Laudos e depoimento confirmam que João de Deus foi espancado na prisão

Foto: Divulgação

Em algumas saídas do presídio para o hospital ou para audiências, o médium João de Deus, de 77 anos de idade, aparentava manchas no corpo e dificuldade para andar. Ele reclamava de dores intensas e as próprias roupas que usava, exalando um odor forte, denunciavam maus tratos. Condenado a quase 20 anos de prisão por assédio sexual contra quatro mulheres, ele estava preso desde dezembro de 2018, mas esta semana foi transferido para prisão domiciliar. Laudo médico anexado no processo de João de Deus comprovou que o médium foi vítima de agressão física, com lesão na face, localizada na pálpebra inferior direita, causada por instrumento contundente. A mesma constatação foi feita por um representante do Conselho da Comunidade de Execução Penal de Aparecida de Goiânia. Em conversa recente com este representante, João de Deus disse ter recebido ‘um soco’, mas na presença dos agentes penitenciários ele ficou receoso de ser espancado novamente e disse ter sido vítima de uma queda ao sair de sua cama. A agressão ocorreu no início do mês passado.

A história sobre eventual queda, no entanto, não se encaixa na rotina de João de Deus e nem nas características da cela. Desde o ano passado, o médium anda só com a ajuda de outro detento que divide o mesmo espaço com ele, um advogado, e com a ajuda de uma bengala. A distância da cama, onde ele diz que caiu, fica a dois metros e meio da parede onde supostamente se acidentou. Na sentença que autorizou João de Deus a cumprir pena em regime domiciliar, conforme antecipou VEJA, a juíza Rosângela Rodrigues Santos, da comarca de Abadiânia, faz menção a um laudo do Instituto de Criminalística de Goiás, comprovando que o médium foi agredido com “instrumento contundente”, mas não especifica o dia da agressão. A juíza alertou para as “más condições da cela”, com paredes mofadas, lixo hospitalar aberto e até agulha de seringa usada no chão, segundo ela um ambiente propício à disseminação do coronavírus. “O estabelecimento prisional é absolutamente carente em termos estruturais e humanos para oferecimento de cuidados básicos com a saúde e tratamento de qualquer um de seus custodiados, o que dirá daqueles que apresentam o quadro de debilidade física e de doenças graves”, diz ela.

O que mais irritou a juíza foi o fato de autoridades goianas impedirem uma inspeção no local onde o médium estava preso, justamente para constatar o tratamento dispensado ao preso. A juíza critica as autoridades públicas, em especial o então coronel Wellington Urzêda, que comandou até o mês passado a Diretoria Geral de Administração Penitenciária de Goiás. “A conduta do Diretor do Núcleo de Custódia, capitaneado pelo Coronel Urzêda, ao apreender os telefones celulares do perito nomeado por este juízo e impedir que a lesão fosse fotografada, assim como fizeram com os médicos do Instituto de Criminalística reforça os indícios de que o custodiado João Teixeira de Faria foi vítima de agressão física, durante a madrugada, por pessoa diversa daquela que divide com ele a cela”, escreveu a juíza.

A magistrada Rosângela fez mais críticas: “É vergonhosa a postura de agentes do Estado que se omitem diante de um descalabro desta envergadura, quando tinham o dever de, no mínimo, determinar a investigação acerca dos fatos e de corrigir as condições sub-humanas a que estão sendo submetidos os custodiados naquela Unidade Prisional. Afinal, vivemos em um Estado Democrático de Direito em que não são admitidos os calabouços dos Estados absolutistas da idade média”. Para decidir pela prisão domiciliar de João de Deus, a juíza levou em consideração vários argumentos apresentados pelos advogados Anderson Van Gualberto de Mendonça e Marcos Maciel Lara, que encontraram o médium isolado em uma das celas e passaram a defendê-lo, inicialmente sem cobrar honorários. Eles sustentaram que se trata de pessoa idosa, acometida por doença grave, com histórico de progressiva piora no seu estado de saúde, sem que o presídio pudesse oferecer tratamento adequado.

Em nota, a Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP) informou o seguinte:

A direção do Núcleo de Custódia, pertencente à Superintendência de Segurança da Diretoria-Geral de Administração (DGAP) informa que o Custodiado recebeu todas as assistências necessárias enquanto estava no local. Informa ainda que diversas oitivas em conjunto com advogados foram realizadas, momentos em que o detento afirmou que tais hematomas foram causados devido a quedas. As informações das oitavas foram assinadas pelo custodiado, defensores, representantes judiciais, além do diretor da unidade. Dessa forma, a direção do presídio informa que não procede as informações indicadas por este veículo de comunicação.

A direção da Casa de Prisão Provisória (CPP) de Aparecida de Goiânia, que integra a 1ª Coordenação Regional Prisional da DGAP-Unidade onde João Teixeira de Faria se encontrava antes do cumprimento da prisão em domiciliar – frisa que o custodiado não apresentou nenhuma queixa sobre hematomas.

A instituição frisa que manifestações, sugestões e reclamações de advogados e familiares devem ser protocoladas de forma oficial por meio da ouvidoria da Secretaria de Segurança Pública (SSP) pelo telefone (62)3201-1212 para que após análise a instituição tome as devidas providências, em conformidade com a lei.

(Veja)

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