Estação ecológica que Bolsonaro quer transformar em ‘Cancún brasileira’ é refúgio de espécies ameaçadas

Foto: Adriana Gomes/ICMBIO/Acervo
Foto: Adriana Gomes/ICMBIO/Acervo

A Estação Ecológica de Tamoios (Esec Tamoios), que o presidente Jair Bolsonaro quer transformar em uma “Cancún brasileira”, ocupa menos de 6% da baía de Angra dos Reis (RJ) e abriga espécies ameaçadas de extinção. O conjunto de ilhas também serve como refúgio para animais marinhos e como laboratório natural, que já foi usado em mais de 130 pesquisas nos últimos 11 anos. Em visita ao Rio de Janeiro, em 8 de maio, o presidente afirmou que a estação ecológica “está demais. Não preserva absolutamente nada”. Para ele, o turismo poderia trazer bilhões de reais por ano à região. Cancún, a cidade mexicana usada como referência, tem resorts de luxo e recebe milhões de visitantes todo ano, mas enfrenta desafios ambientais, como ocupação desordenada e redução significativa do recife de corais. Em 2012, Bolsonaro foi multado em R$ 10 mil pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) ao ser flagrado pescando num barco em uma área que integra a Esec Tamoios. Em dezembro do ano passado, a multa foi anulada e, em 2019, o servidor responsável pela fiscalização foi exonerado. Atualmente, não é permitido visitar, pescar, mergulhar, construir ou ancorar barcos dentro da estação ecológica. A intenção é preservar as espécies ameaçadas, como a garoupa, o cavalo-marinho, o boto cinza, o mero e o peixe-anjo, além de garantir a circulação de animais migratórios pela região, como pinguins. De acordo com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), mais de 200 espécies de peixes vivem ali. Além da fauna marinha, o instituto registra ainda a presença de aves e plantas raras, como alguns tipos de orquídeas e bromélias.

Esec Tamoios abriga espécies ameaçadas e pesquisas científicas — Foto: Rodrigo Sanches/G1

Histórico

A Estação Ecológica de Tamoios é uma unidade de conservação federal criada em 1990 para o monitoramento dos impactos das usinas nucleares de Angras dos Reis na região. Administrada pelo ICMBio, a área é formada por 29 ilhas, lajes e rochedos, incluindo seu entorno marinho no raio de 1 quilômetro. A unidade de conservação abrange os municípios de Angra dos Reis e Paraty. Entre as instituições que realizam estudos ali estão a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), a Universidade de São Paulo (USP) e o Museu Nacional. Mariana Batha Alonso, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é uma das pesquisadoras que usa o local como laboratório. “No mundo inteiro, a gente tem visto a importância de ter algumas áreas restritas à pesca perto da costa. É muito importante para os mamíferos marinhos terem esse tipo de espaço como a Esec Tamoios, porque ele acaba se tornando um berçário, um lugar para alimentação, para a socialização”, afirma. Para a professora, não é necessário que toda a costa seja protegida, mas que existam “respiros” para as espécies marinhas mais vulneráveis. “A região da Esec Tamoios é uma área muito única, é o encontro da Serra do Mar com um litoral bem recortado. Você tem ali um ecossistema que, se não for preservado, não vamos encontrar em outros lugares.” A baía de Angra dos Reis tem mais de 160 ilhas. As áreas protegidas pela Esec Tamoios somam cerca de 5,96% da área total da baía, segundo o ICMBio. “O mar não tem limites, mas os animais que vivem na região já sabem que encontram ali na reserva um espaço seguro, já estão familiarizados”, avalia a pesquisadora da UFRJ. “A área de conservação representa um pedaço muito pequeno da baía. Se a gente tirar esse pouco a gente vai expor muitas espécies a graves ameaças”, diz.

Constituição protege áreas de conservação

No evento no Rio, Bolsonaro disse que o estado “merece ter uma Cancún. E nós poderemos tê-la. E estamos trabalhando para a região de Angra. Depende de um decreto presidencial”. Apesar da declaração, qualquer mudança nos limites de uma unidade de conservação federal precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional. “A Constituição Federal protege essas unidades para impedir que elas sejam revogadas a cada mudança de governo”, explica Erika Bechara, professora de direito ambiental da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). O artigo 225 da Constituição diz que é dever do poder público “definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção” (parágrafo 1º, inciso 3º). Em abril de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que os limites das unidades de conservação também não podem ser alterados por meio de Medida Provisória (MP). A corte julgou uma ação de inconstitucionalidade que questionava um ato da presidente Dilma Rousseff. Em 2012, Dilma alterou os limites de áreas de preservação na Amazônia por meio de MP. No ano passado, o STF determinou que essa alteração deve seguir o processo legislativo. Assim como ocorreu com a MP de Dilma Rousseff, um decreto presidencial que extingue ou altera unidades de conservação também pode ser questionado judicialmente – e declarado inconstitucional. “Se houver a revogação de uma unidade de conservação por decreto, a Justiça pode declarar esse decreto nulo ou inconstitucional. O Poder Judiciário tem justamente o papel de controlar a legalidade dos atos feitos pelo Executivo”, explica Erika Bechara. (G1/Ba)

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