Antes diziam que a covid-19 era doença de idoso ou de quem tinha comorbidade. Agora, os números mostram que o vírus faz vítimas cada vez mais jovens. De acordo com o último boletim da Secretaria da Saúde do Estado (Sesab), até o momento, 27.934 crianças testaram positivo para a covid-19 na Bahia, 48 delas morreram por conta da doença. Engana-se, ainda, quem pensa que nos pequenos os sintomas são sempre mais leves. Ainda segundo a Sesab, nove pacientes mirins com o vírus estavam na fila da regulação aguardando leito de UTI pediátrica, quatro delas em Salvador.
Dos infectados, os mais afetados são os pequenos de cinco a nove anos. São 12.632 crianças dessa faixa etária que pegaram a covid-19. Logo depois vem aquelas entre um e quatro anos, com 10.098 casos no total. Por fim, 5.204 bebês de menos de um ano foram diagnosticados com a doença.
Com apenas dois anos, a pequena Maria Helena Cantuária entrou na estatística. Ela mora no sul da Bahia, na cidade de Canavieiras, com a família, que também foi infectada pelo novo coronavírus. O tio Gabriel Cantuária, 24, ficou muito preocupado com a saúde da menina, pois Maria Helena teve tosse, febre e secreção durante duas semanas. Hoje, ela não está mais com o vírus, mas continua com algumas sequelas, como a inflamação na garganta.
“Ela não costuma sair para brincar. Normalmente fica em casa mesmo. O único contato externo que ela tem é com a minha tia e as filhas dela que moram no mesmo bairro. Eu tive muito medo, mesmo ela sendo criança”, lembra Gabriel, que também teve que lidar com os outros parentes doentes. “Minha mãe já tomou a primeira dose da vacina, mas mesmo assim ficou com sintomas. Todos em casa sentiram alguma coisa”, lamentou.
Atualmente, a Bahia possui apenas 51 leitos clínicos e 36 leitos de UTI também voltados para crianças. Desses, às 18h dessa quarta-feira (10), apenas 19 leitos clínicos estão livres e outros 11 de UTI. Esses equipamentos de saúde estão espalhados em hospitais de Salvador, Alagoinhas, Feira de Santana, Itabuna e Vitória da Conquista.
Não é brincadeira
Para a coordenadora do núcleo de controle de infecção hospitalar do Instituto Couto Maia, Verônica Rocha, 35 anos, os números e exemplo mostram que a covid-19 é também uma doença de criança. No entanto, ela pondera que os óbitos são mais frequente no universo dos adultos. Tanto que, no seu local de trabalho, leitos de UTI pediátrico foram destinados aos mais velhos. “Isso aconteceu justamente pela demanda ser maior para os adultos”, explica.
“Para as crianças, é como se a covid fosse só mais uma das infecções respiratórias que elas costumam ter nesse período. Se a doença só atingisse crianças e com essa intensidade, não seria uma pandemia. Os casos graves são muito poucos, proporcionalmente”, argumenta a médica.
A infectopediatra Anne Galastri, da Sociedade Baiana de Pediatria (Sobape), explica que, quando se diz que a covid-19 não é uma doença de criança, quer se falar justamente que é uma exceção os casos graves para essa faixa etária. “Graças a Deus, a área pediátrica está sendo mais poupada, se comparada com as outras”, comemora.
“Se a gente olha para a Bahia e o mundo inteiro, veremos que em torno de 8% a 11% dos infectados são menores de 19 anos. Até o momento, as variantes parecem infectar mais todas as faixas etárias. Tudo isso mostra que não há uma predileção para o setor pediátrico”, argumenta.
Na Bahia, 11,06% dos casos e 0,74% das mortes por covid-19 são de pessoas com 19 anos ou menos, como indicou a médica. Mesmo assim, para as duas especialistas, com doença não dá para brincar. Isso quer dizer que as famílias devem manter os cuidados e ensinar as crianças a combaterem a pandemia.
“Temos que orientá-las a higienizar as mãos, usar a máscara se tiver mais do que dois anos e também manter distanciamento. A criança pode brincar em ambientes abertos, desde que seja com esses cuidados. Caso tenha qualquer sintoma, por mais simples que seja, não pode sair de casa”, explica Galastri.
A médica também deu um puxão de orelha nos pais que não são exemplos para os pequenos:? “A criança é um reflexo da comunidade em que ela vive. Se ela vê o adulto andar na rua sem máscara, sem limpar a mão frequentemente, saindo de casa quando está doente ou indo para aglomerações, que exemplo está sendo dado? Como a criança vai aprender alguma coisa desse jeito? A gente está perdendo a oportunidade de ensiná-los a serem cidadãos”, defendeu.
Síndrome Inflamatória
Um problema que pode atingir crianças e adolescentes infectados pela covid-19 é a Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P). A doença é associada à infecção pelo vírus. Na Bahia, subiu para 68 os casos registrados pela Sesab. Há 10 dias eram 62. Em todo o Brasil já foram diagnosticados mais de 700 casos, com quase 50 mortes.
Dos infectados baianos, três morreram: um menino de 9 anos, que morava em Salvador; um menino de um 1 aninho que residia em Maracás; e uma menina de 7, que vivia em Camacan.
Dos 68 casos no estado, 38 pacientes são meninos e 30, meninas. A faixa etária mais acometida é a das crianças de até 4 anos, com 27 casos. Logo depois, as de 5 a 9 anos, com 25 registros; seguidos pelos de 10 a 14 anos, com 14 ocorrências. Por fim, dois adolescentes de 15 e 19 anos tiveram a síndrome.
Segundo as autoridades de saúde, a SIM-P é uma resposta inflamatória sistêmica grave do organismo de algumas crianças afetadas pela covid-19 e pode apresentar febre persistente acompanhada de sintomas gastrointestinais, dor abdominal, conjuntivite e pressão baixa, dentre outros sinais. Seu surgimento acontece durante ou depois da infecção pela covid-19, como uma resposta agressiva do organismo ao contato com o vírus. Cerca de 40% das crianças que desenvolvem a doença apresentam quadro grave e precisam de UTI pediátrica.
O primeiro caso no mundo foi identificado nos EUA, em abril de 2020. Depois, no Reino Unido e outros países.
*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro. (Correio24h)