Com uma linguagem que nem de longe lembra o horário eleitoral, eles falam de política para bases com milhões de seguidores. Não são do ramo e, pelo menos até o momento, dizem que não pretendem mudar de vida. Responsáveis por frequentemente pautar as redes sociais, influenciadores digitais brasileiros como o youtuber Felipe Neto e a cantora Anitta têm apresentado engajamento e popularidade em patamares mais próximos, ainda que abaixo, aos registrados pelo presidente Jair Bolsonaro, cujo governo tem sido marcado pelo uso intenso das mídias digitais. Esses novos personagens no cotidiano político do Brasil superam nomes tradicionais, como o ex-presidente Lula e o ex-presidenciável Ciro Gomes.
É o que revela um ranking feito pela empresa de pesquisa e estratégia Quaest, a pedido do Sonar, que analisou o desempenho nas redes de 15 personalidades, entre políticos, celebridades, youtubers e comentaristas que abordam frequentemente assuntos políticos nas mídias sociais. Usando um algoritmo de inteligência artificial, a Quaest elaborou um índice de popularidade digital a partir de dados coletados em quatro redes sociais (Facebook, Instagram, Twitter e YouTube), buscadores (Google Search e do YouTube) e acessos à enciclopédia virtual Wikipedia desde 1º de fevereiro.
O índice é composto por seis dimensões: presença digital (número de redes sociais ativas), fama (público total nas redes e capacidade de crescimento), engajamento (volume de reações e comentários), mobilização (total de compartilhamentos de conteúdos), valência (proporção de reações positivas por reações negativas no Facebook e YouTube) e interesse (volume de buscas por informação no Google, YouTube e Wikipedia).
O levantamento aponta que Bolsonaro somou, no período, o maior índice médio de popularidade e liderou o ranking em cinco das dimensões analisadas. A exceção é o critério capacidade de crescimento nas redes (fama), liderado por Anitta. No quesito engajamento, Bolsonaro foi seguido de perto por Felipe Neto. Quando considerada a proporção entre reações positivas e negativas, Bolsonaro empata com o apresentador de TV Luciano Huck.
O youtuber Felipe Neto, de 32 anos, tem mais de 38 milhões de inscritos em seu canal e registrou o segundo maior índice médio de popularidade no período analisado. Acostumado a falar para um público jovem sobre entretenimento, Felipe Neto tem sido uma das principais vozes de oposição a Bolsonaro nas redes. No início do mês, divulgou em seus perfis um vídeo no qual cobra que influenciadores digitais também se posicionem publicamente contra o governo.
Já Anitta atingiu a terceira maior média, seguida por Luciano Huck. Recentemente, a cantora passou a abordar temas políticos em seus perfis nas redes. No Instagram, tem feito transmissões ao vivo com a advogada e comentarista política Gabriela Prioli – cuja popularidade digital dobrou no período e aparece em 10º lugar no ranking da Quaest – e o deputado federal Alessandro Molon (Rede-RJ). Este mês Anitta usou sua popularidade para pressionar o Congresso a não votar a Medida Provisória 910. O texto, elaborado pelo governo e criticado pela bancada ambientalista e pelo Ministério Público, tratava da regularização fundiária da Amazônia e acabou caducando. Uma nova proposta tramita no Congresso.
O ex-presidente Lula aparece em 5º lugar no ranking, enquanto Ciro Gomes ficou na 9ª posição, quando considerada a média no período. O ex-ministro tem impacto digital semelhante ao do apresentador de TV Danilo Gentili e fica atrás do economista Eduardo Moreira, responsável por criar e espalhar a campanha “Somos 70%” nas plataformas digitais. Contrário a Bolsonaro, o movimento faz referência à taxa da população que não avalia o governo como ótimo ou bom, de acordo com recentes pesquisas de opinião. Já Lula tem melhor desempenho quando considerada a dimensão “interesse”, que avalia pesquisas em plataformas de busca. O ex-presidente fica na segunda posição, atrás de Bolsonaro.
O cientista político Felipe Nunes, CEO da Quaest, ressalta que a alta popularidade digital é condição necessária, ainda que não suficiente, para ter um bom desempenho na política atualmente.
— É claro que quem tem popularidade alta é ator que influencia as eleições. A diferença é que eles surgem em uma nova plataforma. Nela, o que faz diferença é ter um posicionamento claro e autoridade construída sobre o assunto. As pessoas acreditam no que esses influenciadores falam e eles fazem um esforço grande para discutir o tema sem parecer que estão falando de política — diz Nunes. — Além disso, existe uma nova tendência que é o viés de confirmação, você quer confirmar aquilo que você já sabe ou que acha que sabe. É melhor assistir ou ouvir aquilo que você pensa.
Vozes “emergentes”
Para o professor Willian Rocha, que leciona disciplina sobre Redes Sociais e Marketing Digital na ESPM, a polarização política do Brasil acentuou a importância da atuação política de influenciadores. Esse processo, de acordo com o pesquisador, começou com as manifestações de junho de 2013, que levaram um leque amplo de demandas sociais às ruas e fizeram crescer o interesse da população pelo debate público. Rocha vê uma “tensão cultural” no ar, da qual acabam emergindo novas vozes políticas.
— Artistas e influenciadores têm se sentido pressionados a tomar posições, como aconteceu com a Anitta nas eleições de 2018, por exemplo. Comparativamente, o Felipe Neto encontrou mais consistência nesse processo, quando percebeu que podia canalizar a carreira dele para dar visibilidade a um ou mais grupos sociais — diz Rocha, que também é diretor de conexões da Agência 3.
Sobre a proximidade entre o engajamento promovido por Felipe Neto ao de Bolsonaro, líder do ranking, Rocha pontua que a ação do youtuber nas redes mostra que há um contraponto possível ao domínio bolsonarista. Ele indica que um dos motivos para a proximidade dos usuários a Felipe Neto é a ausência de acenos a possíveis candidaturas, o que garante uma percepção de que ele não publica as próprias opiniões para obter ganhos pessoais. Esse seria, no caso, um fator limitante para que outras vozes de oposição, como Lula e Ciro Gomes, buscassem mais espaço nas redes. O mesmo em relação a Luciano Huck, que já foi cotado como postulante à Presidência.
— Como o trabalho do Felipe junto ao YouTube e outras plataformas faz com que ele não precise contar com patrocínios e incentivos do governo, como a Lei de Incentivo à Cultura, ele acaba tendo maior independência para opinar sem temer prejuízos financeiros, o que não necessariamente é o caso de outras personalidades. Essa é uma das razões pelas quais o engajamento dele é muito próximo ao do Bolsonaro, junto com a falta de intenções para uma candidatura — avalia Rocha. (O Globo)