É de consenso entre médicos e autoridades de saúde que nenhum fármaco tem eficácia cientificamente comprovada no tratamento da COVID-19. Mas o assunto gera polêmica, já que outra parcela de profissionais de saúde vem receitando remédios no enfrentamento inicial da doença, e isso passa pela liberdade do médico.
O Conselho Federal de Medicina (CFM), inclusive, recomenda que cada médico faça a prescrição conforme suas próprias convicções, e essa é uma decisão tomada em conjunto com o paciente.
No rol dos medicamentos que vêm sendo usados para tratar precocemente o novo coronavírus estão ivermectina, cloroquina, vitaminas C e D, zinco, antibióticos e o vermífugo Anitta.
A ivermectina, usada no tratamento de vários tipos de infestações por parasitas, entre elas as causadas por piolhos e sarna, está no centro de uma denúncia feita pelas redes sociais do médico pneumologista Frederico Fernandes, presidente da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia (SPPT).
Nesse sábado (6/2), ele contou, por meio de um post no Twitter, o caso de um paciente que desenvolveu hepatite medicamentosa depois de ser internado com a COVID-19.
Trata-se de uma pessoa jovem, que manifestou sintomas leves da infecção e, depois de passar uma semana recebendo a ivermectina, a uma dosagem de 18 miligramas por dia (prescrição considerada equivocada na opinião de Frederico Fernandes), acabou apresentando piora em seu quadro de saúde.
A hipótese entre a equipe médica que atende o caso é que o problema esteja relacionado ao uso da ivermectina. Conforme Frederico Fernandes, o paciente agora está em avaliação quanto à necessidade de um transplante de fígado.
“Muito triste ver uma pessoa jovem a ponto de precisar de transplante por usar uma medicação que não funciona em uma situação que não precisa de remédio algum”, postou o pneumologista.
A lesão no fígado induzida por medicamentos é uma complicação hepática do uso de medicamentos, ervas e fitoterápicos de espectro variável, de alterações leves a hepatite aguda grave, que se manifesta algum período após a administração do medicamento.
Risco alto e desnecessário
A médica hepatologista do Orizonti, Instituto Oncomed de Saúde e Longevidade, Maíra Fernandes Almeida Penna, explica que muitas drogas usadas em tratamentos médicos, incluindo ervas medicinais ou outras substâncias, podem provocar alterações no fígado.
Na maioria das vezes, a médica esclarece, são manifestações leves, e em outros casos mais graves.
São alterações que podem estar associadas à dose prescrita ou acontecer de forma imprevisível, as chamadas reações idiossincrásicas, ligadas ao metabolismo hepático da droga.
“A toxicidade hepática pela ivermectina é rara e não é dose dependente, se enquadra na segunda definição. Ou seja, problemas gerados pelo uso não estão relacionados à dose. É uma droga segura, usada frequentemente. A questão é ser prescrita em situações que não se têm comprovação científica, expondo o paciente a um risco desnecessário. Ao se prescrever um medicamento, deve ser sempre discutido com o paciente risco X benefício. Se o benefício não foi comprovado, não vale a pena correr o risco, por menor que ele seja”, afirma.
Em casos mais severos de hepatite pode haver indicação de transplante do órgão.
A maioria das doenças hepáticas é inicialmente silenciosa, por isso é importante ter atenção aos sinais e manter os exames de rotina.
Maíra lembra que são raros os casos de desenvolvimento de hepatite aguda relacionada à ivermectina.
Não se trata de um medicamente de alto risco de toxicidade hepática, como se denominam danos no fígado causados por substâncias químicas. A questão passa mais pela necessidade de uso do remédio.
E isso não tem a ver com quantidade de doses, tempo de uso ou predisposições de saúde. São reações que não podem ser controladas.
“É importante lembrar que os quadros de hepatite aguda são a via final de várias causas. Outros diagnósticos devem ser descartados antes de atribuir o quadro a um medicamento, incluindo a ivermectina”, ensina.
Nem o fabricante recomenda
A ivermectina já foi recomendada como eficaz para tratar o novo coronavírus pelo ministro da Saúde e pelo presidente Jair Bolsonaro, e esteve em pauta em outra polêmica na última semana.
Em comunicado divulgado na quinta-feira passada (4/2) a Merck Sharp & Dohme (MSD), subsidiária no Brasil da farmacêutica Merck, que fabrica a ivermectina, afirmou que o medicamento não consegue combater a COVID-19.
O “kit COVID”, conjunto de remédios que vêm sendo preconizados para tratamento precoce da doença, vai em sentido contrário a orientações científicas, das autoridades sanitárias e de órgãos internacionais, como a Organização Mundial de Saúde (OMS).
Sobre a ivermectina, o médico infectologista e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Dirceu Greco, pontua que, na fase in vitro (testes em laboratório), as expectativas eram grandes, mas, a partir das avaliações clínicas, com experimentos em humanos, não houve resultados comprovados.
“Até o momento não existe nenhum tratamento farmacológico, nenhum remédio com eficácia comprovada para a COVID-19”, alerta.
Dirceu reforça a necessidade de manter as medidas de prevenção ao novo coronavírus, de conhecimento geral, ainda mais diante do processo lento da vacinação que ocorre até agora no país e do provável surgimento de variantes mais infecciosas, o que já vem acontecendo, e que eventualmente demandem atualizações nos imunizantes. (Estado de Minas)