Mesmo anos após câncer de mama, mulheres têm dificuldade no mercado de trabalho

Foto: Agência Brasil

Quando a empreendedora Sueli Moraes, de 53 anos, recebeu o diagnóstico de câncer de mama no fim de 2017, não pensou em parar de trabalhar por causa da doença. Mas, ao começar o tratamento, as histórias sobre dificuldade de reinserção no mercado de trabalho que ouviu das outras pacientes a fizeram hesitar. “Nem tomei coragem pra procurar logo. Esperei terminar meu tratamento e me sentir um pouquinho melhor pra voltar”, lembra.

Sueli já achava que a idade poderia ser um agravante para o mercado de trabalho. Por isso, fez curso de cuidadora de idosos e estava prestes a começar em um novo emprego. Mas poucos dias antes do início, foi contraindicada pelo médico que acompanhou o caso. Por ser em hospital e ter proximidade com pacientes, a função representava risco, já que a imunidade ficaria comprometida. Depois, os relatos pesaram ao tomar a decisão.

“A gente começa a fazer amizade com várias pessoas que já passaram por isso. Na hora de fazer o tratamento, várias pacientes me contaram que tiveram dificuldade para arranjar emprego. Porque na hora de preencher e responder aquelas perguntinhas, que a gente fala que já teve câncer, fica complicado. Elas diziam que eram dispensadas e nem recebiam retorno. E achavam que era por causa disso”, conta.

Mais de três anos após o diagnóstico, hoje Sueli vende comida para pets. Histórias como a dela correspondem a 78,5% das pacientes com câncer de mama após seis meses do diagnóstico. O dado é da pesquisa “Retorno ao Trabalho após o diagnóstico de câncer de mama: Estudo prospectivo observacional no Brasil”, liderado pela médica oncologista Luciana Landeiro, da equipe do Núcleo de Oncologia da Bahia (NOB), do Grupo Oncoclínicas.

Após 12 meses do diagnóstico, 69,7% não haviam voltado a trabalhar. E mesmo dois anos depois, 39,6% dessas pacientes ainda não tinham se reinserido no mercado de trabalho. A pesquisa foi a tese de doutorado da especialista, publicada em 2018 no periódico Câncer, uma das principais revistas internacionais na área de oncologia. O estudo observou 125 pacientes do SUS com câncer de mama entre 18 e 57 anos durante dois anos.

A oncologista explica que nem sempre o afastamento do trabalho é necessário. “Isso é muito individual, depende do protocolo. Então, a depender da intensidade do tratamento, pode ser muito viável seguir trabalhando ou ser mais difícil conciliar. Mas, de forma alguma, é definido que todos os pacientes precisam ficar afastados durante todo o período do tratamento”, explica.

Para Luciana, essa situação impacta negativamente de forma individual e em toda a sociedade. “A gente está falando de mulheres jovens, que potencialmente seriam produtivas para a sociedade, e estão excluídas dessa atividade por conta de um diagnóstico que, com uma boa assistência prestada, em boa parte delas tem condição de retomar o trabalho”, avalia.

O estudo aponta que 59,5% das entrevistadas eram as principais responsáveis pela fonte de renda da família. Esse é o caso da assistente administrativa Eneida Ferreira, de 52 anos. Ela se afastou do mercado de trabalho durante os sete anos do tratamento, também por contraindicação. Dois anos e meio após o fim do tratamento e nove e meio após o diagnóstico, voltou a trabalhar na área administrativa. Dessa vez, na modalidade de Pessoa Com Deficiência (PCD).

A mudança foi necessária por causa da retirada de parte da axila (linfonodo) na mastectomia, a cirurgia para retirada da mama. Por conta do procedimento, Eneida afirma não poder mais exercer função que tenha carga-peso. “Não posso fazer muita força nele (braço), só posso carregar até 1 kg nesse lado. Hoje, trabalho digitando”, explica.

Luciana pontua que, de forma geral, o observado é que as organizações não estão preparadas para atender os colaboradores com câncer de mama. Para a oncologista, quando há uma política para colaboradores com câncer bem instituída, o funcionário pode se sentir mais acolhido. “A falta de diálogo e ajustes com a chefia, que talvez possibilitassem o indivíduo a continuar, acaba fechando essa porta e o próprio paciente deseja se afastar para ter maior segurança de que vai enfrentar esse processo de forma presente no tratamento”, analisa. (BN)

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