O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebe da gestão de Jair Bolsonaro (PL) um mercado de trabalho com desempenho misto: parte dos indicadores mostra retomada, enquanto outra parcela ainda sinaliza dificuldades.
Após o baque da pandemia, o desemprego engatou uma trajetória de queda em meio ao avanço da vacinação contra a Covid-19. Com a volta dos brasileiros ao trabalho, a desocupação ficou menor do que no período pré-Bolsonaro.
A renda, porém, despencou em um cenário de inflação alta e, mesmo com os recentes sinais de melhora, não se recuperou totalmente do choque.
Além disso, a informalidade, marcada pelos populares bicos, permanece elevada e se apresenta como um desafio para o governo Lula.
“Pelo lado da ocupação, o desempenho do mercado de trabalho vem sendo muito positivo, mas, quando olhamos para a renda, ainda temos preocupações”, afirma o economista Bruno Imaizumi, da LCA Consultores.
“A trajetória da renda não acompanhou a inflação elevada durante um período. Além disso, o trabalho ficou mais barato na pandemia. Tivemos uma grande oferta de mão de obra pouco qualificada. Isso acaba afetando”, acrescenta.
No trimestre de agosto a outubro de 2022, o mais recente com dados disponíveis, a população ocupada com algum tipo de vaga –formal ou informal– foi de 99,7 milhões de pessoas no Brasil, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Trata-se do maior número da série histórica da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), iniciada em 2012.
Em igual trimestre de 2018, antes da era Bolsonaro, a população ocupada estava em 93,3 milhões. Em 2020, na fase inicial da pandemia, o número chegou a cair para menos de 83 milhões.
Com a reabertura de atividades e estímulos à economia no último ano, a taxa de desemprego recuou para 8,3% no trimestre encerrado em outubro de 2022. É o menor nível para o período desde 2014 (6,7%).
O número de desempregados –pessoas de 14 anos ou mais sem trabalho à procura de vagas– foi de 9 milhões até outubro do ano passado. Também é o número mais baixo para esse trimestre desde 2014 (6,7 milhões).
“O desemprego caiu muito. Grande parte dessa história é explicada pela recuperação pós-Covid. Na pandemia, houve um represamento grande do consumo de serviços, o setor que mais emprega”, diz o pesquisador Daniel Duque, do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).
O economista, por outro lado, considera que o rendimento médio do trabalho, em termos reais, foi o “grande perdedor” dos últimos anos.
É que, em um horizonte de inflação elevada, a renda mergulhou em uma trajetória de queda em 2021 e 2022, atingindo os menores patamares da década.
No trimestre mais recente, até outubro do ano passado, o rendimento foi estimado em R$ 2.754. O valor representa uma melhora frente aos meses anteriores, mas ainda ficou abaixo de igual período de 2019 (R$ 2.811), no pré-pandemia, e do mesmo intervalo de 2018 (R$ 2.784), no pré-Bolsonaro.
A economista Vívian Almeida, professora do Ibmec-RJ, entende que o mercado de trabalho apresenta uma recuperação incompleta.
Mesmo com a retomada da ocupação, um grande contingente de trabalhadores ainda convive com a incerteza de trabalhos pontuais, destaca a professora.
Segundo a Pnad Contínua, o número de trabalhadores sem carteira assinada ou CNPJ foi de quase 39 milhões no trimestre até outubro de 2022.
O número ficou um pouco abaixo do recorde de 39,3 milhões, verificado no trimestre imediatamente anterior, até julho.
“Muitas pessoas transformaram a renda que era adicional na fonte principal”, afirma Almeida.
“No caso dos motoristas de aplicativos, por exemplo, a pergunta de R$ 1 milhão é como tratar esses profissionais e como eles querem ser tratados. A questão da proteção social ultrapassa o salário. É preciso enxergar as demandas deles”, acrescenta.
Os 39 milhões informais representaram 39,1% da população ocupada até outubro (99,7 milhões). A taxa de informalidade recorde da série comparável foi de 40,9% no trimestre até julho de 2019, antes da pandemia.
Quando surgiu um trabalho para Graça Soares, 55, durante as férias com parentes no Espírito Santo neste ano, ela não pensou duas vezes.
“Aproveitei para visitar a família em janeiro, mas surgiu uma oportunidade de limpar uma casa aqui, em Cachoeiro de Itapemirim, acabei topando. Quem é diarista não pode recusar trabalho.”
Soares faz diárias há pouco mais de um ano em Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro.
Antes da pandemia, trabalhou como empregada doméstica para uma só família por nove anos, mas a crise sanitária a obrigou a ficar em casa e, no retorno ao trabalho após a vacinação, soube que os patrões teriam de substituir a empregada fixa por duas diárias por semana.
Ela avalia que a pandemia mudou sua vida, reduziu os ganhos e aumentou a insegurança. “Ainda quero um emprego fixo, mas parece algo muito distante.”
Levantamento feito pelo Datafolha em dezembro mostrou que 77% dos brasileiros preferem ter carteira assinada, com direitos trabalhistas garantidos, mesmo que a remuneração seja menor. Outros 21% escolhem trabalhar sem carteira, sem direitos trabalhistas garantidos, se o salário for maior.
Para Fausto Augusto Júnior, diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), o mercado de trabalho iniciou uma recuperação após o choque da pandemia, mas de “maneira precária”.
Nesse sentido, ele cita a perda de renda e o alto número de informais. Na visão do diretor, um dos desafios do novo governo Lula é “repactuar” trechos da reforma trabalhista, que entrou em vigor em 2017, no governo Michel Temer (MDB).
“A reforma foi feita de maneira muito rápida. Então, é necessário recolocar os setores na mesa. Você precisa fazer as discussões de maneira coletiva”, diz.
Na terça-feira (3), o novo ministro do Trabalho, Luiz Marinho, descartou uma revogação completa da reforma trabalhista, sinalizando que defende apenas a revisão de trechos da legislação.
Marinho ainda afirmou que o governo irá apresentar ao Congresso Nacional até maio uma política de valorização permanente do salário mínimo e até o primeiro semestre uma proposta de regulação de aplicativos, trabalho que ele classificou como “semiescravo”.
O ministro pregou diálogo com as empresas de tecnologia para cuidar da remuneração dos motoristas e entregadores.
“É preciso compreender que tem trabalhadores que nem desejam o formato anterior CLT, mas que necessitam de uma proteção social e previdenciária e, acima de tudo, da qualidade da remuneração. Tem trabalhadores trabalhando 14 horas ou 16 horas por dia para levar o leite para casa. Isso é um trabalho semiescravo”, disse.
Na avaliação de Daniel Duque, do FGV Ibre, a reforma trabalhista é um possível fator para explicar a queda do desemprego. Esse argumento leva em conta o alívio sobre litígios e custos judiciais das empresas a partir das mudanças na legislação, o que abriria espaço para mais contratações.
Duque acredita que a principal política do governo Lula na área trabalhista será a valorização do salário mínimo, sem grandes alterações na reforma.
“O que provavelmente será feito é uma revisão marginal de algumas regras, sem mudar o principal núcleo da reforma.”
Bruno Imaizumi, da LCA, avalia que modalidades de trabalho que ganharam força na pandemia, como o home office, devem permanecer no dia a dia de parte das empresas. “Essa é uma tendência no mercado de trabalho.” (Política Livre)