Escolas públicas de ensino médio se destacam no Enem por boas práticas

Foto: Gabriel Jabur/Agência Brasília/GDF

Mariana Tokarnia – Repórter da Agência Brasil

Diálogo e parceria entre professores e alunos, envolvimento da comunidade, dos pais e responsáveis nas atividades escolares, apoio das secretarias de educação, uso de dados e monitoramento da aprendizagem. Com essa estratégia, escolas públicas que atendem alunos de baixo nível socioeconômico se destacaram na Prova Brasil e no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

As escolas foram identificadas no estudo “Excelência com Equidade no Ensino Médio: a dificuldade das redes de ensino para dar um suporte efetivo às escolas”, produzido pela Fundação Lemann, Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), Instituto Unibanco e Itaú BBA.

Ao todo, 100 escolas de um total de 5.042 se destacaram por boas práticas. Nelas, pelo menos 95% dos alunos concluíram os estudos, o que mostra que as unidades conseguiram evitar o abandono escolar. São escolas capazes de ofertar aos alunos boa base de conhecimentos, ajudá-los em projetos de vida, obtendo bons resultados em avaliações nacionais. Todas atendem a estudantes de baixo nível socioeconômico.

Quatro estados despontaram na lista com o maior número de escolas: Ceará, com 55, Espírito Santo, com 14, Goiás e Pernambuco, com sete cada.

Desafios

A pesquisa, segundo o diretor executivo do Iede e pesquisador responsável pelo estudo, Ernesto Martins Faria, evidencia desafios enfrentados pelo ensino médio brasileiro, como o ensino integral, que atualmente chega a 10,8% dos estudantes do ensino médio público. No modelo integral, os estudantes que passam sete horas diárias na escola e participam de atividades diversas. Pelo menos 82% das 100 escolas apontadas no estudo são de tempo integral.

Para melhorar os resultados, os estabelecimentos oferecem reposição de conteúdos ainda do ensino fundamental, além de aulões simulados. Oferecem ainda atividades para trabalhar as chamadas habilidades socioemocionais, como empatia, criatividade, responsabilidade e ética.

“Para conseguir fazer tudo isso, as instituições precisam de mais tempo. Ao passo que sao escolas que nos inspiram com práticas, fazem isso em um contexto de apenas 10% de alunos matriculados do ensino médio. Esse parece ser o desafio, pois poucas escolas com tempo regular têm conseguido resultados positivos.”

Outro desafio, segundo o diretor, é a necessidade da formação de professores. “O papel do professor junto ao jovem na adolescência traz desafios. Temos que ensinar a disciplina, mas também se relacionar socioemocionalmente com os alunos. A matemática é mais complexa, as ciências têm um nível complexo. É preciso usar estratégias para engajar os alunos, que muitas vezes saem desmotivados do ensino fundamental”, afirmou

A pesquisa voltada para o ensino médio é a terceira etapa da série Excelência com Equidade, que começou em 2012, com a análise dos anos iniciais do ensino fundamental, do 1º ao 5º ano. Os anos finais, do 6º ao 9º ano, foram analisados a partir de 2015.

Valorização do professor

Agência Brasil conversou com alguns dos diretores de escolas selecionadas sobre os “segredos” para o bom desempenho dos estudantes.

Na escola Gisela Salloker Fayet, em Domingos Martins (ES), a valorização dos professores é o diferencial. “O foco é o aprendizado do aluno, mas para atingir esse foco, tínhamos que passar pelo profissional que trabalha com ele, que é o professor”, destacou a diretora da escola, Josilene Werneck. Os profissionais participam de diversas reuniões de equipe, trocam experiências e discutem as melhores práticas. O segredo, segundo ela, está também na escuta sensível e no apoio aos docentes.

“A equipe cresceu muito e ficou mais preparada para assumir metodologias mais complexas.” Segundo Josilene, “planejamento é ouro”. A escola elaborou formulários que devem ser preenchidos pelos profissionais, o que facilitando o trabalho da equipe. 

A escola Gisela Fayet está localizada em Paraju, distrito que tem cerca de 2 mil habitantes, em uma região serrana, de imigração alemã, no município de Domingos Martins. Os alunos, em geral, são de famílias de agricultores, pequenos proprietários, meeiros e empregados das lavouras. A comunidade tem uma ligação com a escola, que promove eventos para integrar os moradores, como a Feira de Ciências, que tem como objetivo apresentar soluções para os desafios da região.

“Os alunos que saem do ensino médio, antes raríssimos, agora são muitos. Eles saem bem preparados”, afirma a diretora. A média obtidas por estudantes nas provas objetivas do Enem em 2017, foi 545,53. Na prova de redação, a média foi 609,70. Segundo dados da Prova Brasil, 63% dos estudantes deixam o ensino médio com aprendizado adequado em língua portuguesa e, 51%, em matemática.

Foco no cuidado

Cuidar de si mesmo, cuidar dos demais e cuidar do ambiente onde vivem é um dos preceitos da Escola de Referência em Ensino Médio de Salgueiro, localizada à beira de uma rodovia, a quatro quilômetros do centro de Salgueiro, município com cerca de 60 mil habitantes, no sertão de Pernambuco.

O cuidado começa no ingresso dos estudantes no estabelecimento. Para cada turma de ensino médio, a escola faz um diagnóstico sobre o nível de aprendizado dos jovens e traça metas para suprir a defasagem que carregam  do ensino fundamental. O trabalho dura um mês de forma mais intensa e, depois, segue com aulas de reforço semanais.

De acordo com a diretora da escola, Ana Clarisse Gomes, os próprios alunos são protagonistas no processo e aqueles que têm facilidade em determinado assunto, ajudam os demais, em monitorias.

A escola oferece ainda aulões e simulados mensais para preparar os alunos para ingressar na faculdade, além de aulas de empreendedorismo.

Aspectos socioemocionais também são trabalhadosA. “Trabalhamos com esse foco de olhar o aluno em todas as suas dimensões, cognitiva, emocional, espiritual e afetiva. Temos um foco forte em empreendedorismo e projetos de vida. Para discussão e reflexão, os estudantes montam um diário de bordo, onde fazem uma projeção da própria vida para daqui a quatro, cinco, seis, dez anos, e aprendem a empreender neles mesmos”, explica Ana Clarice.

A escola obteve média 517,05 nas provas objetivas do Enem, e 593,51, na prova de redação, em 2017. De acordo com os resultados da Prova Brasil, 47% dos estudantes deixam o ensino médio com aprendizado adequado em língua portuguesa e 24%, em matemática.

Acompanhamento de perto

No Centro de Ensino em Período Integral Professor Pedro Gomes cada professor é responsável por um grupo de 20 alunos. “Se o estudante mata aula, o professor conversa com ele. Se cai o rendimento, o professor conversa. Se tem alguma crise emocional, o professor está ali para ouvir, oferecendo uma escuta generosa, solidária”, diz o diretor da escola, José Joaquim Neto.

Localizada em Goiânia (GO), a escola recebe, a maioria, estudantes da periferia e também de cidades da região metropolitana, além de filhos de trabalhadores do bairro de Campinas, onde se situa. A diversidade é marca identitária da escola, que desenvolve diversos projetos que visam desenvolver nos alunos competências socioemocionais.

“A escola trabalha com o currículo como qualquer escola tradicional, mas não é onde está o pulo do gato dos resultados. Ele está em reconhecer que somente as competências cognitivas não são suficientes para os alunos enfrentarem os desafios que vão enfrentar na vida moderna, que precisam desenvolver as [habilidades] socioemocionais”, Neto.

A escola trabalha com projetos específicos para cada ano. No 1º ano do ensino médio, os estudantes escrevem livros, que são publicados em formato físico ou digital; no 2º, produzem vídeos curtas-metragens, exibidos em mostra competitiva organizada pela escola; e, no 3º,  escrevem artigos científicos. Neste ano, a escola irá produzir uma revista científica para publicar esses artigos, que seguem o rito da academia, sendo avaliados por uma banca de três professores.

No Enem, a escola obteve média 531,27 nas provas objetivas e 574,81 na prova de redação, em 2017. De acordo com os resultados da Prova Brasil, 63% dos estudantes deixam o ensino médio com aprendizado adequado em língua portuguesa e 12%, em matemática.

Apoio da rede

Localizada em Sobral (CE), a escola Lysia Pimentel Gomes Sampaio de Sales conta com o apoio do governo para oferecer aos estudantes infraestrutura adequada. O espaço escolar inclui auditório bem equipado com sistema de som e projeção, quadra esportiva com arquibancada, biblioteca, laboratórios e uma sala que pode ser usada de acordo com as demandas específicas.

“Temos uma política no Estado que tem mais de 20 anos de melhoria da escola pública”, afirmou a diretora Ana Emília Dias Pinheiro. “Já que estado é tão pobre, o que tem que fazer é estudar para melhorar”.

O cenário ideal de infraestrutura contrasta com a realidade da comunidade, a escola fica na divisa de três bairros dominados pelo tráfico de drogas, com alto índice de violência.

Na instituição, a disciplina rigorosa é uma característica, mas sem deixar de lado as competências socioemocionais e o cuidado com cada estudante.

Cada turma tem um professor como padrinho, responsável por acompanhar os estudantes e, quando necessário, encaminhar para acompanhamento por psicólogos. Segundo Ana Emília, a integração entre  saúde, educação e assistência social facilita o processo, em Sobral.

“A gente exige muito dos alunos, exige disciplina, mas exige também o lado socioemocional, que ele se valorize, que se capacite, que a autoestima esteja elevada, que ele se respeite e respeite os outros. Não há um exagero de aulas à noite ou no sábado, mas eles fazem o que tem que fazer, na hora que tem que fazer, desde a primeira à última hora.”

A escola obteve média 582,43 nas provas objetivas e 716,84, na prova de redação, em 2017. De acordo com os resultados da Prova Brasil, 88% dos estudantes deixam o ensino médio com aprendizado adequado em língua portuguesa e 66%, em matemática.

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