PL do Marco Temporal pode afetar pelo menos 40 terras indígenas na Bahia

Quase 30 povos indígenas ainda não tiveram o território demarcado, segundo coordenador do Mupoiba, Agnaldo Pataxó

Foto: Reprodução

Está prevista para esta terça-feira (30), na Câmara dos Deputados, a votação do Projeto que trata do Marco Temporal na demarcação de terras indígenas. Se aprovado, o PL define que uma terra indígena só poderá ser demarcada se ficar comprovado que os povos estavam no território e realizando atividades produtivas nele até 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal. Isso coloca em risco pelo menos 40 terras indígenas na Bahia cujos estudos para o processo de homologação ainda não tiveram início, de acordo com informações da Associação Nacional de Ação Indigenista (Anai).

Segundo a antropóloga Jurema Machado, da Anai, no entanto, há processos de homologação que costumam durar anos, e ainda não há certeza sobre o que o PL faria com as terras cujos processos estão em curso, o que significa que ainda mais territórios indígenas podem ser afetados. “É importante ressaltar que o governo, através da Funai, não cria terras, ele regulariza, reconhece uma terra, e o processo passa por várias etapas”, diz a especialista ao Metro1.

A primeira delas envolve um estudo do território, feito em campo por antropólogos. Esse estudo é publicado, e, posteriormente, é aberta uma etapa de contestações de 90 dias, para que se manifestem aqueles que podem estar sendo afetados pela demarcação. A Funai, então, responde às contestações. Caso sejam aceitas, o processo volta para a etapa de estudo. Caso não, irão para avaliação do Ministério da Justiça – antes, iriam para o Ministério dos Povos Indígenas, que foi esvaziado na semana passada. Depois, acontece a declaração da posse, a demarcação física do território, e a retirada dos invasores sob indenização. Só então, acontece homologação feita pelo presidente da República, e o registro em cartório.

O processo ainda é travado se os ocupantes da terra não aceitarem a determinação e entrarem com uma ação judicial para recuperação da terra – o que é bastante comum, segundo Jurema. O resultado disso são processos que levam até 30 anos para serem finalizados.

“O marco temporal traz uma visão inconstitucional na etapa de campo. O que os antropólogos fazem é avaliar ocupação, atividade produtiva, proteção ambiental, a necessidade da terra para aquele grupo, e se a terra é capaz de garantir a reprodução física e cultural dos povos, que é direito constitucional dos povos. Uma verificação que é feita no presente. O marco propõe comprovar territorialidade em 1988, então não faz sentido técnico”, avalia.

Além desse fator, o defensor regional de direitos humanos na Bahia, Gabriel Cesar, pontua que o marco temporal desconsidera os povos que tiveram terras invadidas à época da Constituição, e tiveram que se retirar dos locais a que pertenciam.

“É como se você anistiasse a violência que os indígenas sofreram na época, e quem invadiu terras na época seria beneficiado por isso”, opina. “Muitos indígenas só começaram a retornar às áreas de onde saíram após o avanço das políticas indígenas no Brasil”, avalia.

Povos afetados

Para o coordenador geral do Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba), Agnaldo Pataxó Hã Hã Hãe, o marco temporal é visto como um desrespeito à vida da humanidade. “O marco trata do dia que estávamos em nosso território, como se nós que tivéssemos invadido. Entendemos que, se há de haver um marco, ele não deveria ser para nossos povos, já que nós que fomos invadidos”, diz o Pataxó ao Metro1.

Ele pontua que a demarcação de acordo com a Constituição aconteceu logo após uma ditadura militar, que não reconhecia a diversidade étnica e cultural no território brasileiro. “Então não tinha como nosso povo estar no território”, argumenta.

Ele diz ainda que quase 30 povos indígenas ainda não tiveram o território demarcado. “E os que tiveram demarcados, a maioria só conseguiu reconhecer depois, porque foi a Constituição que deu esse direito”. Contamos, dos que tinham reconhecimento, 7 povos antes de 88. Depois de 88, quatorze. E agora, são 30 povos indígenas no total”, contabiliza.

Segundo estudo publicado pela Anai, seriam afetadas as áreas das etnias Atikum, na região de Rodelas, no sul da Bahia, a Pataxó, em Santa Cruz Cabrália, além das terras de Cachimbo, em Ribeirão do Largo, Cachoeiras Sagradas, em Paulo Afonso, e Caldeirão Verde, em Serra do Ramalho. Além dessas, as terras de Catuí Panlá, Cerquinha, em Glória, e Tupinambá, em Itapebi.

Nesta terça (30), mobilizações estão sendo organizadas em todo o território da Bahia, do Norte ao Sul, contra o PL, segundo Agnaldo. (metro1)

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