O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu nesta terça-feira (31) proibir que o governo federal veicule qualquer campanha que pregue que “O Brasil não pode parar”, que sugira que a população deve retornar às suas atividades ou que minimize os riscos da pandemia do novo coronavírus. Para o ministro, o entendimento não restringe a liberdade de expressão, e sim obriga a União a informar adequadamente o público acerca das situações que colocam em risco a sua vida, saúde e segurança.
Ao avaliar que a situação é “gravíssima” e que “não há qualquer dúvida” de que a infecção por covid-19 representa uma ameaça à saúde e à vida da população, Barroso acolheu pedido da Rede Sustentabilidade contra uma campanha intitulada “O Brasil não pode parar”. Para o ministro, uma peça publicitária nesse sentido não está voltada para “educar ou orientar socialmente” no interesse da população, e sim para desinformar as pessoas.
“Em momento em que a Organização Mundial de Saúde, o Ministério da Saúde, as mais diversas entidades médicas se manifestam pela necessidade de distanciamento social, uma propaganda do governo incita a população ao inverso. Trata-se, ademais, de uma campanha ‘desinformativa’: se o poder público chama os cidadãos da ‘Pátria Amada’ a voltar ao trabalho, a medida sinaliza que não há uma grave ameaça para a saúde da população e leva cada cidadão a tomar decisões firmadas em bases inverídicas acerca das suas reais condições de segurança e de saúde”, alertou Barroso.
Conforme informou o Estado, ministros do Supremo Tribunal Federal dizem, em conversas reservadas, que se Bolsonaro levar adiante a ideia de reabrir o comércio, a medida será barrada pela Corte. O Estadão/Broadcast apurou que o Supremo não autorizará ação que confronte as recomendações das autoridades de saúde do Brasil e do mundo com relação ao combate do novo coronavírus. A principal delas é o isolamento social.
Para Barroso, a análise sobre o distanciamento social não é uma decisão política do presidente da República, e sim uma questão técnica que se impõe. “Haveria uma decisão política, no caso em exame, se a autoridade eleita estivesse diante de duas ou mais medidas aptas a produzir o mesmo resultado: o bem-estar da população, e optasse legitimamente por uma delas. Não é o caso. A supressão das medidas de distanciamento social, como informa a ciência, não produzirá resultado favorável à proteção da vida e da saúde da população”, escreveu o ministro.
“Não se trata de questão ideológica. Trata-se de questão técnica. E o Supremo Tribunal Federal tem o dever constitucional de tutelar os direitos fundamentais à vida, à saúde e à informação de todos os brasileiros”, ressaltou Barroso.
O presidente Jair Bolsonaro afirmou no último domingo que a divulgação do vídeo da campanha “O Brasil não pode parar” foi um vazamento. Após a repercussão, a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República afirmou em nota que o vídeo estava sendo divulgado de “forma equivocada”. A Secom chegou a dizer que o material foi produzido em caráter experimental e não foi aprovado para veiculação.
Isolamento. Em sua decisão, Barroso destacou que as medidas de distanciamento social são as medidas recomendadas para ganhar tempo no combate à transmissão do vírus e assegurar maior capacidade de resposta para o sistema público de saúde. “Os países que as adotaram de forma mais rápida e rigorosa sofreram menos”, observou.
O ministro frisou ainda que o Brasil é um país em desenvolvimento, com “muitas comunidades pobres” e milhões de pessoas que vivem em “situação de precariedade sanitária” e mencionou estudo do Imperial College COVID-19 Response Team que aponta para os riscos de “colapso” do sistema de saúde em países com população de baixa renda.
“Caso o Brasil não adote medidas de contenção da propagação do vírus, o próprio país poderá ser compreendido como uma ameaça aos que o estão combatendo, passando a correr o risco de isolamento econômico”, afirmou.
“Portanto, nada recomenda que as medidas de contenção da propagação do vírus sejam flexibilizadas em países em desenvolvimento. Ao contrário, tais medidas, em cenários de baixa renda, são urgentes e devem ser rigorosas, dado que as condições de vida em tais cenários – grandes aglomerações e falta de condições sanitárias adequadas – favorecem o contágio e a propagação do vírus”, pontuou Barroso.
Estadão Conteúdo