A organização criminosa que chegou a ser a mais temida na Bahia, hoje, não passa, até então, de relatos policiais. A facção Caveira, que surgiu no Complexo Penitenciário da Mata Escura, foi uma das responsáveis pela alta da criminalidade na capital baiana em 2010, quando 4.868 pessoas foram assassinadas. Ao que tudo indica, a última vez que que a Caveira ficou em evidência foi em 2017, com a morte da última liderança que estava em liberdade.
Mandante do massacre de presos e familiares no Presídio de Feira de Santana, em maio de 2015, Romilson Oliveira de Jesus, o Rafael, morreu em um tiroteio com a Polícia Civil em Camaçari, Região Metropolitana de Salvador, durante cumprimento de mandado de prisão em 27 de janeiro de 2017 – mais de 500 quilos de pasta base de cocaína foram apreendidos na operação. Mas a “morte” da Caveira aconteceu aos poucos, tendo como principal motivo a ascensão de uma outra facção, que fora criada pelo própria Caveira para ser uma ramificação, o Bando do Maluco (BDM).
De acordo com fontes da Secretaria de Segurança Pública (SSP), com a prisão em 2012 do principal líder, Genilson Lima da Silva, o Perna, que até hoje cumpre pena no Presídio Federal de Catanduvas (PR), a Caveira decidiu como estratégia criar o BDM em 2015, seguindo modelo semelhante às maiores organizações criminosas do país – Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro. A intenção era ampliar a área de atuação da Caveira, nesse caso, na Bahia, em alguns pontos estratégicos do tráfico da capital, como Subúrbio e Cajazeiras, e, principalmente, na Região Metropolitana de Salvador.
No entanto, houve um racha – o motivo ainda é um mistério – e a parte do grupo mais violenta ficou sob o comando do assaltante de banco José Francisco Lumes, o Zé de Lessa, fundador do BDM – ele morreu em dezembro de 2019 pela polícia no estado do Mato Grosso do Sul. “O PCC que antes só fornecia armas para a Caveira, passa a fazer negócio também com o BDM por causa da influência de Lessa, pois já pega armas pesadas, como rifle, fuzil, para arrombamentos a instituições financeiras. Assim o BDM foi ficando mais forte”, disse uma fonte da SSP, que passou pelas principais delegacias de Salvador no auge da guerra entre as facções Caveira e Comando da Paz (CP), entre 2005 e 2010.
Com o tempo, o BDM passou a direcionar os ataques aos ex-comparsas, que também perderam pontos estratégicos como a Liberdade, Curuzu, Santa Mônica e Pernambués, para o CP – hoje Comando Vermelho – , e Nazaré das Farinhas e outras regiões do Recôncavo para a Katiara .
Ataques
De lá pra cá, aos poucos, as pichações que indicavam o domínio de Perna foram substituídas. O grupo, que já estava enfraquecido com algumas lideranças, consideradas as “mentes pensantes”, presas ou mortas, passara a ser massacrada pelos rivais, principalmente pelo BDM. “Na época, muitos do Caveira resistiram em mudar de lado e o BDM foi contudo pra cima, com maior número de homens e armas fizeram um grande estrago à organização, que perdeu soldados, bocas-de-fumo e poder de fogo”, explicou a fonte da SSP.
Os ataques resultaram em diversos momentos de terror nas comunidades de Salvador. Contudo, a SSP intensificou o número de operações nesses locais, como medida para conter a violência, o que não funcionou. Foram momentos difíceis. “Era um mata-mata de cada lado. No final do dia, a gente tinha 10, 15, 20 corpos para investigar, tudo relacionado à guerra entre Perna e Pitty ( Eberson Souza Santos, líder do CP).Participei de várias operações, muitas com baixa (morte) do lado de lá, mas o tráfico logo recrutava novos soldados e ciclo continuava, como é até hoje”, recordou a fonte da SSP.
O cientista social Luís Lourenço fez uma análise da época. “O mercado varejista de drogas que é dominado por grupos criminosos em disputa sempre representa risco, não só pelas disputas entre as facções, mas pela política de guerra às drogas adotada pelas força de segurança pública. Violência e força gera menos paz e mais vítimas, seja por parte da polícia como das facções”, declarou ele, que é também professor do Departamento de Sociologia e coordenador científico do Laboratório de Estudos em Segurança Pública, Cidadania e Solidariedade (Lassos) da Universidade Federal da Bahia (Ufba),
A reportagem procurou a Polícia Civil para saber o que teria causado o desaparecimento da organização criminosa e seus impactos. Até o fechamento da edição não houve resposta. Já o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) informou que as investigações sobre facções criminosas são sigilosas e “os resultados das ações de combate são oportunamente divulgados à sociedade por meio dos canais oficiais de comunicação pública do MP baiano”.
Perna x Pitty
Desde a prisão de Raimundo Alves de Souza, o Ravengar, em feveiro de 2004, o tráfico de drogas passou a ser pulverizado, consequentemente houve um aumento expressivo da criminalidade, especialmente em Salvador. Ele era considerado o maior traficante da ocasião e a localidade do Morro da Águia, no bairro da Fazenda Grande,era a sua fortaleza.
Com Ravengar preso, seu império foi cobiçado por Perna e também por Eberson Souza Santos, o Pitty, líder do Comando da Paz (CP). Ao contrário de Ravengar, os dois já estavam há mais tempo no Complexo Penitenciário da Mata Escura, onde mantiveram contato com traficantes paulistas e cariocas presos aqui e assim se “aperfeiçoaram”, passaram a exercer liderança entre os muros das unidades prisionais.
Perna e Pitty lideram uma disputa acirrada pelo domínio do tráfico no estado e ganharam fama pelos vários crimes que lhe foram atribuídos, inclusive chacinas e assaltos a bancos e carros-fortes. Em 2007, Pitty fugiu da prisão, mas meses depois acabou morto em confronto com a polícia em Candeias. Depois da morte do rival, Perna enfrentou o sucessor de Pitty, Maurício Vieira da Silva, o Cabeção, que também estava preso no complexo.
Em 2008, a polícia fez uma operação no Presídio Salvador, quando apreendeu na cela de Perna R$ 280 mil em dinheiro, oito quilos de cocaína, duas pistolas, além de cadernetas com anotações do tráfico e vários aparelhos celulares. Depois do ocorrido, o traficante, juntamente com Cabeção e outros criminosos considerados altamente perigosos, que já mantinham ligação com o PCC, foram encaminhados para o presídio de segurança máxima em Catanduvas, interior do Paraná.
Mas, nem por isso, as facções foram desarticuladas. Pelo contrário. Ações do tráfico em represália às transferências foram sentidas também pela população. Além do aumento das exeuções de rivais, houve uma série de ataques a ônibus e também às forças de segurança, com a morte de civis e militares. Outras lideranças surgiram e, com isso, novas organizações criminosas também e alianças poderosas como a permanência do Comando Vermelho (CV) na Bahia. (Correio)