ONGs querem o Brasil fora do Conselho de Direitos Humanos da ONU

O Conselho de Direitos Humanos da ONU, na Suíça: a eleição dos membros para o próximo mandato ocorrerá no dia 16 de outubro (Denis Balibouse/Reuters/VEJA)
Imagem: Denis Balibouse/Reuters

Pela primeira vez na história dos anos de democracia no Brasil, ONGs estão fazendo uma campanha contra a manutenção do país em um dos órgãos das Nações Unidas. A Conectas Direitos Humanos e a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) emitiram comunicados se posicionando contra a renovação do mandato brasileiro no Conselho de Direitos Humanos da ONU, apelando para que governos estrangeiros não votem pelo Brasil nas próximas eleições.

Para permanecer um dos 47 membros do conselho, o Brasil precisa de 97 dos 194 da Assembleia-Geral das Nações Unidas. Os membros são eleitos por um período de três anos, e não podem ser reeleitos após dois mandatos consecutivos, o que significa que o país permaneceria no órgão durante todo o governo Bolsonaro – cuja agenda de direitos humanos desmonta premissas que o país já havia assumido em administrações anteriores.

A votação ocorrerá no dia 16 de outubro, e até lá ambas as ONGs farão campanha para pressionar os países membros a não apoiar a reeleição. Outras 10 nações pleiteiam a reeleição, como Alemanha, Japão e Holanda. Armênia e Sudão buscam sua eleição.

“O Brasil já deu demonstrações de usar seu assento no Conselho de forma descompromissada com as vítimas de abusos em todo o mundo, que muitas vezes não podem contar com seus próprios governos e veem na ONU uma esperança de proteção”, diz Camila Asano, coordenadora de programas da Conectas, organização que promove direitos humanos em países em desenvolvimento.

Em nota pública, na qual lança a campanha contra a renovação do mandato brasileiro, a ONG apresenta alguns exemplos: o governo influenciou negativamente resoluções sobre direitos sexuais e reprodutivos, se fecha ao diálogo sob o argumento da “ameaça globalista”, e ofendeu a Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, atacando seu pai, morto durante a ditadura chilena.

Enquanto isso, o governo brasileiro produziu um material de propaganda para angariar votos em que coloca como prioridades no que se refere aos direitos humanos a “família e religião”, omitindo temas considerados importantes pelas ONGs, como a situação da população carcerária, a violência policial, o meio ambiente e a população LGBT. Na visão da Conectas, o Brasil não possui as credenciais necessárias para ser reeleito, que incluem cooperação com o Conselho de Direitos Humanos e seus mecanismos e conformidade com instituições nacionais de direitos humanos (NHRIs).

O plano de ação, agora, é o de uma campanha eleitoral ao contrário, na qual ao invés de angariar votos, a Conectas e a ABGLT pretendem aplacá-los. “Dependemos de que outras organizações da sociedade civil ao redor do mundo abracem essa causa, para pressionar os países membros em suas próprias casas”, diz Symmy Larrat, presidente da ABGLT.

A ONG, que defende a cidadania e os direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT), não tem recursos financeiros para ir a Genebra em todas as Assembleias, mas Larrat já participou de discussões acerca de gênero e sexualidade da ONU. “Fazemos parte de uma rede de organizações que defendem os direitos humanos, e a narrativa ofensiva do Brasil já causou incômodo”, diz.

Já a Conectas pretende atuar de forma mais direta: “Vamos dialogar com os países membros da ONU para aprofundar nossas preocupações em relação às políticas retrógradas adotadas nacionalmente e à diplomacia desrespeitosa que tem isolado cada vez mais nosso país no âmbito internacional”, afirma Asano.

Sem países específicos na mira, já que a política é “um país, um voto”, a Conectas também pretende investir pelo outro lado, cobrando que outros países do grupo que o Brasil faz parte, o GRULAC (Grupo de Países da América Latina e Caribe na ONU), também se candidatem na eleição para o Conselho, para que haja mais opções de voto no futuro.

De qualquer forma, a pressão já está estabelecida, quer ou não o Brasil permaneça no Conselho. Se não for eleito, vai estar no radar dos outros membros devido ao alarde da campanha iniciada pelas ONGs. Se for, não vai poder tropeçar, porque todo o mundo estará assistindo: “Será responsabilidade dos países que votaram no Brasil cobrança para que nosso país não use sua vaga para atacar aqueles que deveriam ser protegidos pelo órgão”, diz Camila. (Veja)

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