Numa decisão sem precedentes, o governo de Joe Biden decidiu hoje apoiar a ideia de suspender patentes de vacinas e se alia aos países emergentes na OMC (Organização Mundial de Comércio).
A postura reflete uma mudança histórica na postura do governo norte-americano em relação à propriedade intelectual e deixa o Brasil como um dos poucos países no mundo a defender a posição de que patentes não devam ser quebradas e que as atuais regras do comércio são suficientes para lidar com a crise sanitária.
O gesto de Biden foi amplamente comemorado entre instituições. A OMS (Organização Mundial da Saúde) chamou a decisão de “monumental”, enquanto seu diretor, Tedros Ghebreyesus, citou Biden como “exemplo de liderança internacional” e referência “moral”.
No fim de 2020, sul-africanos e indianos apresentaram na OMC a proposta de que patentes de vacinas deveriam ser suspensas, enquanto a pandemia de coronavírus existisse. Na prática, isso permitiria que doses fossem produzidas por empresas de todo o mundo, aumentando o abastecimento ao mercado global e preços mais baixos.
Hoje, 1,1 bilhão de doses de imunizantes já foram administrados. Mas 80% deles estão apenas em países ricos e de renda média. Nos países mais pobres, apenas 0,3% das vacinas foram distribuídas.
Durante o governo de Donald Trump, porém, os Estados Unidos foram contra a proposta e garantiram o apoio do Brasil para também se recusar a aceitar a ideia, que ganhou a adesão de grande parte dos países em desenvolvimento. A postura brasileira rompeu com uma longa tradição de diferentes gestões de defender o acesso amplo a tratamentos, com a saúde se sobrepondo à economia ou às patentes.
Mas Biden, sob pressão inclusive de seu partido, optou por abandonar esse quadro, num duro golpe contra as grandes farmacêuticas.
O gesto pode modificar de forma profunda as negociações que, há seis meses, vivem um impasse na OMC. Mais de 60 países emergentes insistem que apenas a quebra de patentes pode garantir uma maior produção de vacinas. Mas o projeto patinava e, nesta quarta-feira em Genebra, uma vez mais uma reunião terminou sem um avanço real.
Do lado da indústria farmacêutica, o argumento é de que a patente não é o obstáculo e, com milhões de dólares gastos em lobbistas, o setor tentou garantir a ideia de que só acordos voluntários de transferência de tecnologia poderiam mudar o cenário de abastecimento.
As multinacionais ainda argumentavam que, sem patentes, os incentivos para a produção e inovação seriam abalados.
Em nota publicada nesta quarta-feira, a Federação Internacional da Indústria Farmacêutica criticou Biden e disse que a suspensão de patentes não vai resolver “os reais desafios” da vacinação. “Trata-se da solução fácil – e errada – para um problema complexo”, disse. “Suspender patentes não vai ampliar a produção”, insistem.
De acordo com o setor privado, mais de 200 acordos de transferência de tecnologia foram já fechados e a crise exige “soluções pragmáticas”, exatamente o mesmo termo usado pelo governo de Jair Bolsonaro em reunião nesta semana na OMC. (Fonte: Uol)