O Tribunal Regional do Trabalho da Bahia (TRT-BA) e o Ministério Público do Trabalho (MPT) realizaram, na manhã desta segunda-feira (26/8), uma audiência pública em Santo Antônio de Jesus/BA. O objetivo foi discutir com a comunidade local o acompanhamento das ações para cumprimento da decisão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) no caso da explosão da fábrica de fogos na cidade. A audiência contou com a presença do presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Lélio Bentes, e do presidente do TRT-BA, desembargador Jeferson Muricy.
O presidente do TRT-BA mencionou sua participação na audiência pública do ano passado. Ele agradeceu a presença de todos e destacou o empenho da Justiça do Trabalho, incluindo gestões anteriores, em abrir esse espaço de diálogo e iniciar as ações de reparo. Ele expressou o desejo de que a audiência seja mais um passo para o cumprimento efetivo da sentença, ressaltando a importância de resgatar o valor da vida humana e prevenir que tragédias semelhantes ocorram novamente.
A líder do Movimento 11 de Dezembro, Rosângela Rocha (Rosa), relembrou a luta enfrentada pelo movimento e as violações de dignidade sofridas por vítimas e familiares ao longo dos anos. Rosa narrou seu encontro com o presidente do TST em Brasília e a promessa feita por ele de participar desta segunda audiência pública na cidade. Ela agradeceu a presença do ministro Lélio e revelou que, na noite anterior, ele visitou sua casa para um café em um bairro “periférico e que poucas autoridades visitam”. O prefeito de Santo Antônio de Jesus, Genival Deolino, comentou sobre os avanços no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado entre o município e o MPT no ano passado (link interno), e abordou a realidade da produção clandestina de fogos na região.
O presidente do TST reconheceu que o Estado brasileiro e o sistema judiciário falharam na proteção dessas pessoas. Durante a visita ao bairro de Rosa, ele afirmou ter tomado conhecimento da continuidade da produção clandestina de fogos, “onde essas pessoas são exploradas” e correm risco de vida. Ele reafirmou o apoio da Justiça do Trabalho ao MPT para acabar com essas violações de direitos. O ministro também mencionou que houve alguns avanços nas áreas de educação e saúde a partir da audiência anterior.
Painéis
O representante da Organização Internacional do Trabalho (OIT), José Ribeiro, apresentou dados sobre emprego e proteção social no município, destacando o desafio de promover a inclusão produtiva da população mais pobre. Em seguida, representantes da Justiça do Trabalho, do MPT, do Estado da Bahia, do município de Santo Antônio de Jesus e auditores fiscais do Trabalho expuseram as atividades realizadas e o progresso no cumprimento dos pontos resolutivos 12, 16 e 18 da condenação do Brasil pela CIDH. Eles também falaram sobre os novos desafios e o trabalho que deverá ser executado nestes quesitos para que os pontos sejam cumpridos.
Mudança Social
A decisão da CIDH também visou promover uma transformação na realidade local. A partir dela, uma série de projetos foi planejada e implementada para criar novas oportunidades de vida para as vítimas da tragédia, seus familiares e toda a sociedade. Um deles é o Projeto 4.0, em funcionamento no Instituto Federal da Bahia, campus Santo Antônio de Jesus.
Um laboratório de robótica, equipado com três impressoras 3D, protótipos de robôs e novos computadores, permitiu ao IFBA oferecer cursos de formação profissional, prioritariamente aos membros do Movimento 11 de Dezembro.
Ícaro da Hora Lima é um desses estudantes. Ele perdeu duas tias e uma prima na explosão e, graças à iniciativa, pôde concluir cursos de informática básica, marketing digital e robótica. O jovem, que é empreendedor no setor de alimentos, conseguiu aprimorar seu negócio aplicando os conhecimentos de marketing digital: “Comecei a administrar melhor”, afirmou. Os cursos também aumentaram suas chances no mercado de trabalho, e hoje ele avalia novas propostas de emprego.
O aluno Ícaro da Hora mostra o funcionamento da impressora 3D ao ministro
O presidente do TRT-BA agradeceu a toda a equipe envolvida, que, por meio da colaboração entre as instituições, se esforça para cumprir a sentença, destacando que o compromisso da Justiça do Trabalho é avançar ainda mais. Durante a visita, o ministro do TST afirmou que esses projetos representam uma resposta a uma situação social gravíssima.
11 de Dezembro
Na véspera da audiência, houve um encontro entre representantes da Justiça do Trabalho e o Movimento 11 de Dezembro. O objetivo foi discutir ações e ouvir as demandas dos representantes das vítimas e seus familiares. O convite para a reunião surgiu após uma visita ao TST, onde membros do grupo se encontraram com o ministro Lélio Bentes.
Sensibilizado pela causa, o ministro agendou sua participação na audiência pública. Ele afirmou que pretende engajar a Justiça do Trabalho no apoio desta causa. “Estamos atentos e dedicando todas as nossas energias para apoiá-los nessa luta”, comentou. O presidente do Regional baiano reforçou que tanto o TST quanto o TRT-BA estão comprometidos em garantir que as obrigações estabelecidas na decisão da CIDH se transformem em práticas que melhorem a vida dos sobreviventes e de seus familiares.
Rosa afirmou que o movimento busca justiça. Ela destacou que foi necessária a condenação por uma corte internacional para que medidas fossem tomadas. Rosa também mencionou que, após a primeira audiência pública, muito trabalho para erradicar o trabalho infantil foi realizado, mas muitos fogos ainda são produzidos clandestinamente nos quintais das casas, inclusive com a presença de crianças. O Movimento também conversou sobre suas demandas e a necessidade do cumprimento de pontos resolutivos da sentença que ainda aguardam solução.
Presidente do TST reencontra Dona Balbina do Movimento 11 de Dezembro
Todos os processos trabalhistas relacionados ao caso já foram quitados. No entanto, os representantes da Justiça do Trabalho concordam que o diálogo com outras instituições e a colaboração com os moradores são essenciais para a implementação de mais mudanças e o cumprimento integral da sentença. Dona Balbina, que perdeu uma filha na tragédia, resumiu as mais de duas décadas de luta por justiça com esperança: “Nós vencemos, continuamos vencendo, e ainda vamos vencer mais.”
Entenda o caso
Em 1998, uma explosão em uma fábrica de fogos em Santo Antônio de Jesus, na Bahia, matou 64 das 70 pessoas atingidas. Entre as vítimas, 22 eram crianças que trabalhavam em condições precárias.
Em 2020, a Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou que o Brasil deveria concluir as sentenças cíveis e trabalhistas em um prazo razoável. A Corte concluiu que a explosão e suas consequências estão diretamente ligadas à discriminação sofrida por mulheres, crianças e adolescentes pobres e negras em Santo Antônio de Jesus, que são forçadas a trabalhar em condições precárias.