Mais de 500 embalagens de lixo internacional de quase 20 países foram recolhidas na praia paradisíaca de Imbassaí, na cidade de Mata de São João, que fica na Região Metropolitana de Salvador, no mês de abril. Os resíduos tem sido recolhidos pelo projeto “Imbassaí natural”.
A situação tem preocupado moradores e educadores ambientais como o uruguaio Mathias Ferreira, que atua na limpeza da praia e tem recolhido e catalogado o lixo.
“Eu saio todo dia, voluntariamente, para retirar os resíduos da praia de Imbassaí. Faço a coleta diariamente e retiro os sacos de resíduos”, contou o morador.
A atuação de Mathias Ferreira não é de agora. Ele já recolheu lixos no litoral de vários estados brasileiros. Além da limpeza diária, em alguns finais de semana, ele ainda busca pessoas para ajudar em mutirões.
“A maioria dos resíduos que eu encontro são garrafas pet, embalagens de shampoo e de alimentos enlatados. Aqui na praia eu já encontrei algo muito inusitado, que foi uma pérola roxa feita de plástico”, disse o uruguaio.
O educador ambiental procurou o apoio da Organização Não Governamental (ONG) Ecomov, que atua em São Paulo, para solucionar a questão do lixo internacional.
O objetivo de Mathias Ferreira e do grupo ambiental é abrir uma petição no Ministério Público da Bahia (MP-BA) e solucionar o caso.
“São embalagens de 18 países, a maioria da China. Calculo eu que seja pelo tráfego de navios que temos com o porto de Salvador”, explicou.
O educador ambiental explica que os resíduos são jogados no mar, por pessoas que frequentam os navios.
Veja a lista de lixos internacionais recolhidas em Imabassái
Países | Tipo de material e quantidade |
China | 471 garrafas pet (237 azuis, 220 vermelhas e 14 brancas) e cinco de produtos de limpeza, quatro embalagens de macarrão instantâneo, seis de iogurte, uma de álcool em gel, quatro de produtos de limpeza, uma de doce, de medicamentos, uma caixa de pesca, um capacete e uma vassoura. |
Rússia | 201 embalagens de shampoo e uma garrafa de suco. |
Grécia | Uma embalagem de iogurte e duas garrafas pet de água. |
Turquia | Uma caixa de suco, 15 garrafas pet, duas embalagens de produtos de limpeza e garrafas de vidro de extrato de tomate. |
Dinamarca | Uma garrafa pet de água. |
Panamá | Uma garrafa pet de água. |
Argentina | Uma garrafa pet de água. |
Emirados Árabes | Uma embalagem de álcool em gel. |
Nigéria | 20 garrafas pet de água. |
África do Sul | Duas garrafas de água. |
Estados Unidos | Quatro garrafas de água, uma embalagem de desodorante e duas garrafas de vidro. |
Malásia | 10 garrafas de água, uma embalagem de desodorante, duas caixas de suco e lata de tinta. |
Índia | Uma garrafa de suco e uma embalagem de desodorante. |
Namíbia | 10 garrafas de água. |
Canadá | três garrafas de água e uma lata de cerveja. |
República do Congo | Uma garrafa de água. |
Cuba | Uma garrafa de chá gelado. |
Hong Kong | Um cigarro em uma lata de alumínio. |
Portugal | Uma lata de cerveja. |
O material recolhido por Mathias será levado para análise na Universidade Federal da Bahia (Ufba). Já as tampinhas das garrafas são retiradas e usadas para criação de pranchas pequenas de handsurf.
“É uma forma que consigo reutilizar esse lixo internacional”.
O uruguaio desembarcou no Brasil quando tinha 18 anos. No país, já viveu na rua, conseguiu um trabalho e voltou ao Uruguai durante a pandemia da Covid-19 após perder o emprego.
“Resolvi voltar andando, com uma máscara de gás da Segunda Guerra Mundial, fazendo um protesto artístico, levando uma revolução de consciência”.
Depois de chegar no país onde nasceu, retornou ao Maranhão, limpando o litoral dos dois países.
Falta de fiscalização e regulamento nos protocolos
Ao g1, o coordenador da ONG Ecologia em Movimento (Ecomov) Rodrigo Brandão Azambuja, explicou que o grupo tem um trabalho em São Paulo, sobre a questão do lixo internacional, com parceria com o Ministério Público (MP-SP) e a Fundação Florestal.
“Estamos começando abrir algumas petições com grupos locais em Santa Catarina, Paraná, Paraíba e estamos unificando laços com esses movimentos em outros estados”, contou.
A ideia é que ao longos dos anos, uma petição seja aberta, em nível nacional, no Ministério Público Federal.
“Esse problema envolve a falta de fiscalização e de regulamento nos protocolos de limpeza na gestão dos navios”, explicou Rodrigo Brandão Azambuja.
Segundo Rodrigo Brandão Azambuja, a situação no litoral baiano é um pouco diferente da encontrada em São Paulo, que também registra alto índice de lixo nacional.
“Em Imbassaí, aquela área de área deserta, paradisíaca, o Mathias só encontra lixo internacional. Não tem nenhuma fonte de comércio local, de poluição de moradias, palafitas, então o cenário dessa praia próxima da região portuária está totalmente poluído por resíduos internacionais”.
Situação alarmante
O coordenador da Ecomov classificou a situação de Imbassaí como alarmante, já que em apenas um mês, 500 materiais foram catalogados no local. A quantidade representa o que a ONG registrou no Porto de São Sebastião, em São Paulo, entre os meados de 2022 e 2023.
“Em um mês, o Mathias conseguiu bater o que a gente conseguiu registrar em um ano no litoral norte de São Paulo. Ele catalogou 500 materiais o que a nossa equipe da Ecomove registrou em um ano no Porto de São Sebastião”.
Alguns materiais encontrados, conforme o ambientalista, são produtos corrosivos, altamente tóxicos e danosos a vida de animais marinhos e de quem manipula os objetos.
“Um produto para fazer limpeza de um navio não é o mesmo que se usa em casa. Existe toda uma química específica para isso”, explicou.
“São produtos cancerigenos e corrosivos que podem apontar um perigo para os animais marinhos e pessoas que até manipulam”, ressaltou Azambuja.
O coordenador da Ecomov afirmou ainda que a diversidade dos materiais encontrados na Bahia está associada ao que se consome dentro de um navio, que é alimentação, material de informática, produtos de beleza e higiene pessoal, fora produtos que têm alto índice de contaminação.
“Essas identificações são iguais as mesmas marcas e materiais em todo o Brasil. Estou falando do Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte. A gente está trazendo universidades desses estados para darem sequencia a esses estudos”.
A pesquisadora do Núcleo de Pós Graduação em Administração da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Suzana Suzana Más Rosa, afirmou que o projeto será objeto de estudo para o desenvolvimento de pesquisa científica sobre os resíduos retirados das praias.
“Assim podemos comprovar cientificamente e divulgar o que está sendo encontrado na região”, explicou a pesquisadora, que também atua como coordenadora da Câmara de Resíduos do Painel Salvador Mudança do Clima.
De acordo com Suzana Rosa, o projeto também vai ajudar o grupo a encontrar parceiros na luta pela limpeza da praia e solução dos problemas.
“Vamos ajudar a conectá-lo com outros pesquisadores, startups que desenvolvem projetos e ações com transformação e aproveitamento de resíduos, poder público, patrocinadores e outros apoiadores”, afirmou.
No Pará, de acordo com Rodrigo Brandão Azambuja, a Ecomov registrou ocorrências de resíduos que chegam aos mangues e param nas dunas.
“É um problema bem complicado, porque não se tem uma fiscalização direta”, desabafou.
O ambientalista explicou que existe um “abismo” entre a lei federal, que são três legislações que tratam da água de lastro, resíduos poluentes e orgânicos, e a lei internacional que a convenção Marpol 73 e 78, que é instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
“O que aponta o resíduo internacional é a falta de fiscalização e de obrigatoriedade de contratações de serviços de limpeza nos portos dos países. O que a gente têm nos portos de São Paulo são os mesmos problemas que acontecem na Bahia”.
O coordenador da Ecomov afirma que não se tem uma fiscalização mais rígida, um protocolo e estudo do porto de origem e desembarque da embarcação no Brasil.
“Não sabemos, por exemplo, quanto tempo o navio ficou em alto mar até entrar no Porto para embarcar e desembarcar as mercadorias”, disse.
Enquanto fazia a implantação da petição em São Paulo, a Ecomov recebeu reclamações de empresas do Porto de Santos, que alegam que em torno de 20% ou 30% eles conseguem retirar e o restante são jogados no mar.
“No andamento do processo junto ao Ministério Público foram cobrados o Ibama e a Marinha para apresentarem seus trabalhos de campos. Algumas situações equivalem a falta de recursos”, explicou.
Segundo Azambuja, os órgãos não tem recurso para ir ao alto mar diariamente fazer a fiscalização.
“A melhor medida que foi entendida pelo MP-SP e está servindo de modelo para a gente entrar no MP-BA é a obrigatoriedade do fiscal ou autoridade portuária de contratar um serviço para retirar 100% dos resíduos quando o navio chega do porto de fora”, apontou o ambientalista.
“Isso é feito na Holanda, nos Estados Unidos, em vários lugares do mundo, mas não aqui”, enfatizou. (G1)