“Advogada mais ousada do Brasil” usa profissão para fortalecer debate sobre direitos das prostitutas

Especializada em direito de família e direito do consumidor, atualmente Frida Carla tem foco na consultoria para produtores de conteúdo adulto, tanto mulheres quanto homens, e acompanhantes.

Foto: Reprodução / Instagram

Sexo e direito caminham lado a lado na vida da advogada e acompanhante baiana Frida Carla. “A advogada mais ousada do Brasil”, como se autointitula, diz que uma profissão não atrapalha a outra e que, sim, o conhecimento sobre as leis, direitos e deveres a auxiliaram na jornada. 

Frida Carla, que hoje tem 40 anos, não fez uma escolha propriamente dita pela prostituição. O trabalho sexual veio como uma necessidade para garantir o sustento da família, ainda aos 18 anos, quando saiu de Salvador, sua terra natal, e se mudou para São Paulo com a mãe e o filho ainda bebê. 

“Não é que eu optei, foi o trabalho possível que apareceu em São Paulo, quando eu tinha 18 anos. Eu tava com a minha mãe e eu tinha um filho bebê, então foi o trabalho possível e aí eu comecei aos 18 anos. De lá para cá, eu passei por vários espaços de trabalho dentro do mesmo grupo, que é o grupo das trabalhadoras sexuais, como boates, privês em São Paulo, casas de massagem aqui em Salvador, até chegar a nova era das tecnologias que é os sites, isso foi mais ou menos em 2008, 2009”, conta em entrevista ao Bahia Notícias.

No entanto, o que antes não foi uma escolha, hoje é uma decisão consciente, inclusive com o investimento na produção de conteúdo adulto para plataformas digitais. “Eu particularmente gosto muito, porque eu acredito que eu tenho aptidão para isso. E aí eu resolvi produzir bastante conteúdo e utilizar também a minha profissão como advogada”, diz Carla que também é embaixadora da Fatal Models – agência de acompanhantes. 

Hoje, utilizar o título de advogada associado ao trabalho sexual na visão de Frida Carla vai além de questão de marketing. “É a realidade, eu sou advogada. Eu estudei, me formei, passei na OAB e eu sou advogada. Então, como eu paguei o meu curso superior, eu pago a anuidade da OAB com o meu trabalho como advogada, eu divulguei o que eu sou de verdade e como eu estou investindo na minha produção de conteúdo no Privacy, eu divulguei que eu sou advogada e produtora de conteúdo. E aí coloquei lá o meu QR code para redirecionar o público para o meu Privacy”, comenta. 

Quem anda pelas ruas da capital baiana já deve ter se deparado com cartazes da soteropolitana nua, enrolada na bandeira do Brasil e com uma balança símbolo da Justiça, sob os dizeres: “Quer conhecer o conteúdo erótico da advogada mais ousada do Brasil?”. 

Cartaz na advogada nas ruas de Salvador. Foto: Leitor

CARREIRA JURÍDICA

Frida Carla começou a graduação em Direito no ano de 2009 e se formou pela Faculdade Batista Brasileira, em Salvador, em 2013. “Muita gente questiona: ‘ai, tá vendendo conteúdo porque não passou na OAB?’. Essa é uma pergunta que sempre me fazem, mas quando eu passei na OAB eu estava ainda na faculdade. Eu passei na primeira vez que eu fiz, então o exame da OAB nunca foi uma dificuldade para mim”, lembra. 

Registro de Frida Carla na OAB-BA. 

O curso preparatório para o Exame Nacional da Ordem, bem como os cinco anos de faculdade foram pagos com o trabalho sexual. “Tinha clientes que me esperavam já na porta da faculdade para ir para o motel, porque era o meu trabalho, eu nem pude estagiar – meu trabalho sempre em primeiro lugar -, e eu paguei a minha faculdade com esse trabalho”. 

Junto à Ordem dos Advogados do Brasil Seção Bahia (OAB-BA), Frida Carla participou do Conselho Construtivo da Jovem Advocacia durante quatro anos.  

E por que decidiu continuar trabalhando como acompanhante mesmo depois de conquistar o diploma de nível superior? A advogada responde que ao entrar no mercado de trabalho se deparou com uma realidade social e política diferente da que imaginava. 

“Quando a gente chega no famoso network, a gente percebe que é um grupo fechado e que não é assim como a gente pensa que é, aquele conto de fadas. Então, cada um segue um caminho e eu preferi seguir o caminho da luta do lado de cá, que é o lado onde eu estava antes de me tornar advogada, porém dessa vez com um instrumento um pouco mais forte como advogada”.

Especializada em direito de família e direito do consumidor, atualmente Frida Carla tem foco na consultoria para produtores de conteúdo adulto, tanto mulheres quanto homens, e acompanhantes. 

Nesses 10 anos de atuação na área jurídica ela assegura nunca ter sido desrespeitada ou ter sofrido algum tipo de preconceito. “Nunca sofri nenhum tipo de preconceito, muito pelo contrário, a maioria dos meus clientes são advogados, seria uma hipocrisia muito grande. Eu fui num congresso jurídico de direito criminal e quando eu entrei eu vi vários clientes na sala, todo mundo virando de ladinho assim, pensando que eu ia cumprimentá-los, mas é claro que não. Eu sou totalmente discreta, até porque eu tenho clientes que jamais podem ser divulgados”.

Com a repercussão dos seus trabalhos e até o pedido de colegas de profissão para que a OAB da Bahia abra um processo disciplinar para cassação do seu registro, Frida Carla diz que já esperava comentários negativos e retaliações, mas que tem recebido apoio, inclusive de advogados. 

Ela chegou a ter o perfil derrubado no Instagram e precisou criar uma nova conta, parte por conta de denúncias devido ao conteúdo que mescla danças sensuais a falas sobre a luta por direitos das prostitutas, e por conta de um post recente com palavras não autorizadas pela rede social. A antiga conta tinha mais de 19 mil seguidores e a nova, em pouco mais de 24 horas já soma mais de 2.300 seguidores. 

“Estou disposta a colocar todo tipo de argumento para defender o seu trabalho, até porque a OAB tem uma Comissão da Mulher Advogada. Inclusive, logo no início de 2018 quando eu me assumi, porque eu não era assumida… logo no início uma das colegas fazia parte dessa comissão e ela chegou a cogitar que eu fosse fazer uma palestra na OAB para conscientizar a classe advocatista. Na época eu ainda não tinha muito conhecimento e eu ainda tava pesquisando muito sobre a minha profissão, embora já exercia, muitos anos, mas eu comecei a pesquisar e me inteirar mais a partir de 2018, eu aí neguei. Hoje iria, claro. E eu tenho uma colega gaúcha, Monique Prata, que é ativista, escritora, inclusive, usei um livro dela na minha dissertação de mestrado e a Monique foi convidada pela OAB Rio de Janeiro para dar uma palestra no Rio de Janeiro sobre os direitos das prostitutas que são mães. Então assim, por que que é OAB vai querer no caso, não vou falar punir, mas de certa forma censurar uma classe de trabalhadoras que vem lutando há muitos anos pelos seus direitos, pela regulamentação do trabalho, pela dignidade, pela segurança?”.

BANDEIRA DE LUTA

Diante do debate, Frida Carla acredita que os questionamentos sobre ela também serão capazes de levantar a discussão em torno dos direitos das trabalhadoras sexuais. Iniciando o diálogo com a categoria, que precisa ser feito “longe da cortina da moral”. 

A advogada assegura que pretende seguir lutando por esta pauta do direito trabalhista, além de apontar para a necessidade da visibilidade da produção de prostitutas em outros segmentos. A prova disso é o seu objeto de pesquisa no mestrado na Universidade do Estado da Bahia (Uneb) em estudo de linguagens focado na literatura, especificamente naquela produzida por prostitutas. 

“Daí eu trouxe vários livros escritos por prostitutas, levantei também esse debate da literatura periférica, literatura marginal que sim quebra todo aquele cânone da literatura que a gente já vem conhecendo e falo sobre a quebra dos estigmas na minha pesquisa de mestrado. Fez um ano agora que eu sou mestra pela Uneb”.  

A carreira acadêmica deve seguir com o doutorado, voltado ao estudo de memórias das prostitutas. “Eu acho que a gente tem que lutar pelo não apagamento da classe das trabalhadoras, do grupo histórico, político e social das prostitutas, então eu vou buscar uma linha de pesquisa que eu possa discutir e pesquisar sobre isso: memórias, registros, história”.

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