Ao atingir o patamar de R$ 4,76, na semana passada, a cotação do dólar no primeiro semestre de 2023 representou um recorde no mercado financeiro. Desde 2016, a moeda norte-americana não desvalorizava tanto em um período de seis meses.
Do dia 1º de janeiro até 29 de junho, a queda acumulada chegou a 9,12%, alcançando a marca de R$ 4,80, na sessão de quinta-feira. Até dezembro, a estimativa é a moeda fechar o ano cotada entre R$ 5,40 e R$ 5,60.
Para o professor de economia Alexandre Miserani, a depender do Banco Central (BC) com relação ao corte dos juros (Selic), é possível que o dólar encerre o segundo semestre custando entre R$ 4,90 e R$ 4,95. “O Comitê de Política Monetária (Copom) do BC já sinalizou em baixar a taxa Selic (juros oficiais) em agosto”, diz ele.
Miserani explica que a redução dos juros deve representar, de um lado, “fuga” de capital estrangeiro especulativo, mas que, por outro, devido à segurança jurídica (com o novo governo), a tendência é que sejam atraídos dólares para investimentos na atividade produtiva.
“Baixando os juros, há mais investimento em produção, que dá maior condição de empregabilidade (à população), aumentando o consumo, incentivando a construção civil, o mercado imobiliário. É um novo ciclo de crescimento”, afirma.
Ainda de acordo com o professor, comprar a moeda agora, contudo, não é lá um grande negócio. “A não ser que se vá viajar”, conta.
Ele destaca, porém, que há previsão de reajuste de combustível já agora em julho, “em uma reação do mercado internacional (disputa de preços)”, e fala também da “economia claudicante dos Estados Unidos”.
Na semana passada, o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), Jerome Powell, indicou que a instituição pode promover novas altas nas taxas de juros dos EUA.
Governo Lula
Miserani ressalta que a valorização do real frente ao dólar é reflexo da credibilidade da economia nacional perante o mercado externo (novo governo).
“A presença de Lula no exterior desmistifica o ostracismo do Brasil, que volta a ser um importante player, na área do meio ambiente, agronegócio. Isso tudo traz divisa, outros países voltam a comprar do Brasil”.
Sócio na A&G Assessoria Empresarial e Tributária, o economista Glerton Reis Jr. confirma que a valorização do real ocorre por conta da entrada de dólares no País. Segundo ele, nos últimos 11 pregões da B3 (Bolsa de Valores brasileira) “houve uma enxurrada de dólares”. No mais recente foram U$ 7,8 bilhões, lembra Reis Jr.
Ainda de acordo com ele, três são os fatores que influenciam isso: queda da inflação em relação ao restante do mundo; perspectiva de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto); e a comparação dos juros reais no Brasil e nos EUA (quando descontada a inflação).
“Quando se tem uma paridade inferior a R$ 4,90, sempre é interessante o investimento (em dólar), seja no Brasil ou fora. Com relação a viajar agora nas férias de julho, por exemplo, o consumidor vai pagar mais barato que em janeiro”.
“Porém, se deixar para ir em dezembro, ou mesmo em 2024, irá pagar menos ainda. Indicadores apontam para uma valorização do real (frente ao dólar) para R$ 4,64, em três meses, e de R$ 4,40, em seis meses”.
O consultor defende a posição de independência do BC, incluindo a manutenção até aqui da Selic em 13,75% ao ano. “Foi importante (a Selic) para atração de dólares. Agora com a inflação contida, o PIB com tendência de alta, (o dólar) vai começar a baixar gradativamente já no segundo semestre”, aponta.
Investir na moeda
Para quem vê a cotação do dólar baixando e já pensa em diversificar as aplicações, o especialista em finanças pessoais João Victorino ressalta que a decisão de investir em moeda estrangeira “deve ser baseada nos objetivos financeiros da pessoa, da família ou da empresa”.
“Dessa forma, se a intenção for apenas proteger o patrimônio da inflação, há títulos públicos e privados nacionais que cumprem esse papel. No entanto, caso o desejo seja ter maior diversificação geográfica, investir em moeda estrangeira é certamente uma opção na mesa”.
Victorino explica que é preciso ter em mente que, inúmeras vezes, “previsões de analistas sobre o valor da taxa de câmbio no futuro podem não se concretizar, pois são feitas com base em uma série de variáveis altamente dependentes de outros fatores”.
“O economista Joelmir Beting tinha uma famosa frase que dizia que o câmbio foi feito para deixar os economistas e analistas humildes. Por esse motivo, ainda que as expectativas agora estejam acreditando que o dólar possa terminar o ano de 2023 perto da casa dos R$ 5,60 a R$ 5,40, ninguém possui bola de cristal”.
“Do ponto de vista estatístico, é mais aconselhável ir comprando a moeda estrangeira de modo recorrente, em base mensal, bimestral, trimestral. Assim, o seu preço de compra vai ficar bastante próximo do preço considerado justo no momento”, afirma Victorino.
Pelo perfil mais conservador do investidor brasileiro, “com experiência bem menor sobre o mercado financeiro”, o estrategista chefe da RB Investimentos, Gustavo Cruz, conta investir diretamente na moeda não é tão indicado. De acordo com ele, em muitos casos, trata-se de consumidor que, nos últimos anos, “saiu do produto poupança e vem aplicando no Tesouro Direto, e vem conhecendo outros ativos de maior risco”.
“Não é algo que damos indicação (a compra da moeda). Mas, um fundo cambial, onde o gestor pode fazer um mix de moedas, algum posicionamento que ele consiga fazer essa alocação. Fundo multimercado, ação direta da Disney, Amazon, ou produtos estruturados, fundo internacional, com ou sem proteção cambial”.
Para Thiago Armentano, head de Ativos Globais da plataforma de investimentos Simpla Club, é possível que o dólar caia ainda mais nos próximos meses. No entanto, lembra, “é importante ressaltar que prever a variação da taxa de câmbio no curto e médio prazos é complexo, pois envolve uma série de fatores econômicos e políticos que podem influenciar as cotações”.
Segundo ele, o Banco Central tem acertado em controlar a inflação no País. “Com a manutenção da taxa Selic em 13,75%, o Brasil tem oferecido um retorno real ajustado ao risco superior ao dos Estados Unidos, o que atrai investidores estrangeiros a alocarem seus recursos no país e contribui para a valorização do real em relação ao dólar”.