O professor de artes marciais Yuri Carlton acusa seguranças do supermercado Big Bompreço, no Salvador Shopping, de terem cometido crimes de racismo e agressão física contra três jovens, alunos de um projeto social onde ele atua. A ocorrência foi confirmada pela Polícia Civil, que investiga o caso.
As vítimas são integrantes do Projeto Boa Luta, que atende quase 400 jovens em situação de vulnerabilidade social, no bairro da Boca do Rio, na capital baiana. Conforme o professor, habitualmente os alunos mais velhos, já adolescentes, vendem água mineral em semáforos da região, a fim de conseguir recursos para campeonatos.
Segundo Yuri, no dia 19 de janeiro, um adolescente de 14 anos e outro de 16, além de um jovem de 19 anos, foram até o supermercado comprar alguns alimentos e pedir doações para participarem do Campeonato Brasileiro de Jiu-Jitsu, que vai ocorrer no mês de maio, em São Paulo.
Quando estava no estabelecimento, o grupo foi abordado por quatro seguranças, que os acusaram de terem furtado materiais no local. Como eles negaram o furto, foram levados para uma sala, onde foram agredidos fisicamente e ofendidos com diversos insultos racistas.
“Os seguranças pegaram eles pela camisa e levaram para uma sala. Chamaram eles de ‘pretos safados’ e disseram que ‘favelado é ladrão’. Passaram uns 15 minutos com os meninos lá dentro e, como não encontraram nada, [os seguranças] liberaram eles, dizendo que a loja não era lugar para estarem pedindo nada”, disse o professor.
Yuri acrescentou que o trio também foi ameaçado e que um dos seguranças disse que, por serem pretos, os garotos “deveriam pegar em armas”. “Não sei porque razão, ele disse que preto tinha que pegar arma para ir trocar tiros com eles, em vez de praticar arte marcial. E os outros disseram que assim que encontrassem com eles na rua, iriam matá-los”, relatou.
A Polícia Civil informou que apura a denúncia de ameaça e injúria racial e disse que os envolvidos serão ouvidos na Delegacia de Repressão a Crimes Contra a Criança e o Adolescente (Derrca).
A administração do Salvador Shopping informou que entrou em contato com integrantes do Projeto Boa Luta para entender a denúncia e destacou que os envolvidos não fazem parte do quadro de seguranças do centro comercial. O empreendimento disse também que segue à disposição das autoridades para elucidação do caso e reafirma que não compactua com atos de racismo.
O g1 entrou em contato com o Big Bompreço, para ouvir a explicação sobre a atuação dos seguranças na loja, e aguarda posicionamento.
Tentativa de sequestro
O jovem e os adolescentes moram na comunidade do Barreiro, na Boca do Rio. Assim como outros colegas do projeto social, eles também vendem água mineral, sobretudo nos semáforos do Imbuí, bairro vizinho, para custear campeonatos.
De acordo com Yuri, alguns seguranças estiveram no ponto onde os adolescentes trabalhavam, no sábado (29), e tentaram colocá-los à força dentro de um carro. Um colega mais velho, que também participa das aulas, viu a situação e conseguiu impedir. Os homens partiram com o veículo e ninguém ficou ferido.
O professor destacou que as condições financeiras dificultam o objetivo dos garotos, mas cobrou justiça para punir os responsáveis.
“Eles moram na favela, sim, mas são garotos de boa índole. Trabalho com eles há mais de 10 anos e conheço a família deles. E tudo que eles buscam é somente um sonho no esporte”.
Racismo e injúria racial
Em outubro de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por 8 votos a 1, que o crime de injúria racial pode ser equiparado ao de racismo e ser considerado imprescritível, ou seja, passível de punição a qualquer tempo.
De acordo com o Código Penal, injúria racial é a ofensa à dignidade ou ao decoro em que se utiliza palavra depreciativa referente a raça e cor com a intenção de ofender a honra da vítima. Nesse caso, o crime é individualizado.
O crime de racismo, previsto em lei, é aplicado se a ofensa discriminatória é contra um grupo ou coletividade — por exemplo: impedir que negros tenham acesso a estabelecimento. O racismo é inafiançável e imprescritível, conforme o artigo 5º da Constituição. (G1)