Texto e poema de Lauro Souza
Onde está o calor da Vida do nosso olhar que se esfriou tanto? Que se esfriou na busca de uma alegria fácil e fugaz, que se perdeu e derrapou nas curvas de sorrisos superficiais, que se alimentou de ilusórias vontades ao recusar-se ir diante do espelho do real.
Pois é, transpassados por tanta futilidade esquecemos, ou melhor, colocamos uma venda nos nossos olhos para não prestarmos atenção aos ecos do silêncio, aos choros aparentemente sem razão, ou dos gritos de socorro daqueles que sofrem e se definham com problemas emocionais, “potencializados” ou não. Porque o que se deve estar em questão é que um problema existe e precisa de atenção, não de uma fria acusação de que o próximo está se fazendo de “vítima do mundo”, pois é vital entender que se alguém tem um discurso que revele suas dores sem força para superá-las é porquê existe um suicida em potencial bem ali perto da gente, uma pessoa igual a nós, porém, fragilizada por suas histórias traumáticas, carente às vezes de um simples abraço, um carinho qualquer, uma risada boba num afago, um convite para um saco de pipoca numa praça, um sorvete, uma presença acolhedora de um olhar afetuoso e fraterno sem maiores interrogações. A urgência do hoje, do agora, tem feito pesar toneladas em nossos ombros, tem sufocado o amanhã, e nos cristalizamos consumidos em depressão como se tudo não pudesse mais ser, pelo simples e humano fato de ainda não ter sido consumado como talvez deveria.
Precisamos sair do nosso “ar vaidoso de pavão”, pois ninguém é igual, ninguém é a Muralha da China, a grande pirâmide de Quéops do Egito, nenhum ser humano é uma fortaleza intransponível, exceto os heróis das revistas de quadrinhos e dos filmes. Precisamos acabar com a cultura da coisificação do ser, a robotização das almas viventes, pois gente sente dores e mingua com seus dessabores! Hoje, pode ser o dia do outro que sofre sem uma aparente razão diante dos nossos olhos, mas amanhã pode ser você em igual ou pior situação. Sendo assim, sejamos solidários, tenhamos compaixão com o sofrimento alheio e vamos buscar ferramentas amorosas para minorar suas angústias e afastar a possibilidade do suicídio.
Às vezes, falamos lindamente sobre os direitos humanos, a dignidade da pessoa humana quando sabemos de histórias que estão a milhares de quilômetros do nosso cotidiano, mas não percebemos o quanto não colocamos em prática o nosso discurso com aqueles que estão ali mais próximos da gente. Pois, como disse Jesus, devemos amar o próximo como a nós mesmos, estando esse ser tanto longe quanto perto. Deveríamos retomar o rumo das nossas relações humanas, sermos humildes e reconhecer a nossa fraqueza com franqueza, agir com perdão, com delicadeza, com longanimidade, compreensão, mansidão, temperança… Precisamos cultivar e deixar exalar a “buniteza” de nossas almas que “# ou @” fica tão visível naquilo que somos nas redes sociais.
Uma das causas de muitos suicídios está no desamparo, no descaso com o sinal de alerta AMARELO que cada um revela de uma forma peculiar no semáforo de sua vida, no “isso é cena”, no “está se fazendo de vítima do mundo”, ou na indiferença desumana de que toda dor e angústia alheia é coisa pequena. Seja fraterno o teu olhar, seja de compaixão o teu abraço, seja de paz longânime e acolhedora a tua palavra e nunca de condenação, seja incondicional o teu ouvir em total compreensão, pois quando encontramos ajuda para dividir o peso da bagagem da nossa existência, todo fardo fica mais suave e na morte não se pensa. Vamos cantar como um “Aprendiz da Vida” e seguir na certeza de que o suicídio não é a solução, pois há um doce no leite talhado!
Há um doce no leite talhado…
Problemas sei que todos têm
de vários pesos e medida diferente,
cada um sente de uma forma,
pois gente não é igual a gente!
Na fraqueza somos parecidos,
calamos ou falamos redundantemente,
choramos, gritamos nos descabelando,
mas é preciso seguir em frente…
É preciso comer o amargo,
recorrer ao amparo em si e do lado,
alimentar-se das dores do tempo
e esquecer o plano por hora findado.
Resiliência é a palavra-ação!
Rearranjar o que virou passado!
Transcenda, suicídio não é solução!
Pense, há um doce no leite talhado…
Lauro Souza é ser humano, poeta, compositor, fotógrafo, historiador, feirante e foi conselheiro tutelar por dois mandatos em Santo Antônio de Jesus-Bahia.