Menino de 11 anos ganha vaga para disputa de karatê no Japão e luta para arrecadar dinheiro

Avós vendem cocada para tentar realizar sonho do neto, que tem aulas de karatê em um projeto social

Foto: Marina Silva/CORREIO

O tamanho é de criança, mas o currículo é de gente grande. Ele até já perdeu as contas das conquistas, de tão numerosas, e precisou checar as 11 medalhas exibidas cuidadosamente num cabide do quarto. A quantidade é a mesma da sua idade e, para alcançá-la, começou cedo no karatê, aos 4 anos.

João Guilherme Lima conquistou a sua primeira medalha em 2019, na sua primeira competição. Já foi bicampeão baiano e campeão da Copa Salvador. No ano passado, adicionou à conta a vitória no 27º Campeonato Brasileiro de Karatê Shotokan JKS, estilo mais conhecido do esporte.

O feito lhe garantiu o primeiro lugar no ranking mundial de kumite individual na categoria de nove e dez anos e uma vaga no Camponato Mundial, que será disputado no Japão entre os dias 25 e 27 de julho.

A expectativa

O passaporte já está pronto, aguardando na gaveta do armário a hora de ser usado. A imaginação já está em Tóquio há meses. Ele já decidiu que quer ir na janela do avião, pensa em estratégias para se comunicar no país e separou uma lista de lugares que quer visitar na cidade.

Mas o sonho ainda não se tornou realidade. Morador do bairro de Pau Miúdo, em Salvador, João faz aulas de karatê oferecidas por um projeto social e usa um uniforme que ganhou em uma das competições.

Para chegar ao Japão, ele e a avó, que vai como acompanhante, vão precisar de ao menos 25 mil reais. Depois de tentar patrocínios, a cuidadora de idosos Lidinalva Ferreira, de 62 anos, estava prestes a desistir, até que teve uma ideia.

Mesmo nunca tendo feito cocadas antes, decidiu arriscar e, aprovando o teste, passou a vender os quitutes na igreja que frequenta. A unidade custa cinco reais e há sabores variados como chocolate, amendoim e goiaba. A produção começa cedo, antes das seis da manhã, e o cheiro domina a cozinha da casa.

Às 8h, seu irmão, Antônio Ferreira, de 64 anos, vende as cocadas na Estação Acesso Norte. Ele circula entre a multidão e, sem saber ler e escrever, conta com a sua própria simpatia e a honestidade dos clientes, que costumam ser cativados pela história de João, contada com orgulho por Seu Antônio para cada um.

“Eu faço tudo com muito gosto. Eu vendo feliz. Vou dormir pensando nas vendas do dia seguinte e acordo feliz porque estou fazendo pelo meu menino”, diz o tio avô.

O cooler que armaneza as cocadas foi personalizado. Com fotos do atleta, traz adesivos colados com os dizeres “Me ajude a chegar no Japão”, além de um QR Code para o Pix. Uma frase parecida vai estampada na camiseta que Seu Antônio usa: “Me ajude a ser campeão de karatê”.

A paixão

João, Antônio e Lidinalva moram juntos em uma rua estreita do bairro. Na sala de estar, um tatame adaptado com tapetes emborrachados fica permanentemente estendido na frente do sofá.

Quando não está nas aulas do Clube Tigres e Dragões, que acontecem na Igreja Cead, em Pernambués, João treina em casa com a própria avó e o tio Diego, de 18 anos, que considera como irmão e também mora na residência. João foi criado junto com o filho mais novo de Lidinalva, depois de sua mãe enfrentar uma depressão pós-parto e ir morar em outra residência.

Foi Diego o primeiro a chegar ao karatê, em 2018, depois de ter visto as aulas acontecendo em uma praça na Avenida Barros Reis. João foi fazer companhia, garantir que o tio/irmão não desistisse, e acabou se apaixonando pelo esporte.

Persistiu até mesmo durante a pandemia, com aulas online. Nem a conexão de internet ruim e o celular simples impediram que ele afastasse os móveis do quarto e desse o seu melhor. Hoje usa a faixa laranja, a quarta da lista de oito cores.

Mesmo confessando o medo de que o neto se machuque nas lutas, Lidinalva se vira nos trinta para que João possa competir. Enfrenta mais de 20 horas de viagens de ônibus, dorme onde dá. De tanto observar aulas e competições, acabou até aprendendo. O neto garante que treinar com a avó o ajudou uma vez a vencer um adversário que “tinha o mesmo estilo que o dela”.

Seguro de seu talento e de sua paixão, João dá entrevista como gente grande e gente importante. Sabe que seu tamanho é bem maior do que a fita métrica aponta e as conquistas já alcançadas são só o início de uma trajetória com muito mais de 11 medalhas.

“Gosto do karatê porque ele me faz esquecer dos problemas. Me faz bem, me sinto leve”, diz ele. A segurança se une à simpatia, perfeitamente encaixada à humildade. Vê e reconhece os esforços dos familiares e levará todos em pensamento com ele ao Japão.

A avó teme que o menino se decepcione caso a quantia pretendida não seja alcançada. Mas, se dizendo uma “evangélica espírita”, tem muita esperança. Com maturidade, o menino reconhece que a viagem ainda não é certa. “Só quem tem certeza é Deus”, diz ele, que acrescenta que está confiante e que faz orações todos os dias antes de dormir.

Assim como as rezas, os estudos também têm lugar garantido na rotina. De tarde, depois que chega da escola, as tarefas de casa são feitas antes dos treinos. A avó, coruja, garante que ele só tem nota 10 e João confirma.

“É um menino direito que não faz mal a ninguém, faz tudo certinho. Deus está conosco e eu sinto no meu coração que esse é o caminho de João e que tudo vai dar certo”, compartilha Lidinalva.

Além do dinheiro da venda das cocadas, a família abriu uma vaquinha online, que conseguiu arrecadar sete mil reais depois de uma cliente de Seu Antônio compartilhar a história no X (antigo Twitter) e viralizar. Somando todo o valor arrecadado, já chegaram a cerca de 13 mil dos 25 mil reais pretendidos. Agora, correm contra o tempo.

Como conta o professor Matheus Malta, de 26 anos, as passagens aéreas, conforme exigência da competição, devem ser compradas até o dia 15 de abril. Matheus é o professor do projeto social em Salvador e um dos competidores também classificados para o campeonato mundial.

Ao todo, 11 atletas do Clube Tigres e Dragões foram classificados. Desses, seis não vão ter condições de arcar com os custos e cinco ainda estão tentando juntar a quantia necessária.

Para contribuir com a vaquinha de João, acesse vakinha.com.br/4382410 ou o Pix 71999213977, mesmo número de telefone para contato. O seu perfil no Instagram é @joaolimareisoficial

Fonte: Correio

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