Há quase dez anos, os defensores públicos pedem a desvinculação de suas carreiras com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Diferente de outras carreiras, tal como magistratura e do Ministério Público, os empossados como defensores não têm os registros na Ordem suspensos ou cancelados. Eles precisam continuar pagando a anuidade da instituição, apesar da carteira da Ordem não ser requisito para atuar como defensores públicos. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) acatou um recurso interposto pela Associação Paulista dos Defensores Públicos (Apadep) em um processo de desvinculação da OAB local. O ministro Og Fernandes, relator do recurso, deu provimento ao recurso para “o fim de reconhecer a desnecessidade de inscrição na ordem dos advogados para que os defensores exerçam suas atividades profissionais”.
Ao Bahia Notícias, o presidente da Associação dos Defensores Públicos da Bahia (Adeo-BA), João Gavazza, lembra que, desde 2009, com a edição da Lei Complementar 132, a atuação dos profissionais ficou desvinculada da OAB. “Apenas a nomeação e a posse é o suficiente para o exercício da função”, afirma Gavazza, complementando que, com a norma, a Defensoria alcançou um patamar de carreira e independência funcional. A entidade é autora de duas ações coletivas que tramitam no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) questionando o vínculo e pedindo que os defensores inadimplentes não sejam alvos de processos éticos disciplinares na OAB baiana.
Na Bahia, a Defensoria Pública é composta por 310 defensores. Desse montante, apenas 11 tem a possibilidade de acumular a função com a advocacia, por terem ingressado na instituição antes da Constituição Federal de 1988. Os 299 restantes recebem cobranças para pagamento da anuidade para OAB local, sem advogar. Em uma conta rápida, se todos os defensores que ingressaram depois da Constituição pagarem R$ 800 – tendo como referência a anuidade de 2018, sem os descontos –, ele contribuem com os cofres da OAB em quase R$ 240 mil por ano.
O diálogo com a seccional baiana da OAB, de acordo com Gavazza, é positivo sobre a questão, até mesmo porque está sub judice. Então, em tese, nada de muito grave pode acontecer ainda aos defensores públicos que se recusam a pagar a anuidade, pois aguardam definição judicial. Para o presidente da Adep, talvez a OAB faça questão de ter os defensores em seus quadros como uma “forma de controle”. Mas ele destaca que a Defensoria é uma “instituição autônoma e cabe a ela a gerência de seus profissionais, não estando submetida a qualquer atuação externa, seja de que órgão for, mesmo que seja da OAB”.
Apesar do diálogo ser positivo, os defensores públicos baianos continuam recebendo notificações para pagarem as anuidades e ficarem em dia com a Ordem. Ainda não há ações individuais da OAB na Justiça contra os defensores para quitarem os pagamentos. “Alguns pagam a anuidade por conta desses ‘meios de coerção’, em que pese não ter judicialização individual”, informa o representante dos defensores. Uma das “coerções” seria justamente a abertura de processos éticos disciplinares da Ordem e até sujar o nome do defensor, com inscrição em órgãos de proteção ao crédito.
Os defensores públicos que estão em dia com a OAB têm poucas vantagens. Uma delas é o acesso a serviços da Caixa de Assistência aos Advogados (Caab). Fora isso, não há nenhum outro benefício, pois eles não recebem honorários das ações que atuam. Os valores dos honorários das causas são destinados para a Defensoria Pública, para estruturação da instituição e formação de novos profissionais. O não pagamento se dá pelo regime estatuário do próprio órgão da Constituição Federal. “Depois da Constituição, o defensor atua única e exclusivamente na Defensoria Publica e não recebem honorários advocatícios, em contraposição do que é para todos os profissionais da OAB, além de procuradores do Estado e dos Municípios, que também recebem os valores”, explica João Gavazza. Ele ainda completa que o perfil atendido pela instituição é de pessoas hipossuficientes, que não teriam condições de pagar um advogado particular.
Em 1ª Instância, foi proferida uma decisão favorável aos defensores pelo não pagamento das anuidades da Ordem. Mas a decisão foi reformada pelo TRF-1. A Adep-BA já estuda recursos para as Cortes Superiores para que seja mantido o procedente do Superior Tribunal de Justiça.
Gavazza lamenta que a própria OAB acaba por reproduzir um mesmo olhar do Estado para com a Defensoria em não observar a simetria das carreiras ao manter o registro dos defensores e suspender as inscrições da magistratura e de membros do MP. “O Estado ainda não olha para o defensor público da mesma forma que olha para o juiz e para membros do MP, tem sempre esse tratamento diferenciado. E a própria OAB, nesse entendimento que ultrapassa a própria lei, mantém isso. Por que o juiz e os membros da MP têm suas inscrições suspensas ou canceladas e o defensor não pode ter o mesmo tratamento? Porque ele tem que continuar pagando mesmo não tendo nenhum tipo de atuação advocatícia, de beneficio da advocacia, como os honorários?”, questiona.
Para se tornar defensor público, os editais não exigem mais o exercício da advocacia, mas apenas realização de atos jurídicos. “A ideia da Defensoria é para atividade jurídica. Por exemplo, analista judiciário pode fazer o concurso, outros cargos que exercem atividades jurídicas podem fazer o concurso para defensor. Não necessariamente sendo advogado. Mas por que que, quando você passa a ser defensor, você tem que ser da OAB obrigatoriamente?”, pergunta. A OAB foi procurada para falar do assunto, mas até o fechamento desta matéria, o Bahia Notícias não conseguiu um posicionamento da instituição. (BN)