Foto: Yuri Abreu
Na última terça-feira, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) assinou o polêmico decreto que facilita a posse de armas de fogo no Brasil. Entre as mudanças previstas com a norma está, para conseguir o direito, a que o cidadão habite em uma cidade considerada violenta, ser profissional de segurança ou viver na zona rural. Além disso, foi ampliado o prazo de validade, de cinco para dez anos, o prazo de validade dos registros, tanto para civis, quanto para militares. A questão é que a medida já vinha criando divergências na população como um todo mesmo antes de ser sancionada. De acordo com uma pesquisa feita pelo jornal Folha de São Paulo em novembro do ano passado, 56% dos entrevistados disseram ser contra a que esse direito fosse estendido a todos os cidadãos. Entre os moradores de capitais esse índice ainda era maior: 62%. Mas, mesmo após o posicionamento, a mentalidade não parece ter mudado, pelo menos entre os moradores da capital baiana ouvidos pela reportagem da Tribuna da Bahia. A maioria deles se mostrou contrário ao decreto. Confira o que alguns disseram. “Eu não concordo. Acredito que será apenas algo extremamente prejudicial à população. Vivemos uma forte onda conservadora e, em sendo um país em que a taxa de feminicídio é muito elevada, as taxa de morte de LGBTs é muito elevada e onde o racismo é muito elevado, essa posse irá se tornar um porte ilegal, por que essa arma não vai ficar em casa. E, mesmo estando em casa, ela já parte para a violência doméstica que acontece demais aqui”, afirmou o museólogo Jean Herbert. “Eu acho um absurdo. Isso não é uma forma de proteger a população, até porque a gente sabe que, com essa liberação total, a criminalização acaba acontecendo, o feminicídio acaba acontecendo, as mortes sem resolução aumentam, assim como a impunidade”, contou o estudante Naason de Oliveira. “Infelizmente a bandidagem tomou conta e eles não respeitam mais ninguém. Assaltam a qualquer dia e a qualquer hora. O cidadão está se sentindo inseguro e não sabe mais a quem apelar para ter segurança. Acho a medida válida, pois nos dará oportunidade de nos defendermos de toda essa violência que tomou conta do país”, disse o autônomo Roberto Mesquita. “Decreto é potencialmente perigoso”, aponta especialista Quem também aponta problemas com o novo decreto assinado pelo presidente é o especialista em segurança Luiz Cláudio Lourenço, que também é professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA). De acordo com ele, a decisão acaba se tornando mais um meio de matar e ferir pessoas. “Qualquer facilitador de posse de arma de fogo é potencialmente perigoso. O fim último de uma arma é, de fato, ser usada contra outras pessoas. Num país que tem mais de 50 mil homicídios por ano, eu vejo com preocupação esse tipo de medida, de facilitar a compra de armas de fogos por cidadãos comuns”, pontuou. Conforme Lourenço, mesmo tendo a posse de arma, o cidadão pode também se tornar um alvo deste mesmo instrumento. “Não é porque você tem uma arma de fogo que você está blindado, que você não possa ser atingido por outra arma de fogo. Quando você uma população toda armada, isso pode ser extremamente perigoso para todos. Isso já foi provado em outros contextos, não-brasileiros, que esse tipo de coisa pode acontecer”, alertou. O especialista em segurança observou ainda duas questões: como será feita a fiscalização daqueles que tem a posse de arma para a residência, mas que, porventura, estejam com ela no carro ou caminhando pela rua, além do fato de a mesma não ser barata. “Nós temos leis que não são observadas, a exemplo da Lei Seca, e vemos pessoas que ainda bebem e dirigem. Por outro lado, uma boa arma custa R$ 8 mil, mais cara que uma TV de 50 polegadas. Pode acontecer de criminosos assaltarem essas casas sabendo que, nelas, existe uma arma de fogo”, afirmou. Para ele, o caminho deveria ser exatamente o oposto do que está sendo adotado. “Não é aumentando o número de armas que vamos conseguir diminuir a violência. É como apagar fogo com gasolina. Não faz o menor sentido. A gente tem que investir em meios de civilizar a população, investir na Justiça restaurativa e em mediação de conflitos, vias dialógicas para que as pessoas não cheguem as vias de fato. A mídia precisa monitorar as eventuais ocorrências com armas de fogo que surgirem após a assinatura deste decreto, para que possamos ter um termômetro”, destacou.
ENTIDADES DIVERGEM
O decreto assinado pelo presidente na última terça-feira levantou uma questão: a posse vai impactar a segurança pública e reduzir a criminalidade no país? Pensando nisso, o jornal Estadão, de São Paulo, ouviu duas entidades: o Movimento Viva Brasil e o Conselho Estadual de Direitos Humanos. Elas divergiram com relação ao tema. O presidente do Movimento, Bene Barbosa, acredita que a flexibilização vai ter um impacto direto nos números da violência já que o “cidadão vai poder se defender”. Por outro lado, o advogado e membro do Conselho, Ariel de Castro Alves, não acredita na possibilidade de redução da violência. Ao contrário, falou, à publicação, em “institucionalização do faroeste”. Conforme Barbosa, as propostas sobre modificações em relação a posse e ao porte de arma nunca foram apresentadas como solução para a segurança pública. Além disso, citou que nada mudou para o criminoso desde o Estatuto do Desarmamento e que o decreto mudaria essa realidade. Contudo, ele acredita que o decreto poderia ser mais profundo, mas que atende as demandas da população. Já Alves apontou que o decreto não terá nenhum reflexo positivo na segurança pública. “Minha segurança não sou eu quem tem que fazer. Quem tem que garantir minha segurança é o estado e as polícias”, afirmou. Para ele, a violência vai se tornar pior. “Do ponto de vista da segurança pública é bastante temeroso. A posse vai atrair o porte”, acrescentou o conselheiro. (TRBN)