Depois de meses tentando comprar uma propriedade em Washington, Ben Rockey-Harris e sua mulher por fim encontraram uma casinha com um valor que podiam pagar. Fizeram uma oferta rápida, para não perder a oportunidade. Só depois que, por acaso, o casal descobriu que tinha comprado o cenário de uma das possessões demoníacas mais conhecidas do país – o caso que inspirou o filme “O Exorcista”.
“Ficamos em choque e preocupados”, diz Rockey-Harris, 39, sentado em sua varanda. Não um temor em relação ao ser maligno que, para muitos, ainda pode rondar a propriedade em busca de almas -o desenvolvedor de softwares se diz ateu. O medo, explica, é o de não conseguir vender a casa no futuro.
Esse tipo de conversa tem acontecido com frequência em Washington. Como outras partes dos EUA, a capital vive uma escalada nos preços que assusta, como um filme de terror, potenciais compradores. É comum ouvir histórias de quem pagou demais em uma propriedade ou desistiu do sonho da casa própria.
O home office imposto a muitos moradores pela pandemia de Covid-19 levou a um aumento no fluxo de gente que quis trocar apartamentos no centro por casinhas nos subúrbios. Foi o caso de Rockey-Harris e sua mulher, que viviam no burburinho da capital americana.
Em junho, a mediana do preço de imóveis na região de Washington chegou a R$ 3,8 milhões pela primeira vez na história. A mediana é o ponto no meio em uma sequência de números, não a média –ou seja, há um número igual de casas vendidas abaixo e acima desse preço. O valor cresceu 17,8% na comparação entre agosto de 2019 com o mesmo mês de 2021.
Uma casa como a do suposto exorcismo, nos subúrbios da capital, custa hoje cerca de R$ 2 milhões. A propriedade está em Cottage City, a meia hora de carro do centro. É uma construção que lembra um chalé, de parede bege e telhado cinza, erguida em 1924, com três quartos. Todas as casas da rua, marcada por árvores de carvalho, são semelhantes. Nada nos entornos sugere uma presença diabólica.
A situação era outra em 1949. Segundo os relatos da época, um garoto de 14 anos que morava ali foi possuído por um demônio. Cômodos ficavam gelados de repente. Móveis tombavam. Diz-se que o menino, no meio-tempo, começou a profanar em latim -idioma que ele não tinha estudado.
O rapaz foi levado para o hospital, mas não melhorou. Um padre decidiu que era o caso de tentar o raro ritual do exorcismo. Foram quase 30 tentativas até o tinhoso deixar o corpo dele. A história pode parecer estapafúrdia hoje, mas à época recebeu ampla cobertura da imprensa.
O jornal The Washington Post estampou a notícia na capa, com um texto sem muitos poréns: “Um garoto foi libertado por um padre da possessão do diabo, fontes católicas relataram”. O caso chamou a atenção de William Peter Blatty, estudante da Universidade Georgetown, que contou a história, ficcionalizada, em 1971 no livro “O Exorcista” -que, por sua vez, virou filme em 1973. A casa que aparece na tela, porém, fica no bairro de Georgetown, assim como a escadaria assombrada.
Nada disso impressiona muito o casal que comprou o chalé de Cottage City em agosto de 2020, depois de meses de procura. Rockey-Harris fica mais exaltado ao falar sobre o mercado imobiliário do que sobre o demônio que dizem ter vivido na sua casa.
Ele diz ter assistido ao filme há anos e ainda não teve tempo de revê-lo desde que passou a habitar sua inspiração. E insiste: não ouve sons macabros à noite. “Demônios não possuem propriedades, mas pessoas”, sugere. “Ainda que a criatura diabólica fosse real, foi embora com seu hospedeiro.”
O temor inicial de que a casa se desvalorizasse parece ter passado. O casal supõe agora, inclusive, que a história possa servir de apelo para alguns compradores. No meio-tempo, porém, eles se deram conta do estorvo de morar em um lugar icônico. Carros passam devagar, pessoas fotografam a fachada. Alguns, como este repórter, batem na porta, causando visível dissabor.
Apesar de concordar com a entrevista, Rockey-Harris prefere não mostrar o interior de seu lar. Também pede que as fotos da fachada não exibam o número da casa. Ainda que o endereço não seja público, os fãs do filme o conhecem porque a informação foi revelada pelo jornalista Mark Opsasnick em 1999 -mas é preciso vasculhar a internet em busca do local exato.
O desenvolvedor de softwares diz que não esperava ter que lidar com toda essa atenção, mas, apesar de rejeitar a história, tenta ao menos se divertir. Nomeou a rede de internet de sua casa de “Pazuzu”, nome da entidade demoníaca de “O Exorcista”. (Os demais sinais de wi-fi do bairro têm nomes mais prosaicos, como “a casa do Mike”.)
Neste domingo (31) de manhã, um grupo de ciclistas promete pedalar da casa em Georgetown onde o filme foi rodado até a residência de Rockey-Harris, onde o demônio supostamente morou. Mais tarde, quando cair a noite, o atual proprietário vai se fantasiar de padre para celebrar o Halloween. É o instante, na tradição americana, em que os mortos podem rondar o mundo dos vivos.