Na contramão de LGBTs que têm Jair Bolsonaro e pautas conservadoras, de modo geral, como desafetos, cresce o número de gays, lésbicas e transexuais que saem em defesa do presidente e da agenda de “direita”. Criado há dois anos, o movimento Gays por Bolsonaro, por exemplo, já reúne cerca de 30 mil simpatizantes na internet.
Liderado pelo advogado Dom Lancelotti, o grupo surgiu na onda do “Gays for Trump”, dos Estados Unidos. Em 2016, durante a corrida eleitoral norte-americana, Peter Boykin, gay e político conservador, reuniu LGBTs que apoiavam as propostas de governo do então candidato republicano Donald Trump. Mais tarde, parte da comunidade LGBT considerou Boykin como “muito perigoso para pessoas transexuais”.
“Estamos acostumados a pensar que gays são de esquerda. Pelo menos no imaginário da população LGBT, não há a ideia de que um gay possa defender pautas conservadores”, afirma Dom Lancelotti
Declarações de Bolsonaro
A aversão a Bolsonaro, por parcela da comunidade LGBT, é motivada, por exemplo, por declarações públicas dadas pelo chefe de Estado. Algumas, à época em que era parlamentar.
“[Antigamente] não existia essa quantidade enorme de homossexuais como temos hoje em dia. E eles não querem igualdade, eles querem privilégios. Eles querem é nos prender porque nós olhamos torto pra eles, nos prender porque nós não levantamos de uma mesa pra tirar nossos filhos ‘menor’ de idade de ver dois homens ou duas mulheres se beijando na nossa frente, como se no restaurante fosse um local pra fazer isso. Eles querem é privilégios! Eles querem é se impor como uma classe à parte. E eu tenho imunidade pra falar que sou homofóbico, sim, com muito orgulho se é pra defender as crianças nas escolas”, afirmou Bolsonaro, enquanto deputado federal, ao extinto programa CQC, da rede Bandeirantes.
Em outro episódio, Bolsonaro insinua que a violência física poderia “mudar o comportamento gay” de alguém. “O filho começa a ficar assim, meio gayzinho, leva um couro, ele muda o comportamento. Eu vejo muita gente por aí dizendo: ainda bem que eu levei umas palmadas, meu pai me ensinou a ser homem”, afirmou Bolsonaro, em outro episódio.
Ainda durante a campanha presidencial, ele declarou: “Que respeitar homossexual o quê! Eles é que têm que nos respeitar, é o contrário. Se eu for presidente, sei que vou ter dificuldades. Mas [não vai haver] besteiras como seminário LGBT infantil, kit gay, defesa de presidiário”, disse.
Família, aborto, homofobia
Para o grupo, no entanto, as declarações de Bolsonaro apenas revelam um “jogo político financiado pela esquerda”. Em geral, eles afirmam que movimentos de esquerda estariam se aproveitando dos LGBTs a fim de forjar uma faceta de ódio e raiva. “Eles querem é privilégios”, diz Lancelotti.
“O movimento dito LGBT é usado. A maioria dos gays não concorda com essa exposição pública. Nós, héteros, não ficamos trocando beijo por aí. O que a minoria LGBT procura é fazer isso”, afirmou Bolsonaro durante entrevista, em 2017.
No Brasil, o movimento Gays com Bolsonaro defende pautas como liberalismo econômico, liberação do porte de armas, criminalização do aborto, apoio a arranjos familiares formados por homens e mulheres, o uso da cloroquina no tratamento contra o coronavírus e a criminalização dos “antifas”.
“Comecei a acompanhar o grupo que ia crescendo nos EUA e decidi me engajar nisso. Quando Jair [Bolsonaro] decidiu que sairia como candidato, quis trazer isso para o Brasil”, afirma Lancelotti. “Furamos uma bolha, destruímos a ideia de que gays só podem ser de esquerda”.
Esse movimento também vê a Parada Gay como espaço para “libertinagem”, rejeita o ensino de ideologia de gênero em escolas e contraria a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de 2019, de criminalizar a homofobia. “Quando o STF equipara a homofobia ao racismo, isso acaba afastando as pessoas”, diz o líder do Gays com Bolsonaro.
“É óbvio que o Brasil tem preconceito, mas quanto mais impormos, menos respeito teremos em troca. Quanto mais se exige aceitação, gera-se o contrário”.
“Minha bandeira não é a sexualidade”
“Minha bandeira não é a sexualidade, minha bandeira é o Brasil”, afirma Wilk D’Souza, ativista pela causa Gays com Bolsonaro. “Quando me assumi homossexual, estava estudando teatro e ouvia rumores sobre os possíveis candidatos à presidência. Me chamaram a atenção as críticas de que Bolsonaro era homofóbico. Decidi pesquisar sobre ele e me ‘apaixonei'”, diz.
Wilk D’Souza | Arquivo Pessoal
Minoria, por exemplo, é conceito inconcebível para o grupo. “Essa ideia [de minoria] só serve para dividir a sociedade, gerar discórdia. Todos devem ser protegidos. Não entendo por que tanto alarde a respeito da violência contra nós, quando sabemos que, infelizmente, a violência no Brasil é generalizada”, defende D’Souza.
Quanto à família formada por homem e mulher, o ativista afirma que essa conjuntura deve, sim, ser “preservada”. “A família é a base de toda a sociedade. Isso não significa, porém, que nós, homossexuais, não possamos constituir nossas próprias famílias”, diz.
“Sempre recebemos mensagens de agradecimento de gays que tinham medo de falar que defendiam ideias conservadoras. As pessoas têm medo, é como se fossemos clandestinos”, acrescenta Lancelotti.
“Cada um tem a sua sexualidade, mas tornar isso público é necessidade de vitrine. Não precisamos disso”, afirma, por outro lado, a transexual Cinthia Mariana, instrutora de tênis, e apoiadora de Bolsonaro.
Nas redes, Cinthia é taxativa: “você que é oposição, e está me assistindo, por favor, exerça seu direito de oposição. Comente, me xingue, me mande longe. Sem problema nenhum. Eu tomo pedrada desde que eu tinha 12 anos de vida, primeira vez em que coloquei um vestido, salto alto, e saí na rua. Não é você que vai me colocar medo”.
“Tudo o que aconteceu de reprovável nesses dois últimos anos tentaram associar à figura do presidente Bolsonaro. É quase engraçado isso, vocês têm que concordar comigo que isso é um pouco estranho”, diz, em vídeo disponível no Youtube. “Será que a oposição já viu que não vai ganhar nas urnas de novo e, por isso, essa tentativa de derrubar o presidente?”.
Cinthia Mariana dá aulas gratuitas de tênis para jovens em situação de vulnerabilidade Reprodução/ Twitter
“Essa gente que disse que o presidente, se fosse eleito, exterminaria a raça negra, a comunidade LGBT – e eu estou aqui bem viva -, só está mostrando seu caráter. Ele é, ironicamente, o único homem que está tentando, agora, nos manter com o mínimo de dignidade e liberdade, que é o direito de trabalhar”, diz Cinthia, e termina: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.
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