‘Pai Nosso é oração socialista’, diz pastor que dá curso sobre Cristo

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Existe um livro mais vermelho do que o Manifesto Comunista, e bem mais eficaz também, já que é o maior best seller global e está nos lares de muitos daqueles que fogem de Karl Marx como o Diabo da cruz. Chama-se Bíblia. Herética para a maioria do segmento cristão, essa tese encontra guarida com o pastor de tradição batista José Barbosa Junior, 49, o Zé. Ele agora difunde essa visão no curso “Cristo e o Socialismo – Uma União pra Lá de Possível”, em que cobra R$ 60 por oito aulas online para explicar como as Escrituras esculhambam o capitalismo.

Sabe o Pai Nosso? “Eu ousaria dizer que é uma oração socialista”, ele diz na segunda aula. “O que a gente não percebe o que ela traz de provocação num momento em que a gente é tomado por um capitalismo selvagem, um neofascismo.”

Citada nos evangelhos de Lucas e Mateus, a prece, segundo Zé, tem toda pinta de que poderia estar no manifesto do homem que já descreveu a religião como “o ópio do povo”. Ao dizer que o pai é nosso, e não meu ou seu, por exemplo. “Não é um projeto personalista, um sistema que exclui pessoas. Tenho que ver o outro como um igual.”

A menção ao “pão nosso de cada dia” aponta que “se está faltando pão pra alguém, e alguém tem demais, tem pão sobrando, alguma coisa tá errada nessa equação”, afirma o pastor da Comunidade Cristã da Lapa.

Ele resgata em seguida a passagem bíblica que narra como Jesus Cristo, ao topar com uma faminta multidão, viu um menino com cinco pães de cevada e dois peixes. Não pensou duas vezes: repartiu-os entre todos. O episódio é conhecido como milagre da multiplicação dos pães e dos peixes.

A mensagem, para Zé, é clara: “O texto denuncia que tem gente que tem demais”. Naquele dia, de acordo com a narrativa sagrada, todo mundo come e sobra o bastante para encher 12 cestos com pão, o que o pastor enxerga como um sinal de que é possível partilhar as riquezas do mundo, basta cortar os excessos.

A ideia de que um evangélico possa ser de esquerda é fustigada por várias lideranças do segmento que, em 2018, deu 70% de seus votos válidos para Jair Bolsonaro.

Em setembro, o site da Igreja Universal do Reino de Deus publicou um texto crítico à “bancada evangélica de esquerda”, que reuniu candidatos a vereador que se declaravam fiéis e progressistas. Para a igreja do bispo Edir Macedo, havia duas razões para justificar o fato de um cristão ser de esquerda: “Ou ele não entende o que é ser esquerda ou não sabe o que é ser cristão. Isso porque países que adotam políticas de esquerda vivem sob regime absolutista, que tem como um de seus objetivos cercear a liberdade dos indivíduos, inclusive, a religiosa”.

“Quem tem que se explicar é quem é pastor e capitalista. Também não consigo ver Jesus fazendo arminha com a mão”, diz Zé à Folha, lembrando do gestual típico do bolsonarismo.

A perseguição não é unilateral: ele diz que também apanha entre os pares esquerdistas por ser evangélico. “A esquerda olha [essa religião] com certo desdém. Entende como espaço de total alienação.”

Uma tolice, já que a Bíblia “fala o tempo todo de falsos profetas e exploradores da fé”, o que segundo ele atinge em cheio justamente os pastores que enchem a boca para execrar o casamento entre progressismo e cristandade.

A influência -que beira à hegemonia- da direita sobre templos é um desvio histórico, segundo o pastor que tem uma camisa da torcida antifascista do Flamengo.

Os anos Lula, quando mais de 30 milhões de brasileiros ascenderam à classe média, foram “um período de bonança” para o país”, ele explica. “Isso reflete nos dízimos e nas ofertas. As igrejas investem mais, já que circula muito mais dinheiro dentro.”

Daí não ter cabimento “as fake news que sugerem coisas do tipo ‘o PT vai fechar as igrejas'”, afirma Zé, que já ouviu de um sargento, quando prestou serviço militar, que era um “melancia”: verde por fora e vermelho por dentro. “As igrejas cresceram sobretudo no governo do PT”, diz.

No período, ninguém estranhava alianças entre o PT e líderes como Edir Macedo e o pastor Silas Malafaia (que chegou a aparecer na propaganda eleitoral de Lula). Hoje os dois apoiam Bolsonaro, assim como a maioria do eleitorado evangélico -que no passado, contudo, já ajudou a eleger Lula e Dilma Rousseff.

Para o pastor, a esquerda tem sua cota de autocrítica a fazer. Ele considera um “erro grotesco”, por exemplo, a forma como aborda a bandeira da desmilitarização da polícia para diminuir sua truculência. Um hino de guerra comum em protestos diz: “Não acabou/ Tem que acabar/ Eu quero o fim da Polícia Militar”.

O problema é que, dito dessa forma, “reforça o senso comum de que a esquerda apoia bandido”, afirma. E com isso nenhum cristão poderia compactuar.

Seu curso está disponível na plataforma de educação da revista Fórum, portal de viés esquerdista onde publica artigos como “Eu conheci a verdade, e era fake news!” e “Em nome de Jesus… Sai, Bolsonaro!”. (O Tempo)

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