O Relatório Global de 2021, produzido por agências da Organização das Nações Unidas (ONU), responsável por avaliar o impacto global da pandemia, aponta que, em 2020, mais de 2,3 bilhões de pessoas (30% da população mundial) não tiveram acesso à alimentação saudável, sendo este um dos fatores mais importantes para a prevenção da obesidade infantil e doenças associadas.
Um estudo global publicado em 2017 pela revista científica The Lancet projetou que, se as tendências observadas na época continuassem, até 2022 a obesidade em crianças e adolescentes de 5 a 19 anos superaria a proporção de pessoas com baixo peso pela primeira vez. Essa previsão agora parece certa se tornar realidade. A pandemia de COVID-19 acelerou em muitos países o quadro de obesidade infantil, afinal, as crianças ficaram mais tempo em casa, sentadas e deitadas, geralmente na frente de uma tela.
A estimativa da Organização Mundial da Saúde é que para 2025 o número de crianças obesas no planeta chegue a 75 milhões. Os registros do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que uma em cada grupo de três crianças, com idade entre cinco e nove anos, está acima do peso no País. Atrelado a escassez de alimentos, a má alimentação está presente de forma intensa, com crianças pagando um alto preço.
Dados da ONU de 2020 estimam que mais de 149 milhões de menores de cinco anos sofrem de atraso de crescimento ou possuem uma estatura muito baixa para sua idade; mais de 45 milhões – debilitadas ou muito magras para sua altura; e quase 39 milhões – acima do peso.
Três bilhões de adultos e crianças não conseguem acessar comidas saudáveis, em grande parte devido ao aumento da pobreza e a inabilidade de adquirir verduras, carne e laticínios, itens cujos preços seguem em ascensão.
Desafio no tratamento
O desafio para profissionais que atuam no tratamento da obesidade também cresce à partir do momento que cada vez mais pessoas, especialmente a população mais vulnerável, comem as chamadas calorias vazias, que não possuem nenhum valor nutricional e possuem altos índices de gordura e açúcares.
“Isso aumenta a população de mal alimentados, de pessoas vivendo com obesidade, com sobrepeso e doenças associadas a ela como, por exemplo o diabetes, hipertensão e problemas nas articulações, entre outras. Tudo isso também aumenta os custos de investimentos em saúde pública”, afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), cirurgião do aparelho digestivo, Fábio Viegas.
Segundo ele, é comum as pessoas pensarem que crianças acima do peso são encontradas apenas em países ricos. “Na África, cerca de 27% das crianças abaixo dos cinco anos estão com excesso de peso e na Ásia já estão em 48%”, informa Viegas.
O presidente da SBCBM reforça que durante a pandemia, notou-se um aumento ainda maior do número de crianças acima do peso.
“Esta é uma questão multifatorial, não só física, mas também mental. Com tanto tempo em isolamento, observou-se crianças mais ansiosas e descontando algumas de suas frustrações na comida. Escolas fechadas, aspectos ambientais e comportamentais fizeram com que elas estivessem muito mais tempo em frente ao computador, por exemplo, o que acaba implicando no sedentarismo, aumentando o consumo de alimentos ricos em açúcares e gorduras”, avalia.
Obesidade x pandemia no Brasil
O Brasil é hoje um dos países com a mais alta taxa de pessoas com obesidade no mundo. No entanto, com a pandemia o quadro se agravou.
Para que se tenha ideia o número de cirurgias bariátricas realizadas pelo SUS caiu em 69,9% em um ano, saindo de 12.568 em 2019, para 3.772 em 2020. Em 2021, até o mês de outubro, foram realizadas 1.940 cirurgias pelo Sistema Único de Saúde, redução em 84,5% se comparado a 2019. A realização de cirurgias pelos planos de saúde também caiu 11,9%, saindo de 52.599 procedimentos realizados em 2019, para 46.419 cirurgias em 2020.
Em contrapartida, a recente pesquisa Diet & Health Under Covid-19, que entrevistou 22 mil pessoas de 30 países, identificou que foram os brasileiros os que mais ganharam peso durante a pandemia de COVID-19. Aqui, cerca de 52% dos entrevistados declararam ter engordado. A média global é de apenas 31%. Ainda segundo a pesquisa, os brasileiros ganharam, em média, cerca de 6,5 quilos neste período.
De acordo com a última Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em parceria com o Ministério da Saúde, um em cada quatro adultos está obeso. São 29,5% das mulheres e 21,8% dos homens.
A obesidade impacta diretamente na saúde global dessa população. Existe uma série de comorbidades como, por exemplo, diabetes, hipertensão, doenças nas articulações que podem surgir ou se agravar diante do excesso de peso.