As medidas de flexibilização no acesso e porte de armas promovidas pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) são criticadas por seus principais concorrentes na disputa ao Palácio do Planalto e podem ser revistas caso ele não se reeleja.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), líder nas pesquisas de intenção de voto, além de Ciro Gomes (PDT), André Janones (Avante) e Simone Tebet (MDB) já se manifestaram de forma desfavorável às políticas que enfraqueceram o Estatuto do Desarmamento. A peemedebista, contudo, abre exceção para áreas rurais.
A proximidade de Bolsonaro das discussões sobre políticas de armas é de longa data. Em seus mandatos na Câmara do Deputados, o ex-capitão do Exército apresentou, como autor ou coautor, ao menos 11 propostas que tentavam alterar ou revogar trechos da Lei Federal 10.826/2003, o Estatuto do Desarmamento.
Já na campanha de 2018, o então candidato prometeu em seu plano de governo reformular o estatuto para “garantir o direito do cidadão à legítima defesa sua, de seus familiares, de sua propriedade e a de terceiros”.
Embora não tenha conseguido emplacar mudanças significativas na legislação por meio do Congresso Nacional, desde que assumiu a Presidência Bolsonaro publicou dezenas de decretos e portarias ampliando o acesso de civis a armas, além de ter enfraquecido mecanismos de controle e fiscalização.
Um levantamento do Instituto Sou da Paz indica que a atual gestão soma mais de 40 mudanças realizadas na base da canetada. “Com essa quantidade de decretos e portarias, nós consideramos que realmente houve uma tentativa de criar um caos normativo, de dificultar que as autoridades resistissem a essas medidas. Hoje, na prática, pouca gente entende tudo o que foi mexido pelo governo Bolsonaro”, avalia o advogado Bruno Langeani, gerente do Instituto Sou da Paz e autor do livro “Arma de Fogo no Brasil: Gatilho da Violência”.
Em declarações recentes, o presidente tem indicado que vai seguir em suas investidas contra o Estatuto do Desarmamento. Em junho, Bolsonaro disse que, se for reeleito, vai usar seu apoio no Congresso para aprovar leis “muito parecidas com as dos Estados Unidos” — onde há pouca regulação de armas. Ele também projetou chegar à marca de um milhão de registros de CACs (colecionadores, atiradores desportivos e caçadores) em um segundo mandato.
Principal adversário do presidente, Lula tem levantado a questão como uma forma de se contrapor a Bolsonaro. Nos últimos meses, ele vem repetindo que está do lado dos livros, enquanto critica a defesa das armas pelo adversário. Em abril, o petista prometeu fechar os clubes de tiro, que cresceram 168% desde o início da atual gestão.
O posicionamento do petista também é antigo, já que ele próprio sancionou o Estatuto do Desarmamento em 2003. À época, o ex-presidente considerou a aprovação do texto como um “passo excepcional” para diminuir a violência no país.
Terceiro colocado nas pesquisas, Ciro Gomes já chamou a recente flexibilização das legislações armamentistas de “liberou geral”, defendendo que essa política interessa apenas às milícias e às facções criminosas.
Em mais de uma ocasião, o ex-governador do Ceará relembrou o episódio de 1995 em que Bolsonaro, mesmo armado, foi rendido no Rio por dois assaltantes que levaram sua moto e pistola. “O assaltante tem o fator surpresa. Ele é quem escolhe a hora de abordar, pega a pessoa descuidada”, disse, argumentando que armas não são eficazes para a autodefesa de civis.
Em outubro do ano passado, o pedetista declarou que, se for presidente, vai determinar o recolhimento de todas as armas que não estiverem em posse da polícia. Quarto colocado no Datafolha mais recente, Janones votou contra o projeto de lei 3723/2019, que regulamenta a posse de armas por CACs. O projeto foi aprovado na Câmara em novembro de 2019 e aguarda análise pelo Senado.
No início do mês, o deputado afirmou que não existem dados que relacionem o armamento de civis à redução da violência. “O Estado está terceirizando para o cidadão a responsabilidade sobre a sua própria segurança. […] Ao passo que o que a gente deveria era ter um maior investimento em segurança pública para que isso não fosse necessário”, sustentou.
‘PELAS MULHERES’
Se eleita, Tebet prometeu, em junho, que um de seus primeiros atos na Presidência será rever, por decreto, qualquer avanço no porte de armas. A senadora figura em quinto lugar na pesquisa Datafolha mais recente, empatada em 1% das intenções de voto com Pablo Marçal (Pros) e Vera Lúcia (PSTU). “Nada é mais valioso para a bancada feminina, para a mulher que faz política, que a proteção de seus filhos, dos filhos de outras mães e das nossas mulheres. A principal vítima da arma de fogo dentro de casa é a mulher”, justificou a senadora, também em junho.
Em 2019, Tebet votou a favor de um projeto que pretendia sustar os efeitos de um decreto editado por Bolsonaro concedendo porte a 20 categorias profissionais. Entretanto, durante a mesma votação, a senadora ressaltou que defendia a aprovação de uma outra proposta, que permite a compra de armas por moradores de áreas rurais maiores de 21 anos. O texto foi posteriormente aprovado pela Casa e aguarda apreciação na Câmara.
À época, Tebet também recorreu às mulheres para explicar esse posicionamento, citando um exemplo hipotético de uma família da zona rural em que o marido sai para trabalhar e deixa esposa e filhos em casa.
OUTROS CANDIDATOS
Outros candidatos se mostraram mais favoráveis ao relaxamento das restrições à posse de armas. Pablo Marçal, por exemplo, declarou que possui arma e que acredita no direito de que cada pessoa seja livre para ter, se quiser. “Arma não é para a gente matar os outros, é para defender os de casa”, argumentou.
Ele também reforçou a necessidade de melhorar os sistemas de controle e fiscalização para que sua posse e porte “obedeçam a critérios técnicos”.
Na sabatina UOL/Folha em abril, Vera Lúcia defendeu o direito ao acesso a armas por “preço popular” a todas as pessoas que assim desejarem. Segundo a presidenciável, o objetivo seria garantir a autodefesa daqueles que, neste momento, já estão vulneráveis à violência do Estado e de criminosos.
PERSPECTIVAS
Como foram produzidas com canetadas, as mudanças de legislação que ampliaram o acesso e porte de armas podem ser revertidas já a partir de 1º de janeiro de 2023, caso Bolsonaro não se reeleja.
No entanto, Bruno Langeani explica que nem todos os efeitos podem ser imediatos. Reduzir os limites atuais de armas que cada cidadão pode comprar, por exemplo, dependeria de um planejamento de transição. “Não dá simplesmente para obrigar essas pessoas a entregarem as armas que elas já compraram. Uma das possibilidades é permitir que mantenham as que já têm e daqui para frente não permitir novas compras. Outra é comprar essas armas de volta, pagando preços de mercado, como já foi feito em alguns países”, analisa o advogado.
O presidente da República tem entre suas prerrogativas definir a quantidade de armas e munições que podem ser compradas, fixar o prazo de validade do registro de arma de fogo e estabelecer o que é de uso permitido ou restrito. “Mas qualquer proposta no sentido de proibição necessariamente precisa passar pelo Congresso”, reforça Langeani. (BNews)