Leucemia: saiba mais sobre a doença que matou a vice-prefeita de Laje

Eliene Batista, vice-prefeita de Laje / Foto: Voz da Bahia

A vice-prefeita do município de Laje, Eliene Batista, morreu aos 37 anos, na manhã desta terça-feira,19 (reveja aqui). Ela também ocupava o cargo de secretária municipal de Saúde da cidade e foi diagnosticada com Leucemia Promielocítica Aguda (LPA) no último dia 8. Com o agravamento do seu quadro de saúde, estava internada em um hospital de Salvador. Nos últimos dois anos, 747 pessoas morreram por leucemia na Bahia. Outras 4.115 pessoas foram hospitalizadas no estado, entre 2020 e 2021, para tratar a enfermidade. 

Eliene foi internada no dia 8 de abril após se sentir mal, no mesmo dia em que recebeu o diagnóstico. Ao saber da doença, ela agradeceu a todos, por meio de sua assessoria, pelo carinho, preocupação e orações. Um dia antes, 7 de abril, seu aniversário, ela postou nas redes sociais imagens de uma festa surpresa preparada por amigos e familiares. 

Secretária de Saúde, pedagoga, enfermeira, mãe, filha, esposa e amiga. A vice-prefeita de Laje, apesar da morte precoce, não teve uma caminhada curta na política. Além dos cargos que ocupava atualmente, Eliene Batista foi titular da Secretaria de Assistência Social e vereadora por dois mandatos. Além da vida política, era casada e tinha dois filhos ainda pequenos, a mais nova tem apenas 1 ano. 

Casos no estado

A LPA é um subtipo raro de leucemia, doença que tem diversos tipos que se manifestam de formas diferentes e com mais ou menos agressividade. Em 2021 foram 1.836 internamentos por leucemia na Bahia e 372 mortes. O tipo que mais apareceu nesses últimos dois anos nas estatísticas da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab) é um tipo raro de leucemia, a mieloide aguda. A promielocítica que ceifou a vida de Eliene é um subtipo da mieloide.

A hematologista Paula Caldas explica que a leucemia é um câncer que afeta os glóbulos brancos do sangue. “A leucemia nada mais é que uma célula clonal que ocupa a medula óssea, que é a ‘fábrica’ do sangue, onde as células são produzidas, e impede que outras células (glóbulos vermelhos, brancos e plaquetas), sejam produzidas. Assim, ocorre o acúmulo de células doentes na medula óssea, que substituem as células sanguíneas normais”, detalha. 

A leucemia se apresenta de duas formas principais: aguda e crônica. Esses dois tipos, por sua vez, têm subtipos. De acordo com Paula Caldas, a leucemia aguda se origina de uma célula imatura da medula, que é o blasto. Já as leucemias crônicas, que têm uma evolução mais lenta e mais indolente, se originam de células (linfócitos) maduros. 

“A aguda é a que mais se ouve falar, porque é uma doença grave, de rápida instalação e progressão. A pessoa pode morrer se não for feita uma avaliação com um hematologista para iniciar de forma rápida as medidas para controle e tratamento”, declara. 

A leucemia que tirou a vida de Eliene Batista é causada pelo promielócito, uma célula imatura, mas um pouco mais madura que o blasto. Paula expõe que essa é a leucemia que tem o melhor prognóstico, maior chance de cura, mas é considerada uma urgência hematológica, porque ela causa muitas alterações hemorrágicas.

Por isso, a pessoa diagnosticada com esse tipo da doença precisa ser prontamente avaliada para que não ocorra sangramentos, que é o que geralmente provoca a morte. 

Existem diversas formas de tratar a leucemia, como radioterapia e transplante de medula óssea. Paula conta que quando o paciente é mais jovem, os médicos recorrem a um tipo mais agressivo de tratamento, como a quimioterapia. 

Quem está passando por esse procedimento no Hospital da Bahia, em Salvador, é o policial militar Isaac Lindenberg, 34 anos. Febre, náuseas e dor no estômago são alguns dos sintomas que ele sentiu após as sessões. 

Isaac, que mora em Itaberaba, na região da Chapada Diamantina, foi diagnosticado com leucemia mieloide aguda no dia 22 de fevereiro após ter ido ao hospital com manchas no corpo, sangramento e sensibilidade na gengiva. Ao fazer um hemograma, o policial constatou que suas plaquetas sanguíneas estavam baixas.

“Eu vim para Salvador e recebi o diagnóstico de leucemia. Eu perdi meu chão, ninguém espera ser diagnosticado com uma doença dessa, mas eu compreendi a situação e sabia que o desespero seria a pior coisa naquele momento”, conta. 

Logo após o diagnóstico, Isaac começou a fazer quimioterapia e finalizou a segunda sessão nesta terça (19). “Não é fácil, mas os resultados estão sendo bastante animadores. Temos o tabu ao ouvir o nome da doença, como se fosse incurável, uma sentença de morte, mas existem muitos casos de pessoas que se recuperaram dessa enfermidade”, afirma. 

Para a família de Isaac, o diagnóstico foi um baque, mas todos se reuniram para apoiá-lo e prestar todo o tipo de suporte necessário. “Em meio a toda essa situação, é importante a gente saber que temos a nossa família do nosso lado. Também tenho muita fé em Deus e sei que ele tem um propósito em tudo isso”, declara o policial. “Quem estiver passando por isso, nunca desista. A leucemia destrói, mas também nos ensina muito a enxergar a vida de outra forma e a enfrentá-la de cabeça erguida”, complementa. 

Silvana Cal, 60, levou o pensamento de Isaac na prática quando teve leucemia mieloide aguda aos 37 anos, em 1999: tinha muita fé e esperança de que iria alcançar a cura. O que a fez procurar um médico e receber o diagnóstico foi uma alergia nas costas e gengiva inchada. Na época, em Salvador não tinha tratamentos para a doença e ela teve que ir para a cidade de São Paulo. 

Com duas crianças, Silvana precisou ficar longe dos filhos por oito meses, período que passou internada em um hospital paulista. A soteropolitana conseguiu se livrar da leucemia através do autotransplante, quando o médico submete o paciente a doses muito altas de quimioterapia sem destruir o sistema imune. “

Eu fiquei isolada por mais de 20 dias no quarto, os médicos tiraram meu sangue, filtraram e depois devolveram pro meu corpo. Fui melhorando depois disso”, detalha a administradora. 

Ela comenta que no início os médicos só davam a ela uma semana de vida. “Temos que ter muita fé, muita força e temos que investigar sempre a melhor forma de tratamento junto com os médicos. Tive problemas com o plano de saúde, com a distância da família, mas eu tive muita fé em Deus que eu ia melhorar e uma equipe médica maravilhosa”, ressalta. 

Homenagens

Em nota, a prefeitura de Laje lamentou a morte da vice-prefeita e destacou a sua importância política para a cidade. “Eliene, além de deixar um legado no município de Laje, também deixa a lembrança de uma querida amiga, filha, mãe e esposa”.

Nas redes sociais, personalidades políticas, amigos e familiares da vice-prefeita lamentaram a perda. “O município e a região perdem uma jovem liderança política que se destacou como vereadora e gestora pública. Que Deus conforte seus familiares e amigos”, escreveu o governador Rui Costa. 

“Que notícia triste o falecimento de Eliene Batista, vice-prefeita e secretária de Saúde do município de Laje, de apenas 37 anos. Tão jovem, tão cheia de vida, vítima de leucemia. Eliene foi vereadora pelo PCdoB, meu partido, e caminhávamos juntas”, disse a deputada federal  Alice Portugal. 

Segundo a diretora de Saúde de Laje, Camila Reis, Eliene Batista foi a vereadora mais bem votada da cidade. “Era muito prestativa, uma pessoa humilde, ajudava a todos. Fez a saúde de Laje ser reconhecida em todo o Vale do Jiquiriçá”.

Ainda segundo Camila, a vice-prefeita, após o internamento por conta da leucemia, teve AVC hemorrágico seguido de morte cerebral. O corpo de Eliene Batista foi velado e sepultado nesta terça-feira (19). “Ela deixará com certeza muita saudade e um legado que jamais será esquecido”, acrescentou a diretora de Saúde. 

Entenda o que é e como se trata LPA:

A doença – Leucemia Promielocítica Aguda (LPA) é um subtipo de Leucemia Mieloide Aguda (LMA). Quando uma pessoa tem LPA, a medula óssea não é capaz de produzir células sanguíneas normais o suficiente, pois existe um bloqueio no amadurecimento dessas células; 

Particularidades – A LPA é tratada de maneira diferente de outras formas de LMA. Se um paciente com LPA recebe tratamento padrão, existe o risco de ocorrer problemas em seu sistema de coagulação. Geralmente, a doença responde muito bem ao tratamento se o diagnóstico for feito a tempo e os pacientes com essa forma de leucemia têm uma boa chance de serem curados;

Causas – A causa da maioria dos casos de Leucemia Promielocítica Aguda não é conhecida ainda pela ciência e a medicina. Mas uma pessoa não pode, por exemplo, contrair LPA de alguém doente e nem pode contaminar outras pessoas ou passá-la aos descendentes;

Sintomas – Os sintomas mais comuns dessa forma de leucemia são: anemia, que pode causar falta de ar e fadiga; glóbulos brancos baixos, que podem causar infecções frequentes e persistentes; plaquetas baixas, podendo levar ao aparecimento de hematomas e/ou sangramento;

Diagnóstico – A LPA pode ser diagnosticada com exames de sangue; análise de amostras de medula óssea; exames específicos como testes citogenéticos e moleculares. Para determinar se as células são promielócitos, é preciso examinar as proteínas encontradas no exterior da célula, chamadas de marcadores celulares. Os testes podem ainda ser repetidos periodicamente durante o tratamento, para descobrir como a doença está respondendo;

Tratamento – O tratamento precisa ser iniciado o mais rápido possível quando uma pessoa é diagnosticada com LPA. Isso ocorre, porque, como explicou ao Correio a hematologista Paula Caldas, existe o risco de um sangramento sério (hemorragia) ocorrer, o que pode ser fatal. Ao contrário de outros tipos de leucemia, a maioria dos pacientes com LPA inicia o tratamento antes de todos os testes terem sido finalizados. Isso ocorre também porque se um paciente com LPA recebe tratamento padrão de LMA, existe risco alto de sangramento, com risco de vida.

Fontes: US National Library of Medicine e Dra Paula Caldas, hematologista.

*Com a orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo  / por Laiz Menezes* / Correio 24h

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