Um projeto de lei que propõe a modernização do turismo no Brasil — especialmente o trecho que trata da cobrança da taxa do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) em quartos de hotéis — foi discutido em audiência pública da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), no Senado, nesta terça-feira (11). As informações são da Agência Senado.
De autoria do ex-deputado Carlos Eduardo Cadoca, a proposta (PL 1.829/2019) atualiza conceitos e diretrizes do turismo às recomendações da Organização Mundial do Turismo (OMT) e de outros organismos internacionais. Também incorpora à Lei Geral do Turismo (Lei 11.771, de 2008) iniciativas e práticas já adotadas pelo Ministério do Turismo, pela Embratur e pelo trade turístico nacional. Entre várias mudanças, o projeto acaba com a classificação dos hotéis por meio de atribuição de estrelas.
O assessor jurídico da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis Nacional (ABIH), Huilder Magno de Souza, defendeu o fim da cobrança do Ecad nos quartos dos hotéis, alegando um “ponto de vista econômico”. Ao dizer que a incidência do tributo sobre essas unidades privativas traz um “peso significativo” para a rede hoteleira, ele declarou que o setor está em crise. Huilder citou os casos de 16 hotéis fechados no Rio de Janeiro, 26 empreendimentos falidos em Belo Horizonte e 25 no Rio Grande do Sul, desde 2016.
“Não somos contrários à cobrança do tributo em áreas comuns, mas à ideia de pagamento da taxa de cada apartamento, que é considerado um ambiente privado. Temos todo o respeito pelos artistas, sei do trabalho, do cansaço, do que é compor, mas o momento agora é de cada um ceder um pouco”, disse.
O presidente executivo do Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil (FOHB), Orlando de Souza, também se posicionou contrariamente à cobrança do Ecad nos quartos. Ele disse que cada apartamento é privativo e nem mesmo o dono do hotel pode ter acesso à unidade sem autorização formal.
“A cobrança em espaços públicos é devida, mas considerar o mesmo para um ambiente particular é um sofisma. O quarto é uma área de propriedade do hóspede, que alugou aquele apartamento e pagou por ele naquele período”.
Contrariedade
A representante do Ecad, Glória Cristina Rocha Braga, disse não ser possível que a música brasileira seja prejudicada e, os músicos, penalizados com a medida. Para ela, os quartos de hotéis são ambiente coletivo e, portanto, está correta a lei de direitos autorais que prevê o recolhimento da taxa.
“Os hotéis não querem um preço melhor, querem não pagar direitos autorais, e isso nós, representantes dos criadores brasileiros, não podemos admitir. Não penalizem a música”, defendeu.
A atriz e empresária Paula Lavigne criticou a posição dos representantes do setor hoteleiro e afirmou que muitos precisam de “uma aula”. Ao afirmar que a música engrandece o serviço — porque, segundo declarou, os profissionais da área “levam alegria às pessoas” —, a artista avaliou que a crise dos hotéis não se deve ao recolhimento do tributo.
“Há essa demonização do artista, como se a gente ganhasse fortunas. Direito autoral não é tributação, e eu fico até constrangida por falar coisas óbvias”.
O compositor Roberto Frejat declarou estar surpreso ao ver que o peso da crise do setor hoteleiro estaria sendo atribuído à categoria dos artistas. Segundo ele, no momento em que o turismo no Brasil precisa de incentivos, o PL 1.829/2019 prevê a diminuição do percentual de quartos adaptados para pessoas com deficiência e o fim da cobrança do Ecad.
“A lei brasileira não pode se sobrepor a leis internacionais que o Brasil assinou, e nenhuma delas pode ser desobedecida, como é exatamente o que acontece agora. Direitos autorais estão diretamente direcionados a direitos humanos, e a gente precisa ter muita responsabilidade em cima do que está sendo discutido aqui”.
O músico Nando Reis disse que direitos autorais são “sagrados” e que o percentual do Ecad é significativo, especialmente para os compositores anônimos. Ao se queixar de comentários avulsos de que os artistas “vivem de mamata”, o cantor declarou que trabalha seriamente e representa os autores, a quem classificou de “profissionais invisíveis”.
“A crise não tem nada a ver com a gente. Não é justo que recaia sobre nós a culpa sobre esses centavos, que recaem tão gravemente sobre aqueles que nem poderiam estar aqui, por não conseguirem se deslocar”, disse o artista.
Governo
Assessor técnico do Ministério do Turismo, Wilken Souto disse ser favorável à redação atual e manutenção de todos os artigos do PL, explicando que a proposta traz demandas de diversos setores da atividade turística. Ele reconheceu que o texto apresenta desafios, já que a burocracia no ambiente de negócios e a alta tributação sobre o turismo impedem a atração de investimentos. Wilken disse ainda que qualquer nova tributação aumenta o custo para os empreendimentos e atrapalha o crescimento do turismo no Brasil.
“O Ministério do Turismo é favorável a todas as medidas que possam facilitar a atuação dos prestadores de serviços turísticos e impactar, direta ou indiretamente, na diminuição de custos para o empresário e, assim, gerar emprego e renda. Esperamos que os senadores julguem a matéria como ela veio da Câmara dos Deputados”.
Senadores
O relator da matéria, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que presidiu a audiência pública, já sinalizou a intenção de manter a cobrança do Ecad sobre as áreas de uso exclusivo dos hóspedes. Na opinião dele, a alteração traria diminuição do pagamento de direitos autorais sem necessariamente baratear o custo da hospedagem.
Autor do requerimento para o debate, o senador Rodrigo Cunha (PSDB-AL) elogiou o relatório de Randolfe, considerando necessário buscar soluções que não prejudiquem o setor turístico, nem os compositores.
“Sem dúvida nenhuma, são os artistas que atraem o aquecimento econômico, mas precisamos contextualizar essa legalidade e trazer segurança jurídica. Percebi aqui apelos dos dois lados. A questão precisa ser aprofundada e, por isso, sou extremamente favorável ao debate”.
O senador Eduardo Gomes (MDB-TO) destacou o papel dos artistas brasileiros e disse que o desenvolvimento do setor hoteleiro tem outros entraves. O parlamentar também elogiou o debate, afirmando que a música é uma “indústria nos melhores países”. Ele defendeu a inclusão das composições nas políticas nacionais.
Já a senadora Soraya Thronicke (PSL-MS) disse que o povo brasileiro tem dúvidas quanto à destinação dos valores arrecadados pelo Ecad e opinou que o assunto deve continuar em discussão. (Metro 1)