o domínio de Massimo (Michele Morrone) em 365 Dias: idealização e deturpação do relacionamento perfeito / Foto: Divulgação

Os pais devem se preocupar com crianças que assistem a esse tipo de filme e programa de TV? Como agir?

Devem se preocupar, e muito. É comum ouvir de pessoas adultas viciadas em produções de conteúdo sexual que se iniciaram na prática aos 9, 10 anos. Hoje, qualquer criança tem acesso fácil a eletrônicos como celular e tablet e, consequentemente, a produções eróticas. Pais devem configurar esses dispositivos para que páginas com certas palavras-chave não sejam abertas. O consumo precoce de atrações com teor sexual, sem a orientação adequada de um adulto, pode fazer com que crianças e adolescentes acreditem nas referências de um sexo performático, machista, entre as figuras do dominador e da dominada. Jovens expostos muito cedo a conteúdos sexuais deturpados geralmente desenvolvem frustrações ao se relacionar na vida adulta.

Fonte: Equipe portal – Jeff Benício

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