Mais da metade (51,6%) da população da Bahia sobrevive com menos de R$665,02 por mês. Com o dinheiro, dá para comprar apenas uma cesta básica, que custa atualmente R$585 na capital, de acordo com o Departamento de Estudos Econômicos (Dieese). Em números absolutos, são 7,4 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza no estado, o que coloca a Bahia no oitavo lugar no ranking nacional de pessoas pobres. Os dados são de um estudo realizado pelo Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), vinculado ao Governo do Espírito Santo.
Para a pesquisa, o instituto utilizou informações de 2021 e 2022 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), do Instituto Brasileiro de de Geografia e Estatística (IBGE). Os critérios de definição de pobreza e extrema pobreza são os mesmos utilizados pelo Banco Mundial. As taxas são de US$6,85 e US$2,15 per capita/dia, respectivamente. Na prática, são consideradas pessoas pobres as que recebem até R$665,02 mensais e, extremamente pobres, R$208,73.
Entre os milhares de afetados pelo drama socioeconômico está Alfeu Ferreira, de 58 anos. Todos os dias, ele pega duas conduções do bairro onde mora, Bom Juá, até a região do Farol da Barra. Sob a sombra de uma árvore, o homem pede doações de quem caminha e já se tornou figura conhecida entre os moradores do bairro.
Com parte da perna esquerda amputada e a outra comprometida pelo avanço da diabetes, Alfeu Ferreira não trabalha com carteira assinada desde o final da década de 90, quando era funcionário terceirizado da Universidade Federal da Bahia (Ufba). O baiano conta que teve o Benefício de Prestação Continuada, que lhe garantia um salário mínimo, cortado há cerca de um ano. Sem o auxílio do governo, depende da sensibilidade de pessoas comuns para sobreviver. “Eu vivo dessa ajuda que o pessoal me dá. Um passa, ajuda, dá uma moeda ou um biscoito. O problema é que depois do Carnaval, o movimento caiu muito”, conta Alfeu Ferreira, enquanto encara a orla pouco movimentada na tarde de segunda-feira (29). Neste mês, a situação financeira ficou ainda mais delicada por conta das fortes chuvas, que alagaram a região onde ele mora e impossibilitaram que ele transitasse de cadeira de rodas.
Contexto
Para além dos danos à saúde pública, a pandemia da covid-19 intensificou desigualdades econômicas que já eram latentes no território baiano. Em 2021, a pobreza atingiu o maior nível em dez anos, chegando a marca de 8,4 milhões de pessoas (56,6% da população). Já no ano passado, o Auxilio Brasil de R$600 e a expansão de Programas de Transferência Condicionada de Renda (PTCR) serviram de impulso para que 10,4 milhões de brasileiros deixassem a pobreza. Na Bahia, foram 717 mil pessoas.“A taxa de pobreza em 2021, por reflexos da pandemia, foi a mais elevada dos últimos dez anos. Já em 2022, um ano eleitoral, o governo tinha interesse em implementar o Auxílio Brasil, que contribuiu para a redução da pobreza no país”, explica Pablo Lira, diretor-presidente do IJSN.
Mesmo assim, o número de pessoas em extrema pobreza na Bahia é o sexto maior do país. São mais de 1,8 milhão de pessoas sobrevivendo com menos de R$208,73 por mês. Neste mês, a Bahia foi o segundo estado com o maior número de famílias assistidas pelo programa Bolsa Família do Governo Federal, ficando atrás apenas de São Paulo. São mais de 2,5 milhões de beneficiários que recebem R$658,00 em média. Apesar de importante, a transferência de renda sem políticas públicas integradas, não garante que as pessoas deixem a pobreza.
“Os dados indicam que a pobreza não é solucionada apenas com Programas de Transferência Continuada de Renda. Essa ação é fundamental, mas para virar a página, é importante que elas sejam combinadas com políticas de assistência social, acesso ao primeiro emprego, habitação e geração de renda”, aponta Pablo Lira.
No final de março, foi lançado o Programa Estadual de Combate à Fome do Governo do Estado da Bahia, que tem como meta promover a segurança alimentar e nutricional da Bahia. As ações são pautadas no estímulo à produção de alimentos saudáveis e doações. Até agora, 350 toneladas de alimentos foram doadas.
Regiões Nordeste e Norte têm os piores índices
Os 16 estados das regiões Nordeste e Norte são os primeiros do ranking de pobreza no país, o que reforça o caráter desigual das regiões brasileiras. Entre os primeiros estão Maranhão (58%), Amazonas (56,7%) e Alagoas (56,2%). O Rio de Janeiro, que possui 29% da população abaixo da linha da pobreza, é o que possui a pior taxa de pobreza entre as unidades federativas das outras regiões do Brasil.
Assim como as diferenças existem fora do Estado, elas também são percebidas dentro da Bahia. Apesar de o levantamento do Instituto Jones dos Santos Neves não trazer dados sobre municípios, o Censo mais recente do IBGE, de 2010, apontou quais cidades do estado possuíam mais pessoas com renda mensal de até ? de salário mínimo. São elas: Sítio do Mato, Campo Alegre de Lourdes, Barra, Pilão Arcado e Umburanas. Salvador só aparece em 414º lugar dos 417 municípios.
Mariana Viveiros, supervisora de informações do IBGE, explica que a pobreza é reflexo de outros problemas sociais que dialogam entre si e produzem desigualdades regionais.
“Existem dinâmicas econômicas diferentes e questões históricas que não foram equacionadas. Na área de educação, a taxa de analfabetismo da Bahia era de 12% em 2019, seis vezes maior do que a de Santa Catarina, por exemplo”, pontua.
O baiano Joceval de Jesus, de 39 anos, largou a escola ainda da 5º série para fazer bicos e ajudar no sustento da família. Sem ter completado os estudos básicos, até hoje nunca trabalhou de carteira assinada, o que torna inviável o pagamento de pensão aos dois filhos, de 7 e 4 anos. O pouco dinheiro que consegue levar para casa é o que consegue de motoristas e passageiros nos minutos em que os faróis de trânsito das áreas centrais da cidade ficam vermelhos.
É quando Joceval se aproxima dos carros com uma placa pendurada no pescoço com os dizeres “não sou aposentado e tenho dois filhos para cuidar”. Quando consegue juntar cerca de R$15, no final da tarde, retorna para casa em que mora com a mãe, em Massaranduba. “A vida é sofrida demais, mas o que eu posso fazer? É melhor pedir do que sair roubando, como muitos fazem por aí”, desabafa.
Em dez anos, a pobreza extrema pouco mudou no país
Antes da pandemia, o Brasil assistia uma diminuição da pobreza entre seus habitantes. Entre 2017 e 2020, o percentual de pessoas pobres caiu de 35,7% para 32,7%. O tímido recuo no número de brasileiros considerados pobres foi reflexo da diminuição das taxas de juros e inflação, além da geração de empregos, segundo analisa Pablo Lira. Mais de 10,4 milhões de pessoas deixaram a pobreza entre 2021 e 2022.
Os fatores, no entanto, não mudaram a vida de quem enfrenta a extrema pobreza. Em dez anos, o percentual de pessoas extremamente pobres caiu de 7% para 6,4%, em 2022. “No caso da extrema pobreza, são pessoas com nível de vulnerabilidade social muito elevado, que ganham menos de R$200. É essencial que políticas de assistência social sejam integradas e foquem nessa população, o que não vimos acontecer entre 2015 e 2020”, analisa o diretor-presidente do IJSN.
As raízes do problema social estão ancoradas na história do país, como explica o economista Edval Landulfo. “Após a Primeira Guerra Mundial, a sociedade brasileira passou por um processo de embranquecimento, em que foram fornecidas terras e recursos para que famílias europeias crescessem no Sul e Sudeste do país. As aplicações de políticas públicas na última década não foram suficientes para uma queda verdadeira na extrema pobreza”, analisa.
Para o economista, políticas econômicas integradas com ações nas áreas de educação e saúde devem ser tomadas para garantir oportunidades para as pessoas em maior vulnerabilidade. O Governo do Estado foi procurado para comentar os dados do instituto e a posição da Bahia no ranking nacional de pobreza, mas não retornou à reportagem.