Nesta quinta-feira (11) acontece a Lavagem do Bonfim. A festa deste ano é especial, pois comemora 270 anos de tradição. Mas, deveria ser realmente nesta quinta o ritual de lavar as escadarias da sagrada igreja? Coincidiu, mas, diferentemente do que o senso comum tende a acreditar e diversos veículos de imprensa (e mesmo sites de órgãos públicos, como a prefeitura) divulgam, a data da lavagem não tem por critério ser na segunda quinta-feira do ano. Não. Ela é marcada para a segunda quinta-feira após a Epifania – isto é, após a Festa de Reis.
Porém, nem esse é o critério preciso. Pois a Lavagem está vinculada ao Domingo do Bonfim, que é o dia oficial da festa do santo. É para a festa que se lava a igreja. Então, vejamos, a convenção diz que a lavagem deve acontecer na quinta-feira imediatamente anterior ao domingo da festa. E o Domingo do Bonfim é o segundo após o Dia de Reis. Como este dia tem data fixa, 6 de janeiro, que este ano caiu num sábado, o segundo domingo após ele é no dia 14. Já no ano que vem, por exemplo, quando o dia 6 será uma segunda-feira, o segundo domingo após ele cairá na data de 19 de janeiro, e a Lavagem do Bonfim se realizará, portanto, na terceira quinta-feira do ano.
A questão da data, ou das datas do Bonfim, confunde muita gente e já foi objeto de estudo do pesquisador “colombaiano” Nelson Cadena, que explica que a festa sequer acontecia originalmente em janeiro, mas nasceu em pleno São João. Foi no dia 24 de junho de 1754 que aconteceu o “traslado da imagem do Senhor do Bonfim, em procissão, da Igreja da Penha até a Colina Sagrada”. Depois, ainda segundo ele, durante alguns anos, foi celebrada no período da páscoa.
A conveniência de trazer a festa para janeiro deveu-se a dois motivos principais: evitar o período chuvoso (aproveitando de quebra o sucesso de Itapagipe como zona de veraneio, “onde os baianos abastados construíram chácaras, sobrados e palacetes”) e somar a do Bonfim às festas de Nossa Senhora da Guia e de São Gonçalo do Amarante, ambas calendarizadas no primeiro mês do ano. Isto é, fazer uma espécie de temporada festiva de verão. “Mais de um mês de celebrações, praticamente, todos os dias, considerando os novenários e a programação musical e festiva agregada”, observa Cadena.
“A verdade é que hoje em dia a Lavagem do Bonfim é que é o grande evento. De presença popular mesmo. Só os realmente devotos se lembram do domingo”, diz a socióloga Jaiana Meneses, que além de estudiosa é frequentadora assídua da celebração, em conversa com o Metro1.
Já o historiador Jaime Nascimento sempre chama atenção para algumas ausências recentes do festejo: “Proibiram os jegues, as carroças, mas a polícia montada permanece. É uma grande contradição. A verdade é que nesse dia os animais eram mais bem tratados que no resto do ano, eram as grandes estrelas”. De saudosa memória, o artista plástico Tatti Moreno (1944-2022) também teve coragem de se manifestar, em 2017, a favor das famosas carroças enfeitadas, eternizadas na música de Walmir Lima e Lupa, “Ilha de Maré”.
“Era uma alegoria, um espetáculo cênico, as carroças enfeitadas, os animais, aquilo mobilizava muita gente, para produzir e para assistir, a alegria era muito maior. Eu sou a favor de proteger os animais, sim. Acho válido, é claro. Mas os animais aqui não eram maltratados não. Eles eram muito bem cuidados pelos seus donos, tinham água etc”, disse.
Uma atração marcante, porém, se fará presente este ano, após 16 anos de ausência: Os Zárabe, grupo criado por Carlinhos Brown, em 1995, para reverenciar a cultura muçulmana e sua presença na Bahia via África. Inspirada também nas performances e invenções de Nelson Maleiro (1909-1982), o grupo costuma reunir 250 músicos e sair correndo e tocando durante o percurso. Para garantir a energia, antes todos tomam um providencial e reforçado mingau. A saída está marcada para as 9h, da Conceição da Praia.
Outra tradição que se reforça especialmente em ano eleitoral é a de políticos usarem o Bonfim como termômetro de popularidade. Este ano, os principais concorrentes à Prefeitura de Salvador devem marcar presença no percurso com seus séquitos de puxa-sacos e agregados. Um dos políticos que melhor soube se envolver na e capitalizar a festa foi o velho ACM. Há também casos de incompatibilidade com o santo, como demonstrou o ex-prefeito João Henrique. Em 2010, inclusive, ele abandonou o trajeto reclamando de cãibras. Ou seja, a velha e manjada desculpa do “meu pé tá doendo”. Outro que nunca demonstrou grande afinidade com a celebração foi o ex-governador Rui Costa.
Blocos afro e afoxés, como Ilê Aiyê (comemorando 50 anos em 2024) e Filhos de Gandhy (comemorando 75 anos) são presenças constantes e garantidas, fazendo jus ao bordão criado por Paulinho Camafeu e consagrado na boca do povo: “Quem tem fé, vai a pé”. “Vamos fazer uma festa bonita e ordeira, como sempre. Todos estão convidados”, disse o presidente do Gandhy, Gilsoney de Oliveira, ao Metro1. É pra lá que vai! Epa, Baba!
(Metro 1)