A perspectiva de o cinturão citrícola brasileiro ter neste ano uma produção de laranjas inferior à da última safra, aliada à baixa produção da fruta na Flórida (EUA) e a problemas em outros países, devem ampliar a escassez global de suco e, desde já, acendem um sinal de alerta no setor em todo o mundo.
O Fundecitrus (Fundo de Defesa da Citricultura) estimou que a safra 2023/24 na região formada pelo interior paulista e o Triângulo/Sudoeste Mineiro será de 309,34 milhões de caixas (40,8 kg cada) da fruta.
O número representa apenas 1,55% menos que na safra passada, quando foram colhidas 314,21 milhões de caixas, mas está muito abaixo do patamar de safras recordes -em 1999/2000, chegou a 436 milhões de caixas- e da expectativa do mercado, que era a de superar 320 milhões.
Nos EUA, o cenário é ainda mais crítico, já que a produção de laranjas na Flórida será de 16,1 milhões de caixas, 60,7% menos que na safra anterior e uma das mais baixas desde 1930, segundo estimativa do Departamento de Agricultura americano.
A escassez da fruta é provocada por fatores como o greening, principal doença da citricultura, e, no caso da Flórida, também pelo clima, como o furacão Ian, que atingiu o estado em setembro do ano passado e causou perdas de US$ 247,1 milhões (R$ 1,22 bilhão) apenas no setor de cítricos, segundo a Universidade da Flórida.
O quadro faz com que a produção nos dois principais mercados do globo, que no passado chegou a ser de 600 milhões de caixas, agora deva atingir apenas cerca de 330 milhões, isso num cenário de crescimento da população no planeta.
Com isso, os estoques brasileiros de suco atingiram em dezembro o menor patamar da série histórica, com apenas 434.943 toneladas, 14,5% menos que as 509.010 toneladas de 31 de dezembro de 2021. Dez anos antes, o estoque era de 1,14 milhão de toneladas.
“É praticamente um não-estoque. A situação é preocupante, porque quando você junta o estoque baixo que veio da safra passada com a previsão de safra do Fundecitrus, que é menor que a anterior, conclui-se que o período de restrição de oferta deve se prolongar por um tempo”, disse Ibiapaba Netto, diretor-executivo da CitrusBR (Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos).
Como o Brasil é o principal fornecedor de suco de laranja no mundo, com cerca de 75% do comércio global, o cenário interno se reflete no mercado de outros países. Caso da França, onde a Unijus (associação dos fabricantes de sucos de frutas) se manifestou relatando como inédita a escassez de concentrados de laranja “observada no mercado mundial há várias semanas”, citando que a pressão aumentou sobre o Brasil e que o resultado é a impossibilidade de o país honrar as encomendas feitas por todos os continentes.
Além de apontar os reflexos do furacão Ian como contribuinte da queda na produção nos EUA, a associação francesa ainda vê como problemas a redução de 30% na produção do México neste ano devido à estiagem, a falta de água que atingiu a Espanha e cita que o suco brasileiro, que ia principalmente para a Europa, tem sido desviado para os Estados Unidos, pressionando os preços.
A tonelada do suco, que custava 2.600 euros na safra passada, hoje está em 3.400 euros, segundo a Unijus.
“A Flórida teve uma safra muito ruim e o México, que poderia suprir esse mercado, também teve problemas com clima. No fim das contas, temos um ambiente de restrição de oferta global, puxado pelo Brasil”, disse o executivo da associação das exportadoras brasileiras.
Docente da USP (Universidade de São Paulo), Marcos Fava Neves afirmou durante a apresentação da previsão de safra do Fundecitrus que é o momento mais grave que o planeta enfrenta na oferta de suco e que isso ocorre num momento de um mundo maior e com mais riqueza.
Afirmou ainda que é preciso observar, com o suco nos preços atuais, como será o comportamento dos engarrafadores europeus, já que eles são multisucos, e que o mercado interno tem mostrado o posicionamento da laranja face ao momento.
“O suco 100%, o suco premium, ele vai cada vez mais ser só pra quem pode pagar, quem não está muito preocupado com preço do produto, pega na gôndola, coloca no carrinho e segue em frente. Ele está caminhando para cima no posicionamento e vai sobrar a questão dos blends [misturas], dos néctares, lamentavelmente, por conta da nossa explosão de custos de produção, por conta do problema de oferta.”
Para os produtores, o preço da caixa de laranja pago pela indústria chegou nesta semana a ultrapassar R$ 40, de acordo com o Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da Esalq/USP, ante os R$ 28,93 de dois anos atrás. Esse novo patamar é o previsto pelo especialista para os próximos anos.
MOMENTO EMBLEMÁTICO
A safra brasileira prevista não é pequena, está na faixa que o Fundecitrus considera como média, principalmente se for levado em conta que este ano é tido como de baixa na cultura. A laranja é marcada pelo ciclo bienal de produção, o que significa que produz mais em um ano e menos, no seguinte.
Ela é, também, 1,04% superior à média dos últimos dez anos, devido a períodos como 2020/21 e 21/22, quando safras baixas não alcançaram 270 milhões de caixas. Em 2022/23, foram 314,21 milhões de caixas, queda de 0,86% em relação à primeira estimativa do Fundecitrus.
Porém, como o mercado esperava que o cinturão citrícola fosse produzir ao menos 320 milhões de caixas agora, o setor ficou mais apreensivo.
Doenças como o greening, principalmente, e podridão floral impediram que a safra fosse maior. Por outro lado, as chuvas acima do esperado favoreceram os pomares, segundo disse Juliano Ayres, gerente-geral do Fundecitrus, ao anunciar a estimativa de safra.
Ele afirmou que a citricultura brasileira vive um momento emblemático e terá de decidir o caminho a ser seguido. “Nada é comparável com isso [greening]. Essa doença, onde ela entrou e se instalou, dizimou a citricultura”, disse.
Na avaliação do gerente, como a intensidade, incidência e severidade da doença têm aumentado, é possível prever que a queda de frutos devido ao greening deve se acentuar. Enquanto em 2016 a incidência de greening no cinturão citrícola estava em 16,73%, em 2022 o índice chegou a 24,42%.
“Recentemente, em 2022, nós, junto com a Esalq, detectamos pela primeira vez no Brasil a resistência a alguns inseticidas. Já tinha acontecido no México, na Flórida, mas aqui não.”
Com isso, a mortalidade dos psilídeos (insetos), que chegou a ser de 80%, caiu para patamares entre 30% e 40%. Apesar dos problemas, Ayres disse ser otimista. “Vamos virar o jogo. O CVC [doença conhecida como amarelinho] chegou a atingir 45%, hoje tem 0,5%.” (Fonte: Folha de São Paulo)