Pedidos de refúgio de cubanos quase triplicam após saída do Mais Médicos

O médico cubano Karel Sanchez Fuentes recebeu Certificado de Excelência da prefeitura de Cachoeira do Arari (PA), cidade onde trabalhou no programa Mais Médicos — Foto: Celso Tavares/G1

“Eu não posso voltar para Cuba. Não vou ser aceito lá.” O médico Karel Enrique Sanchez Fuentes, de 35 anos, é um dos 2.209 cubanos que solicitaram refúgio no Brasil entre novembro de 2018, quando acabou o convênio do país caribenho com o programa Mais Médicos, e abril de 2019. O número é quase o triplo do registrado um ano antes. De novembro de 2017 a abril de 2018, quando a parceria estava em pleno vigor, foram 880 solicitações. Assim, de uma média de 4,86 pedidos por dia, o ritmo saltou para 12,62 após a saída de Cuba do programa. Os dados são do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare). Os pedidos de refúgio de cubanos já vinham crescendo desde o início de 2013, quando começou o Mais Médicos. Em novembro de 2018, entretanto, há um aumento inédito que prossegue até fevereiro de 2019 (veja no gráfico abaixo).

Dados do Conare mostram evolução dos pedidos de refúgio por cubanos — Foto: Diana Yukari/G1
Dados do Conare mostram evolução dos pedidos de refúgio por cubanos — Foto: Diana Yukari/G1

Naquele mês, Cuba anunciou que abandonaria o programa, citando declarações do então presidente eleito Jair Bolsonaro, que havia prometido, durante a campanha e em seu programa de governo, expulsar médicos cubanos com base na prova do Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituições de Educação Superior Estrangeiras (Revalida). Bolsonaro também prometeu, entretanto, conceder, a todo cubano que o solicitasse, o status de asilado – um título diferente do de refugiado, mas que também permite ao estrangeiro permanecer legalmente no país (leia mais no fim da reportagem)

“Temos que dar o asilo às pessoas que queiram. Não podemos continuar ameaçando como foram ameaçadas no governo passado. […] Se eu for presidente, o cubano que quiser pedir asilo aqui, vai ter”, disse o então presidente eleito logo após Cuba decidir abandonar o Mais Médicos.

O G1 pediu ao Planalto o número de pedidos de asilo de cubanos avaliados pelo governo desde o fim do Mais Médicos e quantos foram concedidos. A Secretaria de Comunicação da Presidência informou, porém, que o assunto seria respondido pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública. A pasta, por sua vez, disse que o tema era de responsabilidade do Itamaraty – que não repassou os dados até a publicação desta reportagem. Para tentar resolver o problema – ao menos em parte – o Ministério da Saúde informou que existe uma ação com o governo federal para “auxiliar a permanência” dos médicos cubanos no país e buscar “alternativas para o seu exercício profissional”. Segundo dados do Conare, houve pedidos de cubanos em todos os estados e no Distrito Federal entre novembro de 2018 e abril de 2019. A tendência não se repete nem mesmo entre solicitantes de refúgio que vieram da Venezuela – que o governo brasileiro reconhece como “estado de grave e generalizada violação de direitos humanos”. Entre os pedidos de refúgio, o Conare deferiu 13 neste ano. Dessas solicitações, somente três haviam sido feitas em 2018, ano do fim do convênio – o órgão não detalha o mês em que os cubanos agora considerados refugiados deram entrada no requerimento. Cada processo leva por volta de 2 anos para ser avaliado.

Refúgio x asilo

Asilo e refúgio são dois títulos diferentes. O primeiro é concedido diretamente pelo presidente da República, para casos de perseguição política individualizada e por crimes políticos. A decisão é tomada pelo Estado Brasileiro, não segue convenções internacionais e pode ser concedida a cidadãos estrangeiros nas embaixadas do Brasil em outros países. O refúgio é uma medida de caráter humanitário, que segue a Convenção dos Refugiados da Organização das Nações Unidas e é aplicado em casos em que a necessidade de proteção atinge a um número elevado de pessoas, quando a perseguição tem aspecto mais generalizado. Há uma questão linguística para esse impasse. Os textos em inglês do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) utilizam a nomenclatura “asylum seeker” para tratar sobre o que, no Brasil, considera-se solicitante de refúgio – e não de asilo. (G1)

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