A narração (voz de mulher) conta um trecho de “Desejo proibido” – e não vem ao caso descrever as interações futuras do casal: o filme é uma das duas primeiras produções do Sexy Hot, maior canal adulto do Brasil, a oferecer recurso de audiodescrição (para cegos) e legendas descritivas (para surdos), em iniciativa alegadamente pioneira no mercado nacional do segmento.
“Eles estão frente a frente. E tocam as mãos. Antônio aproxima o rosto, e Tereza fecha os olhos”, diz narradora ao relatar trecho do filme.
As versões adaptadas de “Desejo proibido” (vendido como “o primeiro filme de época da Sexy Hot Produções”) e de “Sugar daddy” estrearam em 6 de agosto. O plano do canal é tornar “o conteúdo mais acessível”. A locução que abre este texto, por exemplo, é audiodescrição – trata-se da tradução das imagens em palavras. Já a legenda descritiva sinaliza – em texto – ruídos, sons, música, falas (ou sussurros e gemidos), de acordo com o G1.
Erra quem pensa que a escassez de diálogos e a abundância de gemidos e onomatopeias facilitam as coisas. E é preciso este cuidado elementar: a narradora não pode se animar demais, a ponto de – pecado talvez mais grave aqui – queimar a largada cometendo spoilers (ver detalhes mais abaixo). Palavrão é do jogo. Mas, às vezes, escapa um sinônimo encabulado, tipo “membro”.
“O mais importante é a responsabilidade social – nossa marca quer ser inclusiva. É uma parcela da população muito importante, e a gente quer atender. Todo mundo tem desejo, libido. E vimos que teria um mercado”, afirma ao G1 Cinthia Fajardo, diretora geral do grupo Playboy do Brasil, que controla o Sexy Hot e outros canais do segmento.
“Temos trabalhado muito a questão da diversidade. Queremos sair do lugar comum, dos filmes com enredo clichê. Então, dentro desse cenário, vamos também trazer os deficientes auditivos e visuais para também serem nossos consumidores.”
Antes das estreias, a audiodescrição de “Sugar daddy” foi mostrada a um grupo de 15 pessoas cegas. “Para saber o que achavam, se o tom de voz estava bom, se a velocidade da narração estava boa”, justifica Cinthia.
“Todas gostaram muito e ficaram muito satisfeitas de ver que vai ter esse tipo de conteúdo. Falaram que, antes, não tinham acesso a isso. Aí, a gente percebeu que pode ter uma demanda reprimida.”
Cinthia Fajardo é a primeira mulher a dirigir a Playboy do Brasil. Ela acha que isso faz diferença: “Dá uma satisfação poder trazer o olhar feminino a essa indústria e atrair um público de mulheres, ajuda a quebrar o tabu. É uma indústria que, durante tantos anos, teve muito o olhar masculino.”
Para este ano, a Sexy Hot Produções prevê outros seis filmes – e todos devem ganhar audiodescrição e legendas descritivas.
Diretora da Conecta Acessibilidade, que produz e adapta conteúdos audiovisuais e que trabalhou no projeto do Sexy Hot , Joana Peregrino conta que nunca tinha feito audiodescrição ou legenda descritiva na indústria pornô. No catálogo da empresa, estão produções convencionais, como os filmes “Chacrinha: O Velho Guerreiro” (2018), “De pernas pro ar 3” (2019) e “Minha mãe é uma peça 3” (2019).
“Filme pornô tem menos diálogos que filme de qualquer outro gênero. É muito mais visual. Mas, na audiodescrição, tomamos cuidado para não descrever demais e deixa o som das cenas. A audição do cego é muito mais potente, isso é comprovado pela neurociência”, conta Joana. “Essa audiodescrição vai introduzindo o conteúdo sem ficar dando spoiler.”
Ela explica que um consultor cego acompanha o processo de adaptação do roteiro à gravação. “E, nesse caso, foi um consultor cego que tinha feito um trabalho de conclusão de curso sobre audiodescrição em filmes eróticos.”
Com relação à legenda descritiva, a precaução foi outra. “Filme pornô tem, digamos, muito mais onomatopeias. Mas não dá para colocar demais, senão fica chato. Surdo tem muita acuidade visual, o que também é comprovado cientificamente, então não ficamos o tempo todo inserindo legenda, para não atrapalhar a visualidade da cena.”
“Não pode fazer juízo de valor, tem de dizer o que tá acontecendo. Se você tem vergonha de falar P., B., não pode fazer esse tipo de trabalho. Às vezes, alguém ri olhando aquelas cenas. Mas, se você está constrangido ou não, tem de guardar para você. Estamos promovendo acessibilidade. O que fazemos é ‘acessibilizar’ os conteúdos. Não importa se é pornô, documentário, ficção, animação.”, diz Joana.