Estudantes da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia (Ufba) interromperam a apresentação de um espetáculo no Teatro Martim Gonçalves, que fica no campus da instituição no Canela, em Salvador, para impedir a apresentação da peça “Sob as Tetas da Loba”.
O caso aconteceu na noite de sábado (1º). Os alunos fazem parte do coletivo antirracista Dandara Gusmão. No dia 27 de maio, o grupo divulgou nas redes sociais uma nota de repúdio contra o espetáculo, por considerar a apresentação racista.
“A prática do racismo é uma constante na Escola de Teatro da UFBA, uma universidade com uma comunidade em mais de 40 mil pessoas não conseguiu evoluir para o século 21, apenas enxerga o nosso povo preto em posição de subalternidade, marginalidade e servidão”, escreveu o coletivo.
No mesmo texto, o Dandara Gusmão fala sobre os papéis em que pessoas negras são colocadas na peça.
“O sadismo de quem se debruça numa teatralidade como essa só reserva para a mulher preta os papéis em que ela está disposta a ser estuprada, assediada, enxotada, estereotipada e a mesma estrada pra o homem preto. Depois essa mesma gente cinicamente faz discursos a favor da democracia. Que justiça social é essa que favorece apenas o povo branco?”, questionou o grupo.
Imagens divulgadas nas redes sociais no domingo (2) mostram o momento em que o grupo se junta na frente do palco, com punhos erguidos, gritando palavras de ordem para que o espetáculo seja encerrado.
O vídeo mostra ainda uma discussão entre os estudantes que protestam e pessoas vestidas com a camiseta do espetáculo. Depois disso, a plateia inicia um coro alegando falta de respeito pela apresentação.
Professora relata agressão
Imagens divulgadas pela professora Deolina França mostra parte do grupo fazendo uma intervenção fora da sala do teatro — Foto: Reprodução/Redes Sociais
Em outras imagens divulgadas pela professora Deolinda França, uma parte do grupo faz uma intervenção fora da sala do teatro. Um rapaz, identificado pela professora apenas pelo prenome “Deivid”, faz um discurso sobre racismo.
“Quem colocou esse chão aqui, que todo mundo está pisando, não foi nenhum branco. Não foi nenhuma branca. Foram nossos irmãos pretos e pretas que fizeram isso”, diz o estudante nas imagens.
Pouco tempo depois, ao perceber que está sendo filmado, ele fala sobre a situação. “Querem ficar fazendo imagens da gente para publicizar, dizendo que a gente não presta. Prestem atenção nessa professora, por exemplo. Deolinda, a mulher da França que sempre traz a vergonha para a gente”, continua ele, ao se aproximar dela.
O rapaz então abaixa a câmera da direção dele e diz: “Por favor pare de filmar”. A partir desse momento, as imagens são encerradas.
A professora divulgou o vídeo nas redes sociais e alegou ter sido agredida verbalmente e fisicamente pelo rapaz.
Professora registrou momento em que rapaz abaixa a câmera da direção dele e pede para que ela pare de filmar — Foto: Reprodução/Redes Sociais
Ela disse que o vídeo que registra parte da agressão sofrida por ela, e que a agressão termina no momento em que o estudante arranca o celular dela da mão. O vídeo gravado por ela, no entanto, não registra a suposta agressão física.
“Fui agredida verbalmente e fisicamente! E o mais grave, fui agredida não por um bandido nas ruas da cidade, mas por um aluno da Escola de Teatro da UFBA, local onde trabalho! Passei a integrar as estatísticas de professores agredidos por alunos dentro do seu local de trabalho”, disse Deolinda.
A professora relata ainda que o grupo Dandara Gusmão “toca o terror” na universidade.
“Essa organização está há dois anos tocando o terror na Escola de Teatro da UFBA, um ovo da serpente sendo chocado com o aval de alguns alunos e a complacência de alguns professores e o medo de outros, pois sendo os membros da organização negros, todos temem serem acusados de racismo, crime inafiançável!”, continuou ela.
Deolinda compara ainda os estudantes com bandidos, ao dizer que eles pularam o muro do portão, o que segundo ela, caracteriza uma invasão.
“Depois de entrarem na Escola de Teatro não pelo portão, mas numa atitude clara de invasão, pulando o muro como bandidos, se instalaram no pátio da Escola e com eles a balbúrdia! O ódio estampado na cara, a atitude de justiceiro que está disposto a ir às últimas consequências para acabar com o ‘racismo institucional e estrutural da Escola de Teatro da UFBA’. Esse é o crime pelo qual somos acusados, agredidos e ameaçados”, pontuou ela.
A professora fala também sobre o momento em que começou a filmar a intervenção do grupo e relata ter sido agredida pelo rapaz identificado por ela como Deivid.
“Estava filmando com o meu celular as manifestações agressivas do grupo, quando Deivid, líder da organização, me usa como exemplo do que deve ser combatido na Escola! Vem agressivamente na minha direção e arranca meu celular da minha mão com violência, atingindo com seu braço meu rosto, parti para cima dele na tentativa de me defender e recuperar meu telefone, consegui recuperar meu telefone mas saí com os braços marcados pela violência da criatura!”.
Professora se refere a alunos como “meliantes” — Foto: Reprodução/Redes Sociais
De acordo com a professora, ela esteve na Delegacia dos Barris para registrar boletim de ocorrência contra o estudante, a quem chamou de meliante, mas não pôde fazer a queixa porque o caso aconteceu em uma universidade federal.
“Fui à Delegacia dos Barris para fazer o boletim de ocorrência e mostrar meus braços avermelhados pelos safanões do meliante, sim para mim ele é um meliante, em todos os sentidos do Aurélio, mas infelizmente não pude fazê-lo por ter sido agredida dentro do espaço da Universidade Federal da Bahia e meu BO deverá ser feito hoje [segunda-feira, 3] na Polícia Federal”, disse ela.
Deolinda disse ainda que voltará à Escola de Teatro da Ufba para iniciar um processo administrativo disciplinar contra o “meliante”. Até a publicação desta reportagem, a professora não havia divulgado se a ocorrência foi registrada na Polícia Federal.
O G1 entrou em contato com a assessoria da Universidade Federal da Bahia (Ufba), mas até a publicação desta reportagem não obteve retorno.
Grupo Dandara Gusmão
Grupo compartilhou uma publicação de uma estudante da Escola de Teatro — Foto: Reprodução/Redes Sociais
O G1 entrou em contato com o coletivo pelas redes sociais, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
Nas redes sociais, o grupo compartilhou uma publicação de uma estudante da Escola de Teatro, e escreveu que “A repugnância é sentida por quem se coloca no lugar do outro!. Ergamos os punhos! Para luta!”. (Informações do G1)