À medida que se prolonga o fechamento inédito e generalizado de escolas devido ao coronavírus, países do mundo todo têm adotado medidas excepcionais na educação. Elas incluem a suspensão da reprovação de alunos, novas políticas de notas e enxugamento de currículo.
Segundo dados da Unesco, braço das Nações Unidas para a educação e a cultura, 1,3 bilhão de estudantes estão em instituições de ensino que tiveram as atividades presenciais interrompidas, o correspondente a 73,8% do total. O percentual já chegou a mais de 90%, antes de a China começar uma reabertura gradual.
O mapa da organização mostra que os únicos países que ainda mantinham colégios abertos na semana passada eram Belarus, Turcomenistão e Tajiquistão, que, em diferentes graus, minimizam a gravidade do coronavírus.
De forma geral, as ações educacionais adotadas por países do hemisfério norte nas últimas semanas têm levado em conta dois fatores: eles estão mais adiantados do que o Brasil na pandemia, alguns com curva descendente de casos; e estão no final do ano letivo, que, em circunstâncias normais, acabaria em junho.
As medidas adotadas por eles visam, em regra, mitigar o aumento da desigualdade educacional, tido como muito provável, evitar a evasão escolar e tentar corrigir o mais rápido possível as lacunas de aprendizagem que o período de ensino remoto pode deixar.
Governos da Espanha, Itália e de grandes centros dos Estados Unidos, como Nova York, são alguns dos que decidiram que os alunos não repetirão de ano em 2020 –salvo, no caso dos dois primeiros, em situações excepcionais.
A Itália prevê a volta às aulas em setembro. Os alunos que tiverem deficiências constatadas em avaliações passarão de ano, mas serão encaminhados a programas de recuperação.
O exame que dá o certificado de formatura do ensino médio foi mantido, mas a nota final levará em conta mais a trajetória escolar do aluno do que o resultado da prova.
A medida se seguiu a uma série de outras, como a distribuição de computadores em comodato para famílias que não têm o equipamento e uma política específica para crianças com deficiência.
Vice-presidente de educação do Instituto Ayrton Senna, Tatiana Filgueiras ressalta que tudo isso foi possível graças a uma forte coordenação nacional das ações educacionais no país na atual pandemia.
“A coordenação chamou a atenção porque pensou tanto nas políticas universais como naquelas para públicos específicos, com perspectiva agregadora”, diz ela, que vive no país. “No Brasil, o Conselho Nacional de Educação [CNE] lançou nesta semana um documento importante, mas com caráter de recomendação.”
O texto do CNE sugere “avaliação equilibrada dos estudantes” e monitoramento da aprendizagem deles.
Na Espanha, que tem uma das maiores taxas de repetência da Europa, o Ministério da Educação acordou com os governos regionais a não reprovação dos alunos, como regra geral, e a atribuição de notas com base principalmente no desempenho do estudante no período anterior à suspensão das aulas presenciais.
Algumas regiões como a de Madri, decidiram posteriormente manter as regras anteriores de aprovação, mas a maioria deve seguir o acordado.
Em Nova York, pais de alunos receberam na semana passada uma carta do Departamento de Educação que informa a suspensão de reprovações e a mudança no sistema de notas. Alunos do sexto ao nono ano, por exemplo, poderão estar em uma de três classificações: “atende aos parâmetros”; “precisa melhorar”; “curso em andamento”. Os que estiverem nas duas últimas terão atividades de reforço.
“Nós vemos vocês, ouvimos vocês e acreditamos que esta política enfatiza para estudantes a flexibilidade e a paciência neste tempo sem precedentes, além de mantê-los engajados sem penalizá-los pelo trauma que eles possam estar enfrentando”, diz o texto. “Esta política busca minimizar o estresse das famílias e dos estudantes, ao mesmo tempo em que dá aos professores do próximo ano as informações sobre o progresso de cada aluno.”
Ex-secretário municipal de Educação de São Paulo e pesquisador visitante da Universidade Columbia, Alexandre Schneider avalia como grande mérito de Nova York na atual pandemia a comunicação constante com os pais e o respeito à autonomia das escolas.
Diferente do que tem ocorrido na rede pública de diversos estados brasileiros, como São Paulo, as aulas não são padronizadas para todos os alunos da rede. As atividades, pelo contrário, são desenvolvidas pelos professores de cada turma, o que permite um engajamento maior do estudante, assim como um melhor acompanhamento individual.
Para Schneider, que também é colunista da Folha, uma lição de outros países que pode ser adaptada para o Brasil no período de pandemia é a de dar mais flexibilidade para o currículo, olhando para 2020 e 2021 na prática como um ano letivo só. Assim, a defasagem de conteúdo poderia ser recuperada em um período maior, evitando que uma criança seja injustamente reprovada ou passe de ano sem ter aprendido o necessário.
O Chile definiu algo nesse sentido. O Ministério da Educação local prevê para este ano, além de avaliações constantes e reforço, uma “priorização curricular”, que irá elencar os conteúdos essenciais a serem ensinados em um ano tão atípico, para que as escolas foquem no mais fundamental.
Para Tatiana, é o momento de se pensar um currículo mais enxuto, em que haja espaço não só para as habilidades cognitivas, mas também para as socioemocionais. “Países como Finlândia e Cingapura já estavam tirando um pouco de conteúdo. Teremos um aumento drástico de desigualdade que pode ser uma oportunidade para a transição para uma educação do século 21.”
No Brasil, por enquanto, a principal ação federal voltada à educação básica na pandemia foi uma medida provisória que permite às escolas cumprir parte da carga de 800 horas por ano a distância, dispensando-as dos 200 dias letivos previstos em lei.
Por ora, não há sinalização sobre mudanças em avaliações e política de reprovação. O governo Jair Bolsonaro decidiu manter a data prevista para o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), sob críticas de secretários estaduais, que apontam prejuízo para os alunos mais pobres.
Diversos estados começaram programas remotos de ensino via internet e rede de televisão. Alguns deles, como São Paulo, já preveem cenário bastante desafiador após a volta às aulas, com grande pressão para que alunos do ensino médio e dos anos finais do fundamental deixem a escola para trabalhar. (Bahia Notícias)